Etta é filha de um fazendeiro e se apaixona por um rapaz que deseja seguir medicina, em 1939, poucos anos antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial. Mas o pai de Etta não tem filhos homens e não aceita que ela se case com alguém que não possa ajudar no cultivo da terra. O rapaz, em amor a Etta, abandona os estudos e passa a se dedicar completamente às tarefas da fazenda. Etta fica grávida, acontece uma tragédia e Etta entra em colapso mental.

Anos mais tarde, Cecília, a filha de Etta, enfrenta graves problemas com a mãe, cada vez mais instável psicologicamente. Etta é violenta e tem rompantes homicidas. A única pessoa que consegue manter Etta dentro de uma linha próxima da normalidade, é o marido. Entretanto, Cecília teme que em algum momento, nem mesmo ele consiga evitar que Etta a mate.

Passa-se mais tempo e Cecília se casa, tem uma filha, Blythe. Traumatiza pela infância e adolescência, sofrendo violências físicas diariamente nas mãos de Etta, Cecília tenta se manter equilibrada, mas desiste e abandona a filha com o pai. Blythe cresce com vergonha da mãe, principalmente por não compreender inteiramente o que ela sentia e nem os motivos que a fizeram ir embora.

Blythe se apaixona no fim do colegial e início da universidade e se casa com Fox. Um rapaz perfeito, que vem de uma família perfeita, que se torna um homem perfeito e um marido perfeito. Com dois anos de casados, após muita insistência de Fox, Blythe fica grávida de uma menina. E a vida perfeita começa a se desfazer rapidamente.

Embora Fox fosse o namorado e o marido perfeito, ele era tudo o que Blythe havia sonhado, ele tinha um desejo que amedrontava Blythe: ser pai. Ela não queria ser mãe, ela tinha medo de ser mãe. Não apenas por não saber que tipo de mãe seria, mas por temer que fosse algo parecido com a própria mãe ou com a avó. Ela não se sentia pronta para amar uma criança, para cuidar de uma criança, para ter seu corpo modificado, para sofrer as dores do parto, para qualquer fase da maternidade. Mas, mesmo assim, Violet nasce.

Violet chora muito, o tempo todo, mesmo quando está alimentada. Ela dorme poucos minutos e acorda sempre chorando. Blythe era uma escritora e precisou abandonar tudo para cuidar de Violet. Mais ainda, ela precisou abandonar qualquer individualidade e liberdade para se dedicar totalmente à filha. Fox sai cedo de casa e só volta à noite, ele nunca participa dos cuidados com a filha, mas sempre cobra que Blythe tenha inteira dedicação a essa tarefa. E Blythe não encontra apoio nos pais de Fox, que pensam da mesma forma que o filho. Entretanto, Violet demonstra um sinal de repulsa da mãe, uma vez que ela não chora no colo de Fox ou dos avós paternos, além de outros comportamentos.

Com dois anos de idade, Blythe decide colocar Violet em uma creche, mesmo a contragosto de Fox. Ela não consegue se conectar com Violet, por mais que tente. Aos quatro anos, os dois são chamados pela diretora e recebem a notícia de que Violet costuma ter atitudes violentas com os colegas. Fox acha normal, mas para Blythe, é só a confirmação de um comportamento errático que a filha mantém com ela, longe dos olhos de Fox.

Blythe decide ser mãe novamente, tentar novamente. Ela agora se sente preparada, quer provar para si mesma que consegue amar uma criança, que Violet é diferente. E isso acontece. O pequeno Sam nasce e Blythe o ama mais do que jamais pensou amar. Mas o sentimento não é tão intenso da parte de Fox. E menos ainda de Violet. E poucos meses depois, uma nova tragédia abala a vida de Blythe.

O IMPULSO é narrado em primeira pessoa por Blythe. A história começa com ela entregando para Fox um resumo da visão dela do que aconteceu nos últimos poucos mais de 15 anos, desde quando se conheceram, até Violet completar 13 anos de idade. Então a prosa é toda direcionada ao marido, e isso é de uma esperteza enorme, porque demonstra sua raiva e indignação com Fox por tudo o que aconteceu.

As histórias de sua mãe, Cecília, e de sua avó, Etta, são contadas em flashbacks curtos e colocados estrategicamente durante a narrativa principal. Esses capítulos explicam o passado trágico da família de Blythe, mas servem, principalmente, para colocar no leitor a dúvida da veracidade daquilo que Blythe conta. Violet realmente é diferente, violenta? Ou Blythe direcionou para a filha seus traumas de infância? Por que apenas ela consegue perceber o que Violet faz? Por que Fox e os avós acham tudo normal e dizem que são coisas da cabeça de Blythe? E se eles estiverem certos? Ela realmente vê as coisas da forma que acontecem ou é tudo sua imaginação? E essas dúvidas se mantêm até a última frase do livro, um diálogo simples, cinco palavras, as últimas cinco palavras, que, finalmente, afastam qualquer dúvida do leitor sobre tudo o que leu. E esse último capítulo, de apenas duas páginas, é o único do livro que é narrado em terceira pessoa, eliminando qualquer possibilidade de ser manipulado, totalmente imparcial.

