Para os fãs de romances históricos, não faltam opções, mas, às vezes, surgem uns títulos que chegam sem fazer barulho, que reservam uma trama super envolvente, só esperando para ser descoberta. Esse é o caso de SANTO GUERREIRO – ROMA INVICTA, um livro nacional que imagina toda a vida de São Jorge, santo guerreiro da Igreja Católica e imagem de adoração em diversas outras religiões. Sua vida se tornou mito, de mito foi para lenda e agora chega para nós numa roupagem agradável e viciante. Vem que vai valer a pena!

Aqui nós temos o primeiro livro de uma trilogia que não é uma biografia de São Jorge, até porque traçar com exatidão a vida de um mito que viveu há mais de mil anos é praticamente impossível. Mas o autor nos apresenta uma prosa que, junto com elementos reais, desenvolve um caminho a ser perseguido com Jorge no meio das tramas políticas de um Império Romano em decadência. De primeira, eu sei que pode parecer extremamente complexo, mas o autor trabalha com todo o tempo do mundo, primeiro desenvolvendo o ambiente onde a trama vai se passa, antes de sequer apresentar o nosso protagonista.

O plano de fundo é o Império Romano, um dos maiores impérios do mundo, entrando em decadência. Os imperadores são mortos como moscas e seus substitutos carecem de força e dedicação para com o trono, logo eles vão precisar lidar com instabilidades em cada esquina. E é nesse caos que um personagem chamado Laios é apresentado. Ele começa como um simples soldado, sobe de cargo, acumula vitórias nas guerras e em seguida recebe suas recompensas. Sua nova missão é se estabelecer numa pequena cidade e fazer dela o lugar mais próspero possível. Mas porque Laios e essa nova cidade são importantes para trama? Laios é nada mais, nada menos, que o pai do verdadeiro protagonista, o futuro São Jorge.

Boa parte inicial do livro é reservado para o total desenvolvendo de Laios e sua esposa, os pais de São Jorge, que são de lugares extremamente distintos. Mas a convivência entre eles não é tudo, o que temos são interessantíssimas guerras políticas e um intenso jogo de poder. Esse começo é basicamente um “Game of Thrones” romano, com direito a muita traição e até mesmo sangue. É impossível chamar esse arco de enrolação, já que é aqui que todo o terreno é preparado, pois toda a calmaria é posta no chão com o passar do tempo. Acompanhamos literalmente nosso personagem principal, São Jorge, ser concebido, nascer, crescer, se desenvolver e se tornar um autêntico homem com vivências que nenhum jovem deveria ter nessa idade.

As páginas vão passando e, com o tempo, São Jorge assume o manto de protagonista e a história segue sendo um poço de qualidades. É aquela velha trama clássica do personagem que precisa superar diversos obstáculos, ir de baixo para cima. Mas aqui o clichê é aceitável, pois o plano de fundo é interessantíssimo. O protagonista passa por lugares exóticos e faz contato com os mais diferentes e curiosos povos que existiram nas regiões que hoje conhecemos como Ásia, Oriente Médio e até mesmo partes da Europa. Acompanhamos uma evolução extremamente rica e palpável, é muito difícil não torcer pelo personagem principal.

Além da trama ser rica, a forma que ela é contada é muito bacana. Basicamente dentro da narrativa, uma mulher que conviveu perto dos personagens, está escrevendo a história. E conforme ela avança, a mesma manda os capítulos para um padre revisar. A cada novo arco, nós temos algumas cartas trocadas entre a autora e o padre, discutindo curiosidades do que acabamos de ler e em como ela pode melhorar daqui para a frente. É uma interação que funciona demais dentro da narrativa e só enriquece. E tudo isso é feito numa prosa sensacional pelo autor. O livro é gigante, quase seiscentas páginas, mas ele é extremamente particionado em diversos capítulos pequenos e agradáveis, que fazem a leitura ser tão gostosa e interessante, que é até mesmo possível de uma vez só, sentar, se maravilhar com a prosa e devorar quase o livro por completo e falo isso por experiência própria.

Começamos acompanhado os pais de Jorge, depois o próprio Jorge e, às vezes, temos alguns capítulos de outros personagens, que estão aqui para deixar a trama mais rica, nos mostrando as maquinações que estão acontecendo do outro lado do tabuleiro. Essas atualizações não são tão frequentes, mas funcionam perfeitamente bem na hora que são apresentadas.

Os personagens são bastante carismáticos e cheios de nuances, medos e limitações que eles mesmos buscam vencer a todo o instante. O livro também é muito feliz ao abordar o lado religioso com tanta força, já que na época onde a história se desenvolve, o cristianismo ainda não era a potência que é hoje. Nas palavras, o embate entre esses novos fiéis seguidores de um Cristo que foi crucificado com os fiéis de outras religiões antigas é muito forte e intrigante. Mais uma vez fazendo de tudo para não deixar nunca essa narrativa cair na falta de base e profundidade.

SANTO GUERREIRO – ROMA INVICTA é apenas o primeiro volume dessa nova trilogia que ainda tem muito chão para percorrer. A trama basicamente não termina, ela apenas se encerra dizendo que já volta, a gente sabe que ainda falta muita coisa para acontecer, nosso personagem principal ainda é jovem, ainda não é o mito do Santo Guerreiro que conhecemos hoje em dia. Se eu tivesse que falar alguma coisa do que não é perfeito, como todo o resto, seria o final que não deixa um impacto no leitor. A gente quer o próximo porque ainda não vimos nem a metade da vida desse mito, não porque aconteceu algo bombástico. Aqui faltou o autor inserir no leitor aquela sensação gostosa de pânico e desespero, tipo, PRECISO DA CONTINUAÇÃO AGORA!

Mas isso não chega a ser uma coisa ruim, a trama é extremamente contagiante, os personagens são ricos o suficiente para deixar o leitor motivado a continuar. Mesmo se passando num período tão antigo, tudo é feito com cuidado para ser agradável a qualquer tipo de leitor. O que lê clássicos ou aquele que é amante dos contemporâneos, o autor foi muito feliz ao deixar sua prosa tão aceitável para qualquer um, porque de longe seu livro parece um monstro, mas quem for se aventurar nele, vai ser fisgado, pode ter certeza!


AUTOR: Eduardo SPOHR
EDITORA: Verus
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 585


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