Depois de perder a irmã mais nova, Maura, em um trágico acidente de laboratório, a dra. Frances Ai promete trazê-la de volta à vida. Entretanto, quem reaparece nessa tentativa claramente não é Maura. A criatura, que decide se chamar M, não tem recordações da vida de Maura e só quer seguir seu próprio caminho.

Na esperança de retomar a rotina que tinham juntas, Frances quer que M seja como a irmã: uma cientista dedicada com quem dividia seus planos no laboratório. Buscando recuperar suas memórias, Frances cerca M de lembranças do passado de Maura — porém, por mais que a doutora insista, M reluta em assumir uma identidade que não é a sua.

FRANKENSTEIN, escrito por Mary Shelley, é uma obra-prima gótica que explora as complexidades da natureza humana e a busca pelo conhecimento. A história segue Victor Frankenstein, um jovem cientista ambicioso, cujo desejo de criar vida leva à criação de uma criatura monstruosa. O romance examina temas como responsabilidade, alienação e a perigosa arrogância da ambição desmedida. Além disso, ao apresentar a criatura como uma figura trágica e incompreendida, Shelley desafia as noções de monstro e humanidade, fazendo-nos questionar quem é o verdadeiro vilão da história.

M DE MONSTRA se baseia na obra de Shelley, mas como é voltada para um público pré-adolescente, apesar de manter o drama de uma nova vida que deseja ser livre, consegue diminuir a tragédia e todo o clima desesperador dos personagens principais. Entretanto toda a essência da obra e a discussão que levanta, permanecem. A isso é adicionado um toque sobrenatural e mais alguns elementos que ajudam a compor e expandir a personagem de M.

Frances não deseja apenas ter sua irmã de volta por motivos sentimentais; ela se sente responsável pelo acidente que vitimou Maura. Trazê-la de volta é uma espécie de reparação, uma maneira de se redimir. Mas quem volta é uma outra pessoa, com sentimentos, pensamentos e desejos diferentes, únicos. Mas Frances não aceita isso; ela considera que é Maura, mas apenas com as lembranças confusas. Frances insiste que, com o tempo, M irá recobrar as memórias de Maura. Caso não aconteça, Frances pretende desmontar M e fazer uma nova tentativa de trazer a irmã.

Acontece que M sabe que essas memórias nunca irão retornar; ela não é Maura. A prova dessa consciência surge quando Maura aparece para M através dos espelhos, estabelecendo uma conexão entre as duas. Elas conversam sobre maneiras de melhorar a vida de M e até mesmo tentar evitar que Frances desmonte M, pois ela também quer continuar existindo. No entanto, apesar dessa interação inesperada, fica claro que as coisas não saem conforme o planejado. A situação complexa coloca em destaque as questões da identidade e do propósito da própria M.

A comparação entre a cientista de FRANKENSTEIN e Frances é reveladora, pois ambas enfrentam uma trajetória moral questionável ao criar vida artificial. Frances demonstra pouco ou nenhum sentimento por M, a criatura que ela deu vida, a menos que M recupere as memórias de sua irmã Maura. Essa atitude egoísta fica evidente quando Frances não hesita em desmontar M, caso ela não atenda às suas expectativas. Além disso, a forma como Frances pressiona constantemente M para se comportar como Maura, de maneira insistente e opressora, cria uma antipatia em relação à personagem. Sua frieza e foco exclusivo em trabalho e sucesso em seus experimentos ressaltam sua natureza como uma figura distante e desapegada das consequências emocionais de suas ações. Essa caracterização de Frances destaca a ambiguidade dos papéis de criador e criatura, bem como as complexas questões éticas envolvidas na manipulação da vida e da identidade.

É interessante notar como M, motivada pelo medo de perder sua vida, abandona sua individualidade e busca ser como Maura, contando com a ajuda do espírito de Maura aprisionado nos espelhos. No entanto, M é uma pessoa única e diferente, com gostos e desejos próprios que são opostos aos de Maura. À medida que tenta enganar Frances, ela percebe gradualmente a infelicidade que essa farsa lhe causa, pois se vê obrigada a abandonar seus próprios sonhos para realizar os de outra pessoa. Além disso, ela se sente como uma impostora, tentando ser alguém que não é. Essa busca desesperada por se adaptar aos padrões de outra pessoa ressalta as complexidades da identidade e da busca pela aceitação, revelando a natureza trágica e conflitante de M na história.

Enquanto Frances, movida por seu desejo de redenção e pela busca em trazer de volta sua irmã, parece ignorar completamente as vontades e os direitos de M, a criatura criada em laboratório a partir das partes do corpo de Maura. Frances parece estar tão focada em suas próprias motivações e expectativas que negligencia o fato de que M é uma pessoa separada, com direito à sua própria existência e liberdade de escolha. Essa exploração da ética da criação e do tratamento de seres artificiais levanta questões profundas sobre a responsabilidade e a consideração moral para com outras formas de vida, independentemente de sua origem.

M DE MONSTRA desperta sentimentos de indignação no leitor, revelando a dominância opressiva de Frances sobre M. No entanto, a HQ traça seu próprio caminho, afastando-se da tragédia da obra em que se inspira. Ela oferece a possibilidade de redenção através de escolhas corretas, a capacidade de encontrar forças para lutar e alcançar os sonhos, e a habilidade de abandonar um vínculo com alguém amado sem perder esse amor, permitindo amar outra pessoa de forma genuína e distinta. Essa abordagem suave, mas poderosa, torna a leitura recomendável, oferecendo uma narrativa que combina ternura e força para explorar as complexidades das relações humanas e os dilemas morais enfrentados pelos personagens.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Talia Dutton
ARTE: Talia Dutton
TRADUÇÃO: Helen Pandolfi
EDITORA: Suma
PUBLICAÇÃO: 2013
PÁGINAS: 224