Lily é uma jovem que se mudou de uma cidadezinha do Maine para Boston, se formou em marketing e abriu a própria floricultura. E é em um dos terraços de Boston que ela conhece Ryle, um neurocirurgião confiante, teimoso e talvez até um pouco arrogante, com uma grande aversão a relacionamentos, mas que se sente muito atraído por ela. Quando os dois se apaixonam, Lily se vê no meio de um relacionamento turbulento que não é o que ela esperava. Mas será que ela conseguirá enxergar isso, por mais doloroso que seja?

É ASSIM QUE ACABA tem a narrativa feita em primeira pessoa por Lily, e é exatamente igual a quase todas as narrativas das outras personagens dos livros de Hoover. A sensação que passa é a de acompanhar a mesma personagem de TALVEZ UM DIA, de NUNCA JAMAIS, de NOVEMBRO 9, dentre outras, só que em uma situação diferente. Penso que uma das coisas mais importantes quando uma autora cria histórias, é exatamente nas diferenças entre as personagens, mas isso, por algum motivo, não acontece nos livros de Hoover.

Outra característica comum nos livros da autora, é a criação de situações que não fazem juz ao que a personagem é como pessoa ou ao que ela viveu no passado. As coisas acontecem simplesmente porque a autora deseja. É ASSIM QUE ACABA não foge dessa premissa, e já nas primeiras páginas, após uma descrição de quem é Lily e do que ela está enfrentando no momento, a mesma é colocada numa situação que apaga o que foi escrito.

Lily acabou de enterrar o pai, que abusou da mãe a vida toda, que praticou atos violentos contra Lily e que quase matou o seu primeiro namorado, então Lily está no terraço de um edifício para conseguir pensar, para conseguir colocar suas ideias em ordem, aí aparece um total desconhecido, que começa a chutar e esmurrar uma cadeira com extrema violência, remetendo diretamente para o comportamento violento do pai de Lily, mas como ele é bonito, e essa é a única característica que é apontada, Lily puxa assunto ao invés de sair do terraço.

O homem então diz não querer relacionamentos, não deseja namorar, não fica mais de uma vez com garotas e finaliza dizendo que sente vontade de “comer” Lily. Lily está de luto, com traumas de violência e abuso, logo ela faz o quê? Apenas pensa que ele é lindo, é um médico, é rico, e mesmo ouvindo que ele só gosta de usar as mulheres, ela sente vontade de ser “comida” por ele. Essa é a base apresentada no livro para se iniciar o relacionamento dos dois personagens. Pode ser que eu tenha perdido algo no texto, mas penso que existe um problema sério na construção dessa narrativa.

Faz parte da vida, é algo normalizado, infelizmente, que muitas pessoas ficam confusas sobre o que sentem ser paixão ou amor. Lily se apaixona por Ryle, e vice-versa, mas em todo o livro não existe um único trecho onde o amor declarado dos dois seja demonstrado, a não ser pelo sexo. Não existem trechos de carinho entre os personagens que justifiquem a fixação que Lily sente por Ryle, ou mesmo que convençam quem lê a compreender o que Lily sente. O que pensei ser um defeito, mais para a frente, se mostra um artifício da autora para demonstrar as diferenças que existem entre amor e fixação.

Atlas é o terceiro personagem principal de É ASSIM QUE ACABA, ele foi o primeiro namorado de Lily, e a relação dela com ele é de amor. O garoto também sofreu abusos, ficou sem família, sem casa e só conseguiu abrigo graças a Lily. Aos poucos, os dois criam um relacionamento baseado na confiança, na cumplicidade, na compaixão das situações que ambos precisam enfrentar, e disso nasce o amor. A autora dispõe de dois exemplos de relacionamentos: com Ryle, tóxico, abusivo, violento; com Atlas, de carinho, respeito e cumplicidade. E isso poderia caminhar para uma conclusão satisfatória, mesmo passando a sensação de que Lily só poderá ser feliz ou escapar da violêncioa se criar uma nova relação com um homem, mas infelizmente derrapa e se transforma em algo hediondo.

É um fato dentro da história que o relacionamento de Lily e Ryle não se parece, nem de longe, nem mesmo visto por um míope, com um relacionamento de duas pessoas que se amam, mas, sim, de duas pessoas que gostam de transar, que gostam de uma vida abastada, que se deixam levar pela superficialidade e pelas aparências. Eles sentem tesão um pelo outro, tanto fisicamente, quanto socialmente. E Hoover considera que isso é suficiente para Lily ter pena dele, para dizer que o ama, mesmo sendo estuprada. É natural uma pessoa ficar cega pelo amor, e compreenderia essa confusão se fosse Atlas no lugar de Ryle. Mas não é isso o que acontece, uma vez que a autora não cria uma única razão, além do sexo e dinheiro, para Atlas gostar de Ryle a ponto de aceitar o que ele faz.

A parte mais sensível da história é a violência de Ryle contra Lily, que, posteriormente, vira abuso sexual. Existem diversas, inúmeras realidades onde mulheres sofrem esse tipo de ataque, a de Lily é a de conhecer um cara bonito, sensual, inteligente, rico, com uma profissão de destaque, com uma família igualmente bonita e rica, bom de sexo, que a pede em casamento. Obviamente, logo começam as situações de agressões, que culminam em um estupro. Algo realista, que acontece em milhares e milhares de lares no Brasil e no mundo, mas apesar de Lily abandonar Ryle no fim da história, ela recusa denunciá-lo sem qualquer motivo para essa recusa.

Se você já leu o livro, pode argumentar que Lily não denunciou Ryle da mesma forma que a maioria das mulheres realmente não denuncia, que Hoover quis dar uma veracidade maior à situação, como ela descreve na nota final, onde conta que a mãe pediu divórcio, após situações constantes de violência por parte do pai de Hoover, sem efetivar uma denúncia.

Mas aí reside um erro que a autora ignora: quando uma mulher não denuncia o marido, o namorado, o pai, ela se cala por medo de sofrer mais, por medo de morrer, por medo do agressor se vingar em um filho, caso exista; ela não denuncia por vergonha do que irão falar dela, ou por vergonha de sofrer preconceito na delegacia, ou por achar que nada vai acontecer com o agressor, como, infelizmente, realmente não acontece, ou simplesmente porque ela não tem força emocional para enfrentar. Existem tantos motivos para uma mulher não denunciar seu agressor, e todos compreensíveis, mas quando ela não denuncia, é sempre por motivos que a levam a não fazer isso.

No caso de Lily, a autora não cria um único motivo para ela não denunciar Ryle. Ela não tem medo dele, ela não tem vergonha dos amigos ou da família, ela não tem medo da criança que ela está esperando ser agredida, ela não tem qualquer motivo lógico ou emocional para não denunciá-lo. Ou seja, Hoover escreveu uma situação que causa identificação com milhares de mulheres que passam pelo mesmo, mas esqueceu de mostrar que existem saídas. Quem for ler esse livro e estiver vivendo a mesma situação, vai se identificar, obviamente, mas vai continuar desamparada, sem qualquer conselho ou incentivo de como se defender ou de quais ajudas existem.

Isso não quer dizer que todo o livro que fala sobre abuso precisa colocar a personagem principal fazendo uma denúncia. Não, não precisa! Mas precisa deixar claro que existem motivos para isso não ser feito, e precisa apresentar alternativas, precisa deixar claro que há como acabar com isso, mesmo que a personagem não o faça. Hoover, em É ASSIM QUE ACABA, não ensina, não dá alternativas, ela apenas cria identificações e demonstra como o homem pode ter uma justificativa para agir como age.

A autora envereda pelo absurdo e tenta justificar o comportamento de Ryle. Um livro que tem a finalidade de denunciar, não pode tentar justificar o ato daquilo que está denunciando, porque, então, ele deixa de ser de denúncia e passa a ser de consentimento, de aceitação. Por mais problemas psicológicos e emocionais que um homem tenha, nada, nada justifica uma agressão e um estupro. O que pode existir é um histórico para o comportamento dele, o sintoma de uma doença, mas não uma justificativa, porque uma justificativa corrobora o seu comportamento e elimina a defesa da vítima.

Posso dar o exemplo de como a mesmíssima situação, nas mãos de uma autora talentosa, pode ser totalmente eficaz. Em PEQUENAS GRANDES MENTIRAS, cuja resenha você pode ler AQUI, uma das personagens principais é uma mulher moderna, linda, madura, mãe perfeita, casada com um piloto de aviões que é um perfeito pai. Ela é invejada por metade das mulheres da cidade e admirada pela outra metade. O que ninguém sabe, é que ela apanha do marido quase todos os dias. Por que ela deixa? Por que não o denuncia? Porque ela tem medo que ele a mate, que tire os filhos dela, que a deixe na rua, sem nada. Ela tem vergonha do que todos na cidade irão comentar da situação. Ela tem medo que não acreditem nela, tem medo que não façam nada para ajudá-la. E sabem o que a autora faz? A autora apresenta opções, alternativas para qualquer mulher, em qualquer cidade, de qualquer país do mundo, consiga se salvar e salvar a quem ela quer proteger. Isso quer dizer que qualquer uma dessas mulheres que passam pela mesma situação irão fazer isso e conseguir? Claro que não, é muito difícil, depende de cada pessoa, daquilo que cada uma passa, da força interior de cada uma. Mas, mesmo assim, a mulher que passa por isso e lê PEQUENAS GRANDES MENTIRAS, aprende que existem alternativas, que existem formas de fuga. Ela se identifica, ela aprende, ela ganha esperanças e incentivo. A personagem é respeitada por quem a criou, pela autora.

Em É ASSIM QUE ACABA, Lily, como outras personagens de Hoover, é apenas um instrumento de tortura, abandonada pela autora em detrimento do agressor. Um livro que mais prejudica do que ajuda, e que tem um final que se torna ofensivo para vítimas de situações semelhantes.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Colleen Hoover
TRADUÇÃO: Priscila Catão
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 368