O IMPULSO é sobre maternidade. A história acompanha as tragédias de três gerações e de como esses acontecimentos abalaram a psiquê de três mulheres e as heranças desses traumas por suas filhas. Mas também é sobre depressão pós-parto, sobre as expectativas e as frustrações em relação à maternidade idealizada e cobrada pela sociedade. É sobre o conflito da criadora com sua criação, o ódio herdado sem uma explicação lógica, uma repulsa antinatural, mas que cresce com o tempo até se transformar em algo sem limites. É sobre psicopatia e dissimulação, as consequências de uma doença mental identificada, mas não tratada, e as consequências desastrosas que resultam dessa indiferença. É sobre o patriarcado, sobre como um homem consegue o poder de calar uma mulher, baseado apenas em preconceito e no machismo estrutural. É uma história complexa, abrangente, forte, destruidora.

O IMPULSO é extremamente bem escrito, com personagens brilhantemente construídos. Mas é uma leitura muito pesada, com passagens que incomodam pela crueldade e pela dramaticidade. É aquele tipo de livro que vai ficar por muitos anos em sua memória e render horas de conversa entre quem leu. Não perca a chance de ter essa experiência. Leia!

Mas o livro me impactou e preciso escrever mais. Então, a partir de agora, farei isso comentando algumas partes da história. Leia o livro e depois volte aqui para conversarmos, deixe seu comentário, quero saber sua opinião.

SPOILERS

Tudo o que acontece com a avó de Blythe é terrível. A morte do esposo e a indiferença do pai, que é responsável de forma indireta. Isso abala a mente dela de forma irremediável. Óbvio que ela já possuía uma psicopatia, a tragédia foi a gota que transbordou o copo. Cecília tem a pior infância possível, com constantes tentativas de assassinato por parte de Etta, além das torturas físicas e psicológicas. Sua liberdade acontece com o suicídio de Etta. Mas acontece tarde demais, Cecília já está destruída. E, claro, isso reverbera em Blythe. A importância desse passado trágico é fundamental para criar dúvidas sobre o equilíbrio psicológico de Blythe. Afinal, ela herdou as psicopatias da avó e da mãe? É Blythe quem narra tudo, então como saber se o que narra, é verdade? Ainda mais que a própria tem dúvidas sobre isso?

Entretanto, o fator que dá mais ênfase a essa dúvida, não é o passado de Blythe, mas as constantes contradições de Fox. Ele ama Violet, isso é indiscutível, mas amor demais, cega, ainda mais amor de pai ou mãe. Aos olhos de Blythe, Violet mata um dos colegas. Violet mata o irmão. Mas a única testemunha dos dois acidentes, é Blythe. E ela não tem certeza se o que viu é verdade. Violet é apenas uma garota com temperamento difícil ou é uma psicopata assassina? Ela odeia Blythe ou apenas ama mais o pai? Em todos os momentos, em todas as reclamações de Blythe, Fox sempre a coloca como culpada. Ela sempre é a mãe incompetente, ela sempre é a mulher com alucionações, ela sempre é a esposa ausente, tudo é ela. Nunca acontece nada que seja culpa de Violet e nem de Fox. É um relacionamento abusivo, onde qualquer voz que Blythe tenha, é apagada pelas acusações de Fox.  O trecho onde ela força relações sexuais com Fox, sabendo que ele acabou de retornar de um encontro com a amante, e ele é violento a ponto de a sangrar, é uma forma de Blythe se punir, de sentir dor, é uma representação da automutilação como resposta para apagar uma dor maior. É sofrer um estupro como punição por algo que ela acha que é culpada.

E a coisa piora, lá para o fim do livro, quando Fox conta que sabia desde sempre que Violet tinha algo de errado. Ele sempre soube. Mas por opção, jogou a culpa de tudo em cima de Blythe. Ele foi o verdadeiro omisso, ele fechou os olhos para a psicopatia da filha, ele não aceitou que ela precisava de tratamento, ele foi cúmplice por omissão na morte do colega de Violet e na morte de Sam. E, mesmo assim, ele deixou Blythe pensar que estava ficando louca.

Tem uma parte da história, quando Blythe está para se separar de Fox, quando ela já sabe que ele a trai com outra mulher, que ela sai do banho e ele entra no banheiro e a encara nua. Uma mulher que já passou por dois partos, que não tem mais os seios duros, que já não possui a forma idílica da juventude, e Blythe se sente enojada pela presença dele, que, como a maioria dos homens faz, a trocou por alguém mais jovem. É um momento intenso, que entristece pela crua realidade, mas demonstra como Blythe se tornou consciente de quem Fox é de verdade.

E por isso a sua narrativa é impregnada de ressentimento, de ódio. E Fox é o responsável pela última tragédia do livro, que é narrada em terceira pessoa, e que confirma toda a psicopatia de Violet. E é triste constatar que Blythe, apesar de tudo o que aconteceu, consegue manter a esperança de que sua filha não seja o monstro que ela sabe que é. Blythe é uma mulher que sofre, mas ao contrário de sua mãe e avó, consegue se manter lúcida. Mas perde todos os que ama.


AUTORA: Ashley AUDRAIN
TRADUÇÃO: (Lígia AZEVEDO
EDITORA: Paralela
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 328


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