Quando a realidade torna-se brutal demais para uma garota de 18 anos, ela é hospitalizada. O ano é 1967 e a realidade é brutal para muitas pessoas. Mesmo assim poucas são consideradas loucas e trancadas por se recusarem a seguir padrões e encarar a realidade. Susanna Kaysen era uma delas. Sua lucidez e percepção do mundo à sua volta era algo que seus pais, amigos e professores não entendiam. E sua vida transformou-se ao colocar os pés pela primeira vez no hospital psiquiátrico McLean, onde, nos dois anos seguintes, Susanna precisou encontrar um novo foco, uma nova interpretação de mundo, um contato com ela mesma. Corpo e mente, em processo de busca, trancada com outras garotas de sua idade. Garotas marcadas pela sociedade, excluídas, consideradas insanas, doentes e descartadas logo no início da vida adulta. Polly, Georgina, Daisy e Lisa. Estão todas ali. O que é a sanidade?

Em GAROTA, INTERROMPIDA, a narrativa é feita pela própria autora, Susanna, que descreve em capítulos curtos, três ou quatro páginas, situações que viveu e presenciou dos dezessete aos vinte anos, durante os anos de 1968 e 1969, no fim da Guerra do Vietnã, quando esteve internada em um hospital psiquiátrico, após um surto que a levou a uma tentativa de suicídio e a uma posterior fuga da realidade.

O relato de Susanna é feito de forma não linear, ou seja, em alguns capítulos, não temos certeza da ordem temporal em que eles aconteceram. Mais que isso: em algumas partes, a sensação que temos, é que Susanna não tem certeza do quão real foi uma ou outra passagem. Ela mesma reconhece isso e se diz confusa, principalmente nas partes em que é necessário especificar um intervalo de horas entre um acontecimento e outro.

Antes do início de alguns capítulos, existem reproduções de suas fichas de internação, acompanhamento médico, psiquiátrico e de diagnóstico, que não servem apenas para ilustrar a obra, mas para ajudar o leitor a entender o que está acontecendo com Susanna, bem como a diferenciar o que ela sente, do que os médicos dizem que ela sente.

A história de Susanna, durante esses quase dois anos, se mistura com a de sua colega de quarto, Georgina, que vaga entre a fantasia e a realidade; com a de Lisa, uma viciada sociopata, que sempre encontrava uma forma de fugir do hospital, para ser trazida de volta poucos dias depois; com a de Polly, uma garota que ateou fogo no próprio corpo, numa tentativa de suicídio; e com a de Daisy, viciada em medicamentos, entre eles, laxantes.

Através da convivência com essas outras pacientes, passamos a conhecer um pouco da vida de cada uma, nunca com muito detalhe, mesmo porque parece que os detalhes se perderam entre medicamentos e o tempo, mas o suficiente para conseguirmos ter o coração apertado por seus dramas. Como os períodos em que Polly toma conhecimento do quando deformou seu próprio corpo e se desespera; ou quando Lisa tem surtos histéricos e faz comparações com as picadas de agulhas que tem nos braços; ou quando Georgina parece ser a mais normal, para, logo em seguida, divagar entre sonhos; ou quando Daisy bola planos e desculpas para conseguir mais remédios; ou, principalmente, quando acompanhamos o sofrimento de Susanna por ter consciência de tudo o que acontece com suas companheiras, mas não consegue ter consciência do que acontece com ela própria.

Um ponto em comum entre todas as histórias, é a indiferença dos familiares, que parecem apenas querer que o problema desapareça, e jogam as garotas no hospital à própria sorte do tratamento. E escassez de visitas são equivalentes à falta de interesse.

GAROTA, INTERROMPIDA é uma leitura rápida, mas intensa, que transmite ao leitor a dificuldade que é conseguir vencer perante a perda da realidade. Isso fica muito bem demonstrado no final do livro, quando, alguns anos após Susanna receber alta, ela se encontra, acidentalmente, com Lisa no meio da rua, pouco antes de ser explicado o título do livro. É muito comovente a conversa das duas, após tudo pelo que passaram, e por causa das cicatrizes psicológicas que ficaram. Porque mesmo que algo seja curado, as cicatrizes sempre ficam. Sempre.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Susanna Kaysen
TRADUÇÃO: Márcia Serra
EDITORA: Única
PUBLICAÇÃO: 2013
PÁGINAS: 192