Para proteger o irmão, Sloan foi ao inferno e fez dele seu lar. Ela está presa em um relacionamento com Asa Jackson, um perigoso traficante, e quanto mais os dias passam, mais parece impossível enxergar uma saída. Imersa em uma casa incontrolável que mais parece um quartel general, rodeada por homens que ela teme e sem um minuto de silêncio, também parece impossível encontrar qualquer motivo para se sentir bem. Até Carter surgir em sua vida.

Sloan é a melhor coisa que já aconteceu a Asa. E se você perguntasse ao rapaz, ele diria que também é a melhor coisa que já aconteceu a Sloan. Apesar de a garota não aprovar seu arriscado estilo de vida, Asa faz o que é preciso para permanecer sempre um passo à frente em seu negócio e proteger sua garota. Até Carter surgir em sua vida.

A chegada de Carter pode afetar o frágil equilíbrio que Sloan lutou tanto para conquistar, mas também pode significar sua única saída de uma situação que está ficando insustentável.

A leitura de TARDE DEMAIS foi uma tortura, um suplício. Escrever sobre TARDE DEMAIS se mostra mais doloroso. O motivo é a necessidade de lembrar e pensar sobre o que foi lido, um exercício de superação diante do pior livro que já passou pelas minhas mãos. E nesta resenha, para não exagerar na minha indignação, tentarei me centrar nos aspectos técnicos.

TARDE DEMAIS possui três narradores: Sloan, Carter e Asa. Os capítulos são alternados entres os três, com mais destaque para Asa. Dos três, apenas Asa recebe uma construção de personagem, com capítulos em que ele narra sua infância, a convivência com o pai violento e abusador, seu contato com as drogas, seus traumas, suas motivações e as justificativas para suas ações. Para cada capítulo em que Sloan narra algum abuso físico ou sexual perpetuado por Asa, existe um capítulo sequencial sobre o passado de Asa, onde ele narra todo o seu sofrimento na infância e adolescência, como uma forma de justificar o que foi lido no capítulo anterior.

Asa é violento, psicótico e estuprador. Sloan teme constantemente por sua integridade física. Mas a autora, para cada frase, cada pensamento de Sloan reclamando de Asa, logo em seguida, a autora coloca Sloan dizendo que assim mesmo sente algum tipo de amor por ele, sente pena, compaixão, que ela acredita que o comportamento de Asa é resultado de seu passado e de sua fragilidade emocional e psicológica. Em todos os trechos de violência, a autora faz a vítima destacar algum motivo para justificar o abusador. Mesmo ao final do livro, depois de Asa estuprar repetidamente Sloan, inclusive com ela grávida, de tentar matar Carter, a autora coloca Sloan e Carter tendo empatia por Asa, sentindo pena dele, afirmando que deve ter sido difícil para ele ser como era.

Sloan é uma personagem construída para ser o objeto de abuso de Asa. Ela não tem um passado e todas as suas decisões e ações são de conformismo ou de autossabotagem. A personagem se define, em mais de um trecho do livro, como uma prostituta, e realmente age dessa maneira. Os motivos que a autora cria para que Sloan aceite ser prostituta de Asa, são forçados, ilógicos, e exacerbam como Sloan é apenas um objeto irracional, um feitiche, e não a caracterização de uma pessoa. Sloan não move a história. Ela trafega entre Asa e Carter, sempre sendo levada pelo que cada um dos dois homens faz, exatamente como um objeto inanimado. Não há nenhuma preocupação, por parte da autora, em dar alguma dimensão, alguma vida ou utilidade para Sloan, que não a de ser usada sexualmente.

Na vida real, existem vários motivos que levam uma pessoa à prostituição. E com um mínimo de esforço criativo, a autora poderia ter usado um desses motivos para dar a Sloan algo que justificasse sua decisão de se sujeitar a Asa em troca de dinheiro. O irmão de Sloan tem o espectro autista e necessita de cuidados constantes. Sloan conseguia assistência do governo para manter o irmão em uma instituição que provia esses cuidados. Do nada, ela recebe uma carta cancelando essa ajuda. Então, a autora define que a personagem não vai procurar nenhum dos órgãos responsáveis, não vai procurar ajuda jurídica para recorrer da decisão, não vai lutar por direitos estabelecidos socialmente, e decide que é preferível aceitar a carta sem questionar e se prostituir.

