Benoît Cohen é um produtor, diretor, roteirista e escritor francês, mais conhecido na Europa do que no resto do mundo. Estudou cinema na Universidade de Nova York, e em 1996, montou sua produtora, dirigiu e produziu seu primeiro filme. Após vários sucessos, entrou em uma fase pouco criativa e se sentiu sem inspiração. Mudou-se para Nova York, em 2014, onde teve a ideia de virar taxista como uma forma de recuperar a criatividade. Durante seis meses, dirigiu pela megalópole e experimentou o contato direto com o mais diverso tipo de pessoas. Como resultado, escreveu o livro Yellow Cab (Flammarion, 2017). Agora, em 2021, o quadrinista Christophe Chabouté, publicou uma adaptação para os quadrinhos do livro de Cohen.

Eu prefiro dividir a resenha em duas partes. Chabouté tem um traço, uma arte e uma sequência, singulares para visualizar uma história. Alguns de seus roteiros originais não ficam atrás dessa qualidade, como SOLITÁRIO e UM PEDAÇO DE MADEIRA E AÇO (resenha aqui), duas HQs de uma profundidade enorme. Ele mantém essas marcas em YELLOW CAB. Cada página, cada quadrinho, demonstra toda a habilidade do artista em transmitir a dimensão de Nova York, as construções, toda a sua solidão e indiferença das pessoas, em suas vidas ordinárias (no sentido de normalidade e não no pejorativo) e sequenciais, sem novidades ou estímulos.

Aliás, esse é um dos destaques da HQ. Como as pessoas conseguem ser solitárias e indiferentes, mesmo estando cercadas por milhões de outras. Cada um parece se preocupar com sua vida, sem demonstrar interesse ou preocupação com quem está ao lado. Isso não é uma exclusividade dos nova iorquinos. É fácil perceber como mesmo no Brasil, conhecido por ter um povo caloroso nas receptividades, se transformou em um monstro sem empatia.

Essa falta de preocupação com o próximo é perceptível em diversas passagens da HQ, como nos meses que Cohen levou para conseguir sua autorização para dirigir um táxi, bem como no comportamento dos passageiros, quase sempre ignorando a presença do motorista, como se fosse um robô sem sentimentos ou pensamentos.

Mas o principal destaque de YELLOW CAB não é Cohen ou mesmo o táxi, detentor do título, mas o fascínio que Chabouté parece ter de Nova York. Ele gasta quadrinhos e quadrinhos, páginas e páginas, para apresentar toda a grandiosidade da cidade, e tudo nos mínimos detalhes, com sequências inteiras de movimentos de veículos e de pedestres, através de visões da altura da rua, de cima, lateral, de todas as posições. É uma clara demonstração de amor para uma cidade sem amor.

Apesar de toda a qualidade artística da obra, eu entro na segunda parte da resenha com menos entusiasmo. De todas as obras que eu li de Chabouté, considero que YELLOW CAB é a que tem o roteiro mais fraco e menos interessante, ao contrário de minhas expectativas. Eu esperava encontrar algo semelhante aos filmes que conheço que têm por base a mesma síntese, ou seja, o trabalhador comum enfrentando as agruras de uma cidade que o consome um pouco a cada dia. Entretanto, o que encontrei, foi uma história vazia de personalidade, sem qualquer surpresa ou novidade, e que não apresenta nada que realmente convença em como uma pessoa pode evoluir por conhecer uma realidade diferente daquela que vive.

Eu não li o livro de Cohen, então não sei se a adaptação de Chabouté é fiel. E se é, se ele adaptou todo o livro, parte do livro ou se alterou alguma sequência. Então, analisando como obra independente, todas as experiências vividas por Cohen na HQ, são superficiais e insossas. A única que prometia algo mais intenso e que realmente poderia acrescentar algo de mais concreto, se mostra ser uma sonho do personagem, então fica sem aproveitamento. Nem sequer serve como indício de uma possível deterioração psicológica devido ao estresse, porque no quadrinho seguinte, Cohen já se comporta como se não tivesse sonhado nada.

Por diversas vezes, nos pensamentos que Cohen descreve, ele se coloca como alguém privilegiado que está se infiltrando em um mundo de necessidades e sacrifícios. O que é verdade. E isso não seria um problema, caso ele se adaptasse e compreendesse. Mas ele se comporta sempre de uma maneira superior, como alguém que está acima daqueles que o rodeiam e sofrem para colocar comida na mesa e um teto acima da cabeça. Até o fim da história, Cohen mantém essa postura, e isso deixa uma sensação de elitismo, de alguém que usou os outros para fazer um experimento, sem realmente se importar com os componentes desse experimento, as pessoas.

Ele frisa várias vezes que pode desistir a qualquer momento e voltar para a segurança de seu bairro, de sua vida sem necessidades. Isso também não seria um problema, uma vez que é verdade. O problema é ter esse posicionamento sem demonstrar empatia por quem não pode fazer o mesmo. E isso se repete em outro ponto, que considero até mais problemático. Conforme Cohen segue com seu experimento, ele cria uma personagem para o roteiro que ele pretende escrever após deixar de dirigir o táxi. Decide que deverá ser uma personagem feminina, uma vez que ele não encontrou uma única mulher como taxista. Ou seja, um mundo social dominado pelo patriarcado. Entretanto, Cohen coloca a experiência de uma mulher no mesmo patamar da experiência que ele está vivenciando, demonstrando que desconhece completamente o que uma mulher enfrentaria na posição que ele ocupa.

A isso se somam as situações que ele descreve durante o período que foi taxista. Praticamente todas se totalizam com a soma de pessoas desinteressantes, sem motivação aparente, no máximo rudes em algum momento, sem se aventurar pelos perigos, pelo preconceito, pelos traumas que ele menciona diversas vezes que os taxistas enfrentam, mas que nunca chega a mostrar. Não sei se Cohen ficou sem vivenciar essas situações, ou se Chabouté preferiu não transferir para a HQ. Para quem costuma pegar táxi, sabe bem o quanto a realidade é mais dura e cruel com esses profissionais, ainda mais numa cidade como Nova York. E mesmo para quem nunca pegou um táxi, basta uma pesquisa rápida no Google sobre histórias de taxistas, para perceber como a HQ se coloca à margem da realidade.

Apesar desses senões, YELLOW CAB não é uma HQ ruim, pelo contrário. Apenas o roteiro é inferior em comparação com outras obras de Chabouté, demonstra uma certa covardia em abraçar situações mais reais e se mantém naquela posição isenta. Graficamente, é deslumbrante, com uma produção de luxo, em capa dura, com alguns extras e uma apresentação impecável. Acho que vale para quem já tem uma coleção do autor, para quem gosta de apreciar uma arte perfeita e não se importa com o texto. No meu caso, não consigo separar as coisas, e me sinto decepcionado. Acontece.


AUTOR: Christophe CHABOUTÉ
ILUSTRADOR: Christophe CHABOUTÉ
TRADUÇÃO: Rafael MEIRE
EDITORA: Pipoca e Nanquim
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 172


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