Você entra numa livraria pequena do seu bairro e encontra o mesmo livro pelo mesmo preço que está na Amazon ou em qualquer megastore. Isso é exatamente o que a Lei Cortez quer fazer acontecer! A ideia é simples: quando um livro novo é lançado, seu preço fica travado por um ano em todas as lojas do país. Não importa se você está comprando numa livraria de esquina ou num gigante do varejo – o preço será o mesmo.
Segundo essa proposta, por que isso é importante? Porque hoje as grandes redes conseguem dar descontos enormes que as livrarias menores simplesmente não podem acompanhar. Com o tempo, isso acaba forçando muitas livrarias de bairro a fecharem suas portas.
A Lei Cortez promete mudar esse jogo. A proposta tem o objetivo de criar condições mais justas para todos os livreiros e garantir que continuemos tendo livrarias de todos os tamanhos, em todos os cantos do país, cada uma com sua personalidade e seu acervo único.
A Lei Cortez vende uma história bonita, mas a verdade é bem diferente do que parece à primeira vista.
Quando dizem que é pra proteger as pequenas livrarias e democratizar o acesso aos livros, precisamos colocar uns pontos de interrogação bem grandes aí. Na prática, o que acontece quando você força todo mundo a vender pelo mesmo preço (geralmente mais alto)? Isso mesmo: o pessoal que já tem dificuldade pra comprar livro vai ter ainda mais.
E aquela história de ajudar as livrarias menores? Bem… Quando você impede descontos, não está necessariamente salvando as pequenas – está só garantindo uma margem maior pra todo mundo, inclusive (e principalmente) para as grandes redes e editoras.
O mais irônico é que essa lei, que diz querer democratizar o acesso à leitura, pode acabar fazendo exatamente o contrário: livros mais caros, menos promoções, menos gente lendo. E quem se beneficia mesmo? Não são os leitores, nem necessariamente os pequenos livreiros – são os grandes players do mercado que conseguem manter seus preços artificialmente altos sem medo da concorrência.
Vou explicar de forma simples os principais pontos desta lei que institui a Política Nacional do Livro: A lei busca regular o preço dos livros no Brasil, tanto impressos quanto digitais, para torná-los mais acessíveis e garantir uma concorrência justa no mercado.
1. Preço Fixo:
– As editoras devem estabelecer um preço único (preço de capa) para cada livro
– Este preço deve ser mantido por 1 ano após o lançamento
– Para reedições, o prazo é reduzido para 6 meses
2. Regras de Comercialização:
– Livrarias não podem vender abaixo do preço estabelecido pela editora
– O preço deve ser público e disponível eletronicamente
– As editoras devem dar condições iguais a todas as livrarias, independente do tamanho
3. Exceções:
– Livros raros ou usados
– Livros fora de catálogo
– Edições limitadas (até 100 exemplares)
– Vendas para instituições públicas
4. Fiscalização e Penalidades:
– PROCON e Ministério da Fazenda fiscalizarão o cumprimento
– Multas para infrações podem chegar a 250 vezes o preço do livro
– Em caso de reincidência, as multas aumentam progressivamente
5. Incentivos à Leitura:
– Criação de programas de incentivo à leitura
– Parcerias entre entidades públicas e privadas
– Implementação de hora de leitura nas escolas
– Tarifas postais reduzidas para livros
O objetivo final é:
– Democratizar o acesso aos livros
– Proteger as livrarias menores
– Evitar concentração de mercado
– Incentivar a diversidade de pontos de venda
– Fomentar a cultura da leitura no país
A Lei Cortez se inspira em modelos europeus, especialmente da França, Alemanha e Portugal. No entanto, essa comparação revela um problema fundamental: estamos tentando transplantar uma solução de realidades muito diferentes para o nosso contexto. Nos países europeus, a cultura do livro está profundamente enraizada na sociedade. As crianças crescem em ambientes onde a leitura é natural e valorizada, as bibliotecas são abundantes e bem equipadas, e existe uma tradição consolidada de consumo literário. Além disso, o poder aquisitivo médio permite que a compra de livros seja uma prática regular para grande parte da população.
O Brasil enfrenta desafios bem diferentes. Nossa relação com a leitura ainda está em desenvolvimento, com números modestos de leitores regulares. Muitas pessoas simplesmente não têm condições financeiras de comprar livros com frequência, e outras tantas não desenvolveram o hábito da leitura, seja por questões educacionais ou culturais. A realidade do mercado livreiro europeu é fundamentalmente diferente da brasileira. Na Europa, as livrarias – especialmente as pequenas e independentes – são parte vital do tecido cultural urbano. Não são apenas estabelecimentos comerciais, mas verdadeiros centros de difusão cultural que se mantêm há gerações.
Este cenário se sustenta por uma combinação de fatores socioeconômicos importantes. A menor desigualdade social e os salários mais elevados permitem que a população europeia tenha uma relação diferente com o consumo cultural. A compra de livros não compete tão diretamente com necessidades básicas, como frequentemente ocorre no Brasil.
O poder aquisitivo mais robusto também significa que os europeus não dependem crucialmente de promoções ou descontos para manter seus hábitos de leitura. Soma-se a isso uma tradição histórica de valorização do livro como bem cultural, o que torna os preços mais elevados socialmente aceitáveis.
Esse ecossistema é fortalecido por um compromisso de longo prazo com políticas públicas educacionais e culturais. O investimento consistente em bibliotecas de qualidade e programas de incentivo à leitura cria um ciclo virtuoso que se retroalimenta, consolidando uma cultura literária robusta e diversificada.
A realidade do mercado editorial brasileiro retrata os desafios de um país ainda em desenvolvimento. Em grande parte do território nacional, especialmente fora das capitais, encontrar uma livraria é uma tarefa difícil. O cenário é ainda mais preocupante quando falamos de livrarias independentes, que são cada vez mais raras, cedendo espaço para grandes redes ou simplesmente desaparecendo.
Esta situação reflete nossa profunda desigualdade social. Com uma população que frequentemente precisa fazer malabarismos com o orçamento familiar, os livros acabam sendo vistos como artigos de luxo – uma triste realidade para um bem cultural tão fundamental.
Para muitos brasileiros, as promoções não são apenas oportunidades de economia, mas a única forma viável de acesso aos livros. Os descontos, longe de serem meros atrativos comerciais, funcionam como verdadeiros democratizadores da leitura em um país onde o preço cheio de um livro pode representar uma parcela significativa da renda mensal.
Este quadro é agravado por fragilidades históricas em nossa educação básica e pelo acesso ainda limitado à cultura. Mesmo com avanços importantes nas últimas décadas, ainda estamos distantes de criar uma verdadeira cultura de leitura acessível a todos os brasileiros.
A fixação de preços proposta pela Lei Cortez pode produzir efeitos opostos aos pretendidos, especialmente considerando a realidade econômica brasileira. Em um país onde muitas famílias precisam escolher cuidadosamente cada gasto, estabelecer um preço único – inevitavelmente mais alto – para livros novos significa, na prática, afastar ainda mais os leitores das livrarias.
A eliminação de promoções e descontos, que hoje funcionam como importantes ferramentas de democratização da leitura, pode provocar uma retração significativa nas vendas. Quando um consumidor precisa escolher entre comprar um livro a preço cheio ou atender outras necessidades básicas, a decisão tende a ser óbvia – e prejudicial ao mercado editorial.
Ironicamente, a lei pode acabar prejudicando justamente quem pretende proteger. Com a provável queda nas vendas, as pequenas livrarias e editoras independentes, que já operam com margens apertadas, podem enfrentar sérias dificuldades financeiras. O resultado pode ser uma redução na diversidade de títulos publicados e o fechamento de mais estabelecimentos.
Enquanto isso, as grandes redes varejistas, com seu poder econômico e capacidade de absorver períodos de baixas vendas, podem acabar fortalecendo sua posição no mercado. Assim, uma lei que se propõe a proteger os pequenos pode, na verdade, acelerar a concentração que pretende combater.
A simples importação de políticas que funcionam em outros países ignora uma verdade fundamental: cada sociedade tem suas próprias características e desafios. No caso da Lei Cortez, tentar replicar o modelo europeu sem considerar as particularidades brasileiras é, no mínimo, imprudente.
Para que uma política de preço fixo pudesse fazer sentido no Brasil, seria necessário um conjunto muito mais amplo de medidas estruturantes. A começar pela revisão do alto preço do papel, que encarece significativamente o produto final sem beneficiar nem editoras nem livrarias.
Seria igualmente crucial um investimento massivo em educação e cultura, com a revitalização das bibliotecas públicas e a criação de programas consistentes de incentivo à leitura. Pequenas livrarias precisariam de apoio real para se manterem competitivas, seja através de subsídios bem planejados ou linhas de crédito específicas para o setor.
Mais fundamental ainda: qualquer política de democratização do livro no Brasil precisa estar alinhada com medidas mais amplas de redução da desigualdade social e aumento do poder aquisitivo da população. Sem atacar essas questões estruturais, corremos o risco de criar uma solução artificial que pode agravar os problemas que pretende resolver.
A história brasileira nos oferece importantes lições sobre políticas de controle de preços, e todas elas apontam para uma direção preocupante quando analisamos a Lei Cortez. Nossa experiência com intervenções similares em diferentes setores da economia revela um padrão consistente de consequências negativas para o consumidor.
Os anos 1980 e 1990 são particularmente ilustrativos. Durante o Plano Cruzado, o congelamento de preços, que parecia uma solução simples para controlar a inflação, resultou em desabastecimento generalizado. Os produtos simplesmente desapareceram das prateleiras, surgindo apenas no mercado paralelo, a preços ainda mais elevados.
O setor de combustíveis oferece outro exemplo: a fixação artificial de preços não apenas prejudicou a saúde financeira de empresas do setor, como desestimulou investimentos essenciais, resultando em serviços de menor qualidade e, paradoxalmente, preços mais altos no longo prazo.
A Lei do Inquilinato de 1942, ao tentar proteger os inquilinos com controle de preços, acabou prejudicando-os: a oferta de imóveis para aluguel diminuiu drasticamente, os existentes se deterioraram por falta de manutenção, e um mercado informal cresceu à margem da lei.
Estas experiências revelam um padrão claro: o controle artificial de preços frequentemente gera efeitos opostos aos desejados. Reduz a concorrência, desestimula a inovação, favorece a concentração de mercado e, ao final, prejudica justamente aqueles que pretendia proteger – os consumidores.
As possíveis consequências da Lei Cortez desenham um cenário preocupante para o mercado editorial brasileiro. O impacto mais imediato e grave seria na democratização da leitura: como escrito acima, sem descontos e promoções, os livros podem se tornar um produto ainda mais inacessível para grande parte da população, especialmente aqueles que hoje aproveitam ofertas para manter seu hábito de leitura.
Esta redução no consumo pode desencadear um efeito dominó devastador. As editoras, pressionadas pela queda nas vendas, tenderiam a adotar estratégias mais conservadoras. Isso significa menos espaço para novos autores, obras experimentais ou temas menos comerciais. O resultado seria um empobrecimento da diversidade literária, com o mercado se concentrando em apostas “seguras” – best-sellers e autores já consagrados.
A qualidade das publicações também poderia ser comprometida. Cortes em custos afetariam desde aspectos materiais (papel, impressão, acabamento) até processos cruciais como revisão, tradução e marketing. Profissionais do setor – escritores, tradutores, ilustradores, editores – enfrentariam um mercado ainda mais restrito e precário.
O impacto seria ainda mais severo em regiões afastadas dos grandes centros urbanos, onde o acesso aos livros já é limitado. A redução na distribuição para áreas menos rentáveis ampliaria ainda mais as desigualdades regionais no acesso à cultura. Ironicamente, uma lei que pretende democratizar o acesso ao livro pode acabar criando mais barreiras e exclusão.
A análise dos beneficiários da Lei Cortez revela uma ironia perturbadora: quem realmente ganha com ela são justamente os grandes players do mercado que, teoricamente, a lei deveria controlar. As grandes redes de livrarias, com seu poder econômico já consolidado, encontrariam nesta legislação um instrumento perfeito para fortalecer ainda mais sua posição dominante.
A eliminação da competição por preços remove uma das principais ferramentas que pequenos livreiros e varejistas online usam para conquistar e manter clientes. Sem essa possibilidade, as grandes redes podem simplesmente aproveitar suas outras vantagens competitivas – localização privilegiada, maior variedade de títulos e poder de negociação com editoras – para consolidar sua dominância.
O cenário se torna ainda mais preocupante quando consideramos a capacidade financeira dessas empresas. Enquanto as grandes redes têm recursos para atravessar períodos de adaptação e possível queda nas vendas, os pequenos livreiros, já operando com margens estreitas, podem não sobreviver a uma redução em seu movimento.
Para os consumidores, especialmente aqueles que vivem fora dos grandes centros urbanos, o resultado pode ser duplamente prejudicial: preços mais altos e menos opções de compra. Com o provável fechamento de mais livrarias independentes, muitas comunidades podem perder seus únicos pontos de acesso local a livros, ficando ainda mais dependentes das grandes redes concentradas em áreas privilegiadas.
O cenário do mercado livreiro brasileiro antes de 2014 revela uma história interessante que nos ajuda a entender o real propósito desta lei – que parece mais voltada a frear a Amazon do que proteger pequenos livreiros ou consumidores. A distribuição das vendas seguia um padrão bastante definido, com protagonistas claros.
As grandes redes dominavam o cenário, controlando entre 50% e 60% do mercado. Saraiva e Cultura eram os principais nomes: a primeira, com forte presença em shoppings por todo o país; a segunda, conhecida por suas lojas amplas e sua atmosfera cultural distintiva. Além de livros, estas redes diversificavam seu portfólio com eletrônicos e artigos de papelaria, atraindo um público variado.
Em segundo lugar vinham as livrarias regionais e independentes, responsáveis por 30% a 40% das vendas. Neste grupo destacavam-se redes como a Livraria Curitiba, forte na região Sul, além de inúmeras pequenas livrarias espalhadas pelo país. Estas últimas, frequentemente, encontravam seu espaço através da especialização em nichos específicos.
O segmento universitário e acadêmico ocupava uma fatia menor, entre 5% e 10% do mercado. Estas livrarias, estrategicamente posicionadas dentro ou próximas às universidades, atendiam um público específico com livros técnicos e científicos.
O comércio online, ainda incipiente, também representava 5% a 10% das vendas. As próprias redes tradicionais, como Saraiva e Cultura, mantinham suas operações virtuais, mas o e-commerce de livros ainda engatinhava, tanto em termos de logística quanto de confiança do consumidor.
Por fim, canais alternativos como supermercados, bancas de jornal e clubes de livro respondiam por até 5% do mercado, focando principalmente em best-sellers e títulos populares.
Este cenário revelava certas características marcantes: as grandes redes exerciam forte influência graças ao seu poder de negociação com editoras e sua capacidade de oferecer programas de fidelidade e eventos culturais. Já as livrarias independentes lutavam para se manter competitivas, apostando no atendimento personalizado e na construção de comunidades locais de leitores.
A chegada da Amazon em 2014 provocou uma profunda transformação nesta paisagem. Sua política agressiva de preços e descontos pressionou as margens do setor, ao mesmo tempo em que ampliou o acesso dos consumidores a uma maior variedade de títulos. Esta nova dinâmica forçou as livrarias tradicionais a repensarem suas estratégias, investindo em experiências diferenciadas e serviços adicionais.
O comércio online assumiu a liderança do setor, conquistando entre 35% e 45% do mercado. A Amazon se estabeleceu como protagonista nesta revolução, oferecendo preços competitivos e promoções constantes. Outras plataformas, como Submarino, Americanas.com e Estante Virtual, também contribuíram para esta expansão. A pandemia de COVID-19 acabou acelerando ainda mais esta tendência.
As grandes redes físicas, que antes dominavam o cenário, viram sua participação encolher para 25% a 35%. Gigantes tradicionais como Saraiva e Cultura enfrentaram sérias dificuldades financeiras, chegando à recuperação judicial e fechando diversas lojas. A Livraria Leitura, embora tenha conseguido expandir em algumas regiões, também sentiu o impacto da nova realidade.
As livrarias regionais e independentes, agora com 15% a 25% do mercado, tiveram que se reinventar. Algumas encontraram seu caminho apostando em experiências personalizadas, eventos culturais e atendimento próximo à comunidade. Muitas passaram a investir em vendas online e presença nas redes sociais para sobreviver.
O segmento universitário e acadêmico manteve uma fatia estável entre 5% e 10%, mas enfrenta seus próprios desafios com a crescente digitalização dos materiais didáticos. Outros canais, como supermercados e bancas de jornal, continuam representando cerca de 5% do mercado, focando principalmente em best-sellers e títulos populares.
Esta nova configuração do mercado trouxe ganhos e perdas. Do lado positivo, os consumidores se beneficiaram com preços mais competitivos e maior acesso a títulos diversos. A Amazon, em particular, revolucionou o mercado com sua política de preços e benefícios como o Amazon Prime.
Porém, as livrarias físicas enfrentam tempos difíceis. Além da concorrência online, a crise econômica e a pandemia agravaram seus desafios. Os consumidores mudaram seus hábitos, privilegiando a praticidade e os preços mais baixos das compras pela internet.
Algumas livrarias independentes conseguiram se adaptar, criando alternativas como eventos virtuais, vendas por WhatsApp e serviços de entrega local. Outras investiram em atendimento diferenciado e na criação de espaços culturais para manter seus clientes.
Portanto, a história da concentração no mercado livreiro brasileiro não começou com a Amazon. Já antes de 2014, as grandes redes exerciam um domínio significativo sobre o setor, usando seu poder econômico de formas que, ironicamente, se assemelham às práticas hoje criticadas da gigante do e-commerce.
O poder de barganha das grandes redes criava um ciclo virtuoso para elas – e vicioso para as pequenas livrarias. Com sua capacidade de comprar em grande volume, conseguiam descontos expressivos das editoras, melhores prazos de pagamento e acesso privilegiado a lançamentos. Este poder de negociação se traduzia em preços mais competitivos nas prateleiras, atraindo ainda mais clientes.
As pequenas livrarias, por sua vez, enfrentavam condições bem menos favoráveis. Pagando mais caro pelos mesmos livros e obtendo margens menores, tinham dificuldade para competir em preços. Seu poder de compra limitado também restringia a variedade de títulos que podiam oferecer – enquanto as grandes redes mantinham um acervo diversificado, incluindo obras importadas e de nicho, às vezes até com exclusividade.
A vantagem das grandes redes se estendia à própria operação. Com múltiplas lojas, conseguiam diluir seus custos fixos, tornando cada venda mais lucrativa. Seus orçamentos de marketing permitiam campanhas publicitárias de alcance nacional, enquanto as livrarias independentes dependiam principalmente do boca a boca e de sua clientela local.
Até a localização jogava a favor das grandes redes. Com presença forte em shoppings e centros comerciais movimentados, garantiam um fluxo constante de potenciais compradores. Já as pequenas livrarias frequentemente se estabeleciam em locais menos privilegiados, com menor movimento.
As grandes redes também criavam experiências que as pequenas dificilmente podiam replicar: cafés, espaços de leitura, eventos culturais e lançamentos com autores famosos. Enquanto isso, as livrarias independentes, com recursos limitados, tinham dificuldade para oferecer atrativos semelhantes.
A Lei Cortez parece ter um alvo claro – a Amazon – mas seus efeitos colaterais podem acabar prejudicando justamente quem diz querer proteger: as pequenas livrarias e, principalmente, os leitores.
As livrarias independentes sempre enfrentaram uma batalha difícil: menor poder de negociação com editoras, recursos limitados para marketing e dificuldade para competir em variedade e preços. A fixação de preços, proposta pela lei, não resolve nenhum desses problemas fundamentais. Na verdade, ao proibir descontos e promoções, elimina uma das poucas ferramentas que as pequenas livrarias online têm para atrair clientes. Enquanto isso, as grandes redes mantêm suas principais vantagens: localização privilegiada, experiência de compra diferenciada e acervo diversificado.
O grande benefício da lei parece ser para as grandes redes de livrarias. Ao eliminar a competição de preços com a Amazon, elas podem manter ou até aumentar suas margens de lucro, já que os preços ficariam engessados. Além disso, continuariam desfrutando de seu poder de barganha junto às editoras – uma vantagem que as pequenas livrarias jamais conseguiriam igualar.
Para a Amazon e outros varejistas online, a lei representa um golpe em sua principal estratégia competitiva: a capacidade de oferecer preços mais baixos. Sem essa ferramenta, poderiam ver suas vendas de livros diminuírem, embora provavelmente compensem focando em outros produtos e serviços.
Mas os maiores prejudicados seriam os leitores. Sem descontos ou promoções, os preços dos livros inevitavelmente subiriam, tornando a leitura menos acessível. Leitores de baixa renda ou aqueles que dependem de promoções para manter seu hábito de leitura seriam especialmente afetados.
A Lei Cortez pode acabar criando mais um efeito colateral perigoso: o aumento da pirataria no mercado de livros. Ao restringir descontos e fixar preços, a lei pode empurrar muitos leitores para o mercado ilegal, especialmente aqueles que hoje dependem de promoções para manter seu hábito de leitura.
Esta tendência seria impulsionada por diversos fatores. Primeiro, com preços mais altos e sem descontos, muitos leitores, principalmente os de baixa renda, podem considerar os livros caros demais para seu orçamento. A ausência de promoções também significa que novos lançamentos e best-sellers ficariam menos acessíveis – e a impaciência pode levar muitos a buscar versões piratas ao invés de esperar um ano por possíveis descontos.
O cenário se torna ainda mais preocupante quando consideramos a facilidade de acesso a cópias piratas hoje em dia. Com inúmeras plataformas digitais e redes de compartilhamento oferecendo livros gratuitamente (ainda que ilegalmente), a tentação pode ser grande para quem não pode pagar os preços cheios.
Há também um risco de mudança na percepção de valor. Se os livros se tornarem muito caros, os consumidores podem começar a questionar seu custo, especialmente quando comparado a outras formas de entretenimento como serviços de streaming. Isso pode criar uma justificativa psicológica para a pirataria.
As consequências de longo prazo podem ser graves para todo o mercado. Se a pirataria se tornar comum, as vendas legais cairão, afetando toda a cadeia: editoras, livrarias e autores. As editoras podem se tornar mais conservadoras em seus investimentos, reduzindo a diversidade de títulos publicados e as oportunidades para novos autores.
Mas porque existe o apoio de muitos booktubers e influenciadores literários à Lei Cortez? Pode ter uma explicação bastante pragmática: o potencial aumento de oportunidades comerciais para eles próprios. Sem poder competir via descontos, as editoras provavelmente intensificariam suas estratégias de marketing digital, incluindo parcerias com criadores de conteúdo.
Este cenário poderia trazer benefícios significativos para os influenciadores. Com mais recursos direcionados ao marketing, as editoras tenderiam a aumentar seus investimentos em conteúdo patrocinado – resenhas, unboxings e outras formas de divulgação. Os booktubers também poderiam desfrutar de vantagens exclusivas, como acesso antecipado a lançamentos e participação em edições especiais limitadas.
A visibilidade desses criadores de conteúdo também cresceria através de campanhas integradas, eventos online e lives promovidas pelas editoras. A ideia seria usar sua influência para convencer os leitores a comprarem livros pelo preço cheio, sem esperar por promoções.
Esta estratégia apostaria no poder de persuasão dos influenciadores sobre sua audiência. Seus seguidores, que já confiam em suas recomendações, poderiam ser incentivados a comprar livros mesmo sem descontos, especialmente quando apresentados como edições exclusivas ou tiragens limitadas. O engajamento contínuo com a comunidade poderia ajudar a manter o interesse nos livros, mesmo sem o atrativo dos preços baixos.
Porém, este modelo apresenta problemas sérios. As editoras provavelmente concentrariam seus investimentos nos maiores influenciadores, deixando os criadores menores de lado. Isso reduziria a diversidade de vozes no mercado literário, concentrando ainda mais o poder de influência. Por mais persuasivos que sejam os influenciadores, não podem criar dinheiro no bolso dos leitores. Se os livros ficarem muito caros, mesmo as melhores recomendações podem não ser suficientes para gerar vendas. E existe o risco de saturação: um excesso de conteúdo patrocinado pode minar a credibilidade desses influenciadores junto a seu público.
Em outras palavras, o apoio de parte da comunidade booktuber à Lei Cortez pode refletir mais seus interesses comerciais imediatos do que uma preocupação genuína com a democratização do acesso aos livros ou com a saúde do mercado editorial como um todo. Tenha cuidado e pense bem sobre quem você segue.
Se essa lei passar, os maiores prejudicados são os leitores, especialmente os de menor poder aquisitivo. Com a proibição de descontos e promoções, os livros se tornam menos acessíveis. As pequenas livrarias, ironicamente, não ganham vantagem competitiva real. Continuariam enfrentando seus problemas estruturais: menor poder de negociação com editoras, recursos limitados para marketing e dificuldade para competir com a infraestrutura das grandes redes. A única diferença é que não poderiam usar descontos para atrair clientes.
As grandes redes de livrarias parecem ser as únicas verdadeiras beneficiárias. A lei eliminaria a competição de preços com a Amazon enquanto manteria suas principais vantagens: localização privilegiada, maior poder de barganha com editoras e capacidade de oferecer experiências diferenciadas.
O mercado como um todo tenderia a se tornar menos dinâmico e mais concentrado. Sem a pressão competitiva dos preços, as grandes redes poderiam manter suas margens elevadas. O marketing passaria a ser ainda mais concentrado nas mãos de grandes influenciadores, reduzindo a diversidade de vozes no setor.
Em essência, uma lei que se propõe a proteger o mercado livreiro pode acabar prejudicando justamente quem mais precisa de acesso aos livros, beneficiando principalmente os players já estabelecidos e tornando a leitura um privilégio ainda maior no Brasil.