O cerne da questão não é a personagem se prostituir. O problema é que existem saídas reais para a situação, e a autora preferiu ignorá-los, sem qualquer justificativa plausível, transformando a personagem em uma pessoa sem iniciativa e deixando óbvio a preguiça criativa, ou mesmo o desinteresse em fornecer algo com o mínimo de credibilidade ou qualidade. E isso se torna ainda mais óbvio, quando na metade da história, a autora revela, sem qualquer surpresa para o leitor minimamente inteligente, que a carta era falsa e não passava de um subterfúgio para Asa manter Sloan dependente de seu poder financeiro.

Aliás, TARDE DEMAIS tem vários trechos de reviravolta que, ao invés de surpreender, destacam como o texto é fraco e manipulativo, sem preocupação com coerência e reforçando a estupidez da construção dos personagens. Carter é um policial infiltrado que se aproxima de Asa para conseguir provas para incriminá-lo em tráfico de drogas e prendê-lo. Também na metade da história, Asa cria uma situação em que contrata atores para se passarem por agentes do FBI e representarem uma prisão. A primeira coisa que Carter faz, é se desmascarar, avisar que é um policial, bem na frente dos traficantes e de Asa, com a justificativa de que temeu pela segurança de Sloan, sendo que Sloan não estava em perigo, não estava sendo ameaçada por bandidos, mas em guarda de agentes da lei. É uma situação tão estúpida, que é difícil conseguir encontrar uma razão para ter sido escrita.

O prejuízo trazido por TARDE DEMAIS não é apenas literário. A história ofende todas as pessoas que sofrem algum tipo de abuso físico ou psicológico. Ignora os meios de defesa dessas pessoas, ignora que existem leis que podem proteger essas pessoas, ignora uma discussão pertinente e que traz benefícios. Não há uma preocupação em fomentar saídas, de apresentar soluções, não há sensibilidade, não há compaixão por quem sofre esse tipo de violência. Tudo no livro é usado sem responsabilidade, sem cuidado, sem pensar na vítima. O abusador é insistentemente colocado como vítima. Os personagens são objetos literários de sadismo e masoquismo, da pior maneira possível.

Esse tratamento diferenciado ao abusador para justificar seus atos é uma abordagem recorrente em muitas obras da autora. Em VERITY (resenha aqui), há romantização para o infanticídio e homicídio; em É ASSIM QUE ACABA (resenha aqui), o abusador também recebe empatia pela vítima, que, novamente, repetidamente, justifica seus atos; em TALVEZ UM DIA, o homem que trai ganha simpatia, enquanto a mulher traída é apresentada com antipatia e um entrave; em NOVEMBRO 9, a mulher se apaixona e perdoa o homem que incendiou sua casa e a deixou com o corpo queimado; em LAYLA (resenha aqui), a personagem principal tem o corpo violado por um espírito (!) e, nessa condição indefesa, estuprada conscientemente pelo namorado, que tem o ato justificado em nome do amor. O horror!

TARDE DEMAIS foi originalmente escrito no Wattpad. Segundo a própria autora, ela ia escrevendo com base nas receptividade dos leitores e nos comentários. A sensação que passa, é que uma parte desses leitores eram machistas, misóginos, sádicos, apreciavam ler trechos de abuso feminino, sem qualquer interesse pela história, por coerência ou qualidade. Essa sensação aumenta quando, ao final da história, como comentei no início deste texto, a autora cria mais nove epílogos, quase todos com mais trechos violentos, com Sloan sendo estuprada grávida, com detalhes longos, repetitivos, extensos, como se fosse prazeroso compartilhar o que acontecia com a personagem, dando a sensação de que estuprar e abusar de uma mulher transmite algum prazer.

TARDE DEMAIS é um livro doentio, que assusta. O que faz algo assim ser escrito e publicado?


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Colleen Hoover
TRADUÇÃO: Alda Luiza de Lima Ferreira
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 384