
Escrito em 1985, época em que o termo distopia ainda não era tão familiarizado dos leitores como é hoje em dia, embora já existissem obras desse gênero bem famosas, como O PLANETA DOS MACACOS, A GERRA DOS MUNDOS, BLADE RUNNER, BRAZIL, FAHRENHEIT 451, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, entre outros, O CONTO DA AIA aborda temas que atingem diversas vertentes do preconceito, racismo, homofobia, totalitarismo, machismo, tudo embalado em uma narrativa cheia de raiva e rancor. A HQ de Renée Nault segue a narrativa do livro de Atwood de maneira condensada, uma vez que não teria como inserir todos os detalhes, e acrescenta desenhos impregnados de vermelho, o que reforça toda a intensidade incómoda da história.
Após três quartos da população feminina ter ficado estéril, devido a doenças sexualmente transmissíveis, além de outras provocadas pela degradação do meio-ambiente, um grupo religioso totalitário aplica um golpe nos EUA, destrói o governo atual e assume o controle do país, mudando, inclusive, o nome para República de Gileade. A primeira coisa que fazem é suprimir os direitos femininos, mas eles também mantém um regime militar extremamente impiedoso e mortífero, além de leis baseadas em um fanatismo religioso que prega o Antigo Testamento Católico. As mulheres que ainda conseguem engravidar, chamadas de Aias, são destinadas a famílias influentes, cuja esposas sejam estéreis.
Existem outras classes de escravidão, uma vez que não existe salário para essas mulheres e elas são mantidas sob cárcere, como as Marthas, que são empregadas domésticas e cozinheiras. As mulheres que não pertencem a famílias influentes e que não podem ter filhos, ou que são lésbicas, são exiladas para locais desconhecidos, chamados de Colônias, onde precisam sobreviver no meio da pobreza e de doenças. A isso, somam-se diversas supressões de liberdade e individualidade que são descritas, aos poucos, por Offred, a personagem principal. E, como disse no primeiro parágrafo, sua narrativa é recheada de raiva e rancor, mas também passa pelo medo, pelo desespero, pela repulsa, pela revolta.
O nome Offred é um perfeito exemplo de até onde foi a perda de liberdade. Offred é o nome que a personagem recebe após o regime, após ser presa e doutrinada para obedecer e cumprir suas funções, que quer dizer Of Fred (de Fred), que é o nome do homem da família para onde ela foi enviada para reproduzir, e a quem ela passa a pertencer.
A história utiliza diversas alegorias nos rituais que os personagens são obrigados a realizar, como nas relações sexuais, estupros na verdade, e no parto, que incomodam a ponto de causar uma revolta no próprio leitor. Em algumas partes, fica difícil distinguir até onde as pessoas perderam a capacidade de avaliar o que é insano e o que não é ao viverem da forma que vivem em Gileade.
Nas ruas, médicos que praticavam abortos são enforcados e os corpos deixados pendurados para todos verem. O mesmo com homossexuais ou pessoas que tentaram confrontar o regime totalitário. Não é permitido ler, assistir televisão, com exceção da hora de pronunciamento governamental, a comida é controlada, bem como o dinheiro, os transportes, a comunicação, a movimentação das pessoas. Em todos os lugares podem existir espiões disfarçados, prontos para delatar algo que achem indigno. Furgões negros, chamados de Os Olhos, aparecem do nada e levam embora pessoas que nunca mais aparecem. É um regime de total terror.
Todos esses fatos são narrados por Offred e intercalados com suas lembranças de como era antes do golpe, do marido e da filha pequena que amava e que foram tirados de seu convívio. A esperança de que, de alguma forma, isso mude, é a força que move e mantém a personagem equilibrada e viva.
Também, como disse no primeiro parágrafo, é fácil fazer comparações com nossa própria realidade, como o regime totalitário do oriente médio, a época da ditadura no Brasil, a escravidão colonial, os tribunais de idade média, as perseguições aos judeus, entre outras barbáries históricas. É como se a autora compilasse em uma única história, tudo o que o ser humano fez de abominável nos últimos dois mil anos. E é aterrador constatar como as coisas podem voltar a serem feitas com tanta facilidade.
Sim, porque uma das coisas mais assustadoras da obra é em como o golpe foi iniciado. A autora não descreve que as coisas mudaram de uma hora para a outra. Pelo contrário. Nas lembranças de Offred, é demonstrado como os sinais começam aos poucos, devagar, dias, semanas, meses, atingindo diversas áreas estratégicas da sociedade, até que quando se dá conta do que está acontecendo, já é tarde demais.
Como disse no início do texto, a HQ tem a mesma história do livro, mas com menos detalhes. Indico que você leia os dois, porque um completa o outro: o livro com todos os detalhes, e a HQ com a representação das partes mais importantes através de belíssimos desenhos em preto e vermelho.
O CONTO DA AIA (a HQ e o livro) vai além do gênero distopia. Ele é uma demonstração fidedigna de como o ser humano pode justificar suas atrocidades pela religião, pelo preconceito com gêneros minoritários, pelo machismo, e em como, principalmente, ele consegue se adaptar perfeitamente e interagir com essa situação. Assustador!
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Margaret ATWOOD
ILUSTRADOR: Renée NAULT
TRADUÇÃO: Ana DEIRÓ
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2006 (livro) e 2019 (HQ)
PÁGINAS: 368 (livro) e 240 (HQ)
Só de ver as ilustrações dá um aperto no peito. Mesmo sem ter lido o livro e nem a Hq, acompanho a série na tv e é uma das mais doloridas que já pude ter o prazer de ver e claro, já estou no aguardo da próxima temporada.
Ver as imagens faz lembrar de toda a dor de Offred, sua angútia, a filha, a dureza do que as aias passavam.
Triste pensar que tudo isso nem é algo tão distante de nós.
Preciso muito ler o livro e claro agora, essa Hq!
Beijo
Caramba, a grafic novel faz parecer mais tenebroso, dá mais medo, do q a série e o próprio livro transmite. Achei tão perfeito q mesmo para pessoas q não são tão fãs de HQs vale a pena ter. Na verdade eu acho q todos os seres humanos deviam ler O Conto da Aia, mas pros que não curtem mto livros, HQ passa a ser uma otima opção. Mto feliz por eles terem feito essa versão e por ter tido um resultado tão incrível.
Carl!
Não tive oportunidade de ler nenhum dos dois livros, assisti alguns capítulos da série, mas achei bem cruel e acabei deixando para lá, quem sabe futuramente?!…
Gostei dos comparativos políticos dos países, por essa parte parece bem interessante.
E as ilustrações são diferentes, não é?
cheirinhos
Rudy
Olá! O livro já estava na minha lista de leitura e agora essa HQ só aumentou ainda mais minha vontade de conhecer essa história, muito bom saber que para uma melhor experiência e compreensão é indicado ler o livro primeiro, pois já ia pular direto para HQ! Sem dúvida é uma leitura que um tanto quanto desconfortável, mas muito necessária.
Uma GN bem que nos mostra o perigo de uma sociedade extremamente machista e onde a Religião tem imenso poder em cima do estado.
Oi!
Não sei qual tenho interesse em ler primeiro, o livro ou a HQ, pois esses desenhos chegam a ser sufocantes, imagina a história então.
Triste saber que isso aconteceu e acontece em muitos países, e temo que volte a ocorrer no nosso país, principalmente a censura.
Eu amo essa história, só esse ano eu li e reli umas 4x e ainda li essa HQ linda! É um livro que levei pro meu clube do livro e sempre indico para as pessoas! Uma obra muito forte, porém necessária principalmente para leitoras.
Um beijo.
Olá!
Eu tenho um interesse grande em ler o livro, já ouvi muitos falarem bem a historia e a forma de como ela retrata uma situação bastante diferente e interessante e me chama bastante atenção. Gostei da versão HQ mostra a imagem de uma forma bem nítida da trama do livro. Espero muito ler!
Meu blog:
Tempos Literários
Eu, sinceramente, tenho um medo profundo de literatura do tipo. É muito fácil pras coisas no mundo real saírem de controle (se é que um dia foram controladas). Mas morro de vontade de conhecer essa história, tanto no livro como na HQ. Esses desenhos estão lindos, as cores contrastam tão bem… É realmente uma obra prima.
Oi, Carl
Não li nenhum dos dois mas assim que conseguir quero comprar, sinto que preciso urgente ler ambos.
As ilustrações são magníficas com cores bem vivas, eu amei.
Você já viu a série? Também quero ver em breve.
Mesmo que seja um livro de 1985 é atual e relevante, agora tem a continuação.
Beijos
Eu ganhei esse livro de presente de uma amiga.
Como foi presente eu li, mas já pressentia que não ia gostar e realmente não gostei.
É a segunda distopia que leio e essa por tratar de mulheres é pior ainda, achei um livro bem escrito mas acho a história tão impossível, tão irreal, tão absurda que não consegui gostar.
Dá um mal estar ler tudo que acontece com a protagonista, é tão feio, sujo, pesado. Mas o que me incomodou mais foi o final. Enfim, distopia nunca mais.
Detestei.