A história começa com o assassinato violento de Emily, uma menina de 10 anos, numa pequena cidade rural do Japão. No dia do crime, Emily estava brincando com quatro amigas da escola – Sae, Maki, Akiko e Yuka – quando um homem desconhecido apareceu, a levou e matou.

Durante a investigação, as quatro meninas que viram o sequestro não conseguem descrever o criminoso de maneira clara. Isso dificulta muito o trabalho da polícia, e o caso fica sem solução. A mãe de Emily, Asako, sofrendo com a perda da filha e frustrada pela falta de justiça, reúne as quatro meninas e faz uma ameaça assustadora: se elas não encontrarem o assassino ou não fizerem uma “penitência” que realmente tenha valor, ela se vingará delas.

Quinze anos depois, a história continua sendo contada pelas perspectivas das quatro meninas, agora adultas, e da mãe de Emily. Cada uma delas carrega o peso da ameaça feita por Asako e a culpa por não terem conseguido ajudar Emily naquele dia. Suas vidas foram totalmente marcadas pelo trauma daquele acontecimento.

O livro mostra como cada uma das quatro lidou com o trauma e como suas vidas mudaram profundamente por causa da culpa, do medo e da necessidade de cumprir a penitência.

Na cultura japonesa, existe um conceito importante chamado “giri”. Giri é o sentimento forte de obrigação moral e social que as pessoas têm com os outros. Para os japoneses, cumprir obrigações é essencial para manter boas relações e harmonia na sociedade. Uma promessa feita cria uma obrigação profunda; quebrá-la prejudica não só a confiança entre as pessoas, mas também a honra e a imagem de quem falhou.

No livro, as quatro meninas são obrigadas pela promessa feita à mãe de Emily. Elas têm uma dívida moral impossível de ignorar, uma obrigação que molda suas vidas e identidades. Ligado ao giri, existe outro conceito chamado “on”, que é uma dívida de gratidão ou obrigação profunda, impossível de ser totalmente paga. Por exemplo, a dívida que alguém sente em relação aos pais ou a um mestre é vista como permanente.

Em “Penitência“, a dívida criada pela morte de Emily representa exatamente esse tipo de “on” impossível de resolver completamente. As quatro sobreviventes sentem que jamais poderão compensar a perda da vida da amiga. Essa impossibilidade gera a tensão psicológica que guia toda a narrativa.

A cultura japonesa também tem uma relação especial com a culpa e a punição. Historicamente influenciada pelo xintoísmo, budismo e confucionismo, os japoneses acreditam que erros precisam ser purificados por meio de ações específicas. Além disso, a culpa muitas vezes não é vista como algo individual, mas algo que atinge todo o grupo ou família. Por isso, as quatro meninas são responsabilizadas coletivamente pelo que aconteceu.

O arrependimento no Japão precisa ser demonstrado com ações reais, não apenas com palavras. No livro, cada uma das quatro jovens encontra seu próprio jeito de cumprir a penitência, refletindo diferentes maneiras de lidar com a culpa e a obrigação moral.

A ameaça de vingança feita por Asako também se conecta profundamente a esses valores japoneses. Sua promessa não é apenas uma ameaça pessoal, mas relembra uma tradição cultural antiga chamada “katakiuchi”, que é uma vingança feita para honrar quem morreu e restaurar a justiça e a honra perdidas. Essa ideia ainda tem influência, mesmo numa sociedade moderna, onde vingança pessoal não é permitida por lei.

Por fim, “Penitência” explora fortemente os conceitos de honra e vergonha. Diferente das sociedades ocidentais, que normalmente lidam com culpa individual, o Japão é uma sociedade onde a vergonha social influencia muito o comportamento das pessoas. No livro, a vergonha que as quatro meninas sentem por terem falhado em proteger Emily se torna um dos principais motivos de suas ações ao longo da vida. Restaurar a honra perdida e escapar da vergonha constante se tornam objetivos fundamentais.

No fim da história, a mãe de Emily reaparece, e verdades inesperadas sobre o crime são reveladas. Isso leva a um final impactante, que questiona o significado da vingança, do perdão e da possibilidade de compensar um grande erro.

Assim, “Penitência” não é só uma história de suspense psicológico, mas uma narrativa que explora profundamente como esses valores culturais japoneses influenciam a vida das pessoas. A autora consegue conectar esses aspectos culturais específicos com sentimentos que todos entendem, como culpa, perda, vingança e redenção, fazendo com que a história tenha significado tanto para leitores japoneses quanto para pessoas de outros lugares do mundo.


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AUTORA: Kanae Minato
TRADUÇÃO: Elisa Nazarian
EDITORA: Gutenberg
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 192
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