Vivemos em uma sociedade onde as mulheres precisam estar sempre alertas para tudo, tanto na vida pessoal, como na profissional. No ambiente de trabalho, o assédio, físico ou verbal, tem chegado a níveis alarmantes. O livro ELA DISSE vai abordar a investigação jornalística que denunciou um dos maiores produtores de Hollywood, mostