A história acompanha a jornada de Aza Holmes, uma menina de 16 anos que sai em busca de um bilionário misteriosamente desaparecido – quem encontrá-lo receberá uma polpuda recompensa em dinheiro – enquanto lida com o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

TARTARUGAS ATÉ LÁ EMBAIXO sofre dos mesmos problemas dos outros livros do autor. Ele cria situações que são propositalmente direcionadas para atender a narrativa de forma não orgânica e constrói personagens que tentam passar credulidade, mas têm atitudes e diálogos que não condizem com a realidade.

Usando A CULPA É DAS ESTRELAS como exemplo, porque assim não tem problema soltar alguns spoilers para ilustrar meu raciocínio: no livro é descrito, inúmeras vezes, que Gus usa um cigarro para criar uma metáfora sobre a vida e morte. Green repete essa descrição mais do que o necessário, com a finalidade de forçar na mente do leitor esse comportamento. Ele faz isso para ter certeza de que no fim do livro, durante o velório do personagem, ele consegue criar uma emoção ao descrever quando Hazel deixa o cigarro dentro do caixão. Em uma narrativa orgânica, o leitor não iria reparar nessa insistência para criar um resultado maior, iria apenas se lembrar na hora do velório e se emocionar pelo detalhe do cigarro.

Outro exemplo está no fato do autor levar o foco da doença para Hazel, insistir que Gus está curado, para depois, do nada, fazer o contrário, sem qualquer indicação de que a doença estava voltando ou que poderia voltar. Essa é a diferença entre um escritor que tem o domínio de sua história e cria trechos marcantes sem subterfúgios, e autores que não sabem como fazer isso e precisam forçar a emoção do que querem transmitir.

Outro problema reside nos diálogos. Da mesma forma que em A CULPA É DAS ESTRELAS, Green cria diálogos existencialistas demais, roteirizados demais, que não parecem autênticos, como se jovens de 16 anos realmente conversassem assim. Isso é legal de se ler, mas não é natural, não é orgânico, e para um leitor mais atento, passa artificialidade, o que pode comprometer a qualidade da narrativa.

Por fim, preciso falar de um outro problema de Green: ele utiliza de doenças para promover o romance. Mas faz isso sem descrever o quanto essas doenças são terríveis, ele romantiza para criar um envolvimento entre os personagens, ignorando o tratamento e o fato de que na vida real, pessoas com os mesmos problemas não agiriam da mesma forma que seus personagens. Ou seja, resumindo, ele utiliza de uma narrativa calculista para atingir as emoções, ao invés de utilizar uma narrativa que passe naturalidade.

Bem, eu precisava fazer essa enorme apresentação antes de falar sobre TARTARUGAS ATÉ LÁ EMBAIXO. Isso porque Green faz exatamente o mesmo que fez no seu livro anterior: uma personagem que sofre devido a uma doença (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), um garoto legal por quem se apaixona, uma amiga doidona e um acontecimento que força os três personagens a interagirem.

O fato que reúne Aza e sua melhor amiga, Daisy, a Davis, é o tal desaparecimento do pai de Davis e a recompensa de cem mil dólares por qualquer informação de seu paradeiro. Entretanto, antes do meio do livro, esse motivo é resolvido e o que sobra até a conclusão da história, são repetições de pensamentos de Aza sobre sua condição mental e uma tentativa fracassada de criar um interesse romântico com Davis.

Green também tem TOC, e a sensação que tive ao ler TARTARUGAS ATÉ LÁ EMBAIXO, é a de que ele queria expor de alguma forma o tipo de transtorno que o aflige. Infelizmente, ele resumiu o transtorno à mesma descrição: a repulsa que Aza possui de germes e bactérias. Mas o transtorno vai bem além disso. A amplitude é imensa e muito diversificada, e a forma como atinge cada indivíduo, pode ser de suportável a terrível. E, novamente, é possível fazer um paralelo com a superficialidade do tratamento do câncer no livro anterior em detrimento da criação de um romance com que os jovens pudessem se identificar, sem chocar quem lê com a tristeza e a severidade da doença.

TOC é considerado o quarto diagnóstico psiquiátrico mais frequente na população mundial. Quase todos possuem, em algum nível, pensamentos obsessivos e compulsivos, que vão dos mais leves, como não conseguir ver algo torto, até os mais severos, que exigem internamento. Sua causa ainda é desconhecida e o diagnóstico é clínico, ou seja, baseado na avaliação médica do comportamento e dos sintomas do paciente. Como combate ao problema, existe acompanhamento psicoterápico e aplicação de remédios em doses mais elevadas do que as utilizadas no tratamento da depressão.

Green poderia ter criado várias situações que descrevessem toda a etiologia do transtorno ao invés de se concentrar repetidamente em Aza arrancar seu curativo do dedão para abrir sua ferida, ou nos pensamentos igualmente repetitivos de seu asco ao beijar Davis, por causa da quantidade de germes que estaria ingerindo. Fazer isso uma, duas vezes, é compreensível e normal. Mas mais que isso, da forma como fez, é desnecessário e cansativo. Ele também poderia ter tornado a história do pai de Davis mais interessante, que causasse algum envolvimento do trio de jovens, mas tudo é resolvido rápido demais, e o único ponto que fica em aberto até o fim do livro, é descabido.

O pai de Davis era um empresário milionário, alguém com inteligência e conhecimento, a forma como sua fuga é encerrada, descreve os atos de um delinquente que tem medo do mundo e não sabe o que faz. Novamente, como disse na introdução, o autor insere algo sem sentido apenas para tentar criar um choque no leitor, mas o única coisa que alguém minimamente coerente irá sentir, é ter o pensamento: “como assim?”

De qualquer forma, existem dois pontos que salvam o livro da classificação de ruim: Daisy, a amiga de Aza, que é uma personagem cativante e que, em determinado trecho do livro, tem um desabafo com Aza, uma discussão que coloca Aza de frente para o quanto ela é egoísta e em como ela usa seu transtorno para justificar esse comportamento.

O segundo ponto é justamente o fato do TOC ser o ponto central do livro. Embora seja feito de forma superficial, limitado e direcionado para criar um romance, faz com que o leitor receba algumas informações sobre o transtorno. Muitas pessoas tem e não sabem que existe uma forma de diminuir os sintomas, de tornar suportável aquela sensação de afunilamento. É daí que vem o desenho da capa do livro, as espirais, quando a pessoa se perde dentro de sua própria mente, em uma queda em espiral que parece não ter fim. E também é das espirais que vem a explicação para o título do livro.

Resumindo tudo isso, TARTARUGAS ATÉ LÁ EMBAIXO poderia ser um ótimo livro; poderia tratar do TOC de uma forma mais abrangente, já que nem sequer ele nomeia a doença de Aza, ficando a cargo do leitor a dedução do que é; poderia ter personagens mais profundos e uma história interessante, com diálogos convincentes, ao invés de conversas roteirizadas sobre estrelas, filmes e séries de TV, mas, infelizmente, ficou no poderia…


AVALIAÇÃO:


AUTOR: John Green
TRADUÇÃO: Ana Rodrigues
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2017
PÁGINAS: 256