Publicado originalmente em 1954, SENHOR DAS MOSCAS é um dos romances essenciais da literatura mundial. Adaptado duas vezes para o cinema, traduzido para 35 idiomas, o clássico de William Golding — que já foi visto como uma alegoria, uma parábola, um tratado político e mesmo uma visão do apocalipse — vendeu, só em língua inglesa, mais de 25 milhões de exemplares. Durante a Segunda Guerra Mundial, um avião cai numa ilha deserta, e seus únicos sobreviventes são um grupo de meninos em idade escolar. Eles descobrem os encantos desse refúgio tropical e, liderados por Ralph, procuram se organizar enquanto esperam um possível resgate. Mas aos poucos — e por seus próprios desígnios — esses garotos aparentemente inocentes transformam a ilha numa visceral disputa pelo poder, e sua selvageria rasga a fina superfície da civilidade, que mantinham como uma lembrança remota da vida em sociedade. Ao narrar a história de meninos perdidos numa ilha paradisíaca, aos poucos se deixando levar pela barbárie, Golding constrói uma história eletrizante, ao mesmo tempo uma reflexão sobre a natureza do mal e a tênue linha entre o poder e a violência desmedida.

Vencedor do Prêmio Nobel de 1983, Golding criou, em 1954, com SENHOR DAS MOSCAS, uma obra que utiliza crianças para demonstrar a selvageria e a maldade humana totalmente livres dentro do paraíso. Não é para menos que o título faz referência a Belzebu, ser associado à morte, crueldade, pestilência, o senhor das moscas.

Lendo esse primeiro parágrafo, vocês podem pensar que se trata de uma história de terror, mas ledo engano. Passa longe do terror e pisa firme na realidade de que todos possuem um lado mau dentro de si, que só precisamos de um determinado contexto para liberá-lo e cometer as maiores atrocidades.

Isso fica muito claro em uma determinada parte do livro. Os garotos, para se alimentarem, matam um porco do mato e colocam a cabeça do bicho numa estaca de madeira no meio da vegetação densa da ilha. Simon, um dos personagens secundários, e que passa por dificuldades para se adaptar à nova realidade de exclusão, senta-se de frente para a cabeça do porco, cheia de moscas, e mantém uma conversa sobre a maldade humana. O diálogo arrepia e é uma das leituras mais pesadas que já li. Aliás, quando cheguei ao final de SENHOR DAS MOSCAS, senti-me exaurido, cansado. Não pela leitura, mas por tudo o que acontece.

O grupo de jovens de um colégio inglês, que vão dos cinco anos aos catorze anos de idade, ficam presos numa ilha paradisíaca após a queda do avião que os levava para longe da Segunda Guerra Mundial. Nenhum adulto sobrevive, e eles ficam totalmente livres para tomarem suas próprias decisões.

Logo se formam dois grupos: o primeiro, liderado por Ralph, um garoto justo, preocupado com o bem-estar de todos, ele procura uma forma de serem resgatados; e Jack, um outro garoto da mesma idade que Ralph, líder do coral do colégio, que deseja apenas caçar e matar porcos, não se preocupa com ninguém, é autoritário e cruel com os companheiros.

O terceiro personagem tem a alcunha de Porquinho, um garoto gordinho, mais novo que Ralph, muito inteligente, mas motivo de chacota por causa de seu físico, além de ser ignorado por todos, apesar de ter as melhores ideias e de possuir um item essencial: óculos de grau, que ajudam a criar fogueiras.

O grupo começa convivendo pacificamente, com Ralph como líder, mas a partir do momento que surge o bicho, uma criatura que alguns dos meninos mais jovens juram ver de noite, eles se dividem em opiniões e, aos poucos, Jack consegue destruir a liderança de Ralph e criar um ambiente de perseguição, opressão e morte.

A genialidade da obra reside na sua narrativa, que, aos poucos, através de atitudes típicas de jovens livres da doutrinação dos adultos, criam uma sociedade democrática, que se transforma, aos poucos, em um ambiente de guerra. Embora, inicialmente, dotados da ingenuidade própria da idade, conseguimos ver o reflexo de nós mesmos naquilo que eles fazem e nos assustamos ao constatar como é fácil partir da ordem para o completo caos, da democracia para o fascismo.

Existem duas partes específicas da leitura, quando qualquer civilidade dos garotos é apagada pelo medo, pelo desejo selvagem de manterem o domínio sobre o ambiente e sobre o grupo como um todo, em que fui obrigado a fechar os olhos e engolir em seco. Ainda mais quando fiz um paralelo com nossa sociedade e percebi que em muitos momentos de nossa história, o mesmo já aconteceu, e com adultos.

E no fim, quando os dois garotos, Ralph e Jack, chegam ao limite do abismo, algo acontece, e a descrição do rosto de ambos, do estado em que eles estão, do espanto por perceberem o que aconteceu no meio das cinzas da destruição que eles deixaram para trás até aquele momento, me fez ver que é exatamente com essa perplexidade que o homem ficaria se destruísse a civilização. Embora o autor não coloque essas palavras na boca dos dois, aquilo que passa pela mente do leitor, é: “Meu Deus, o que foi que nós fizemos?”.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: William Golding
TRADUÇÃO: Sérgio Flaksman
EDITORA: Alfaguara
PUBLICAÇÃO: 2014
PÁGINAS: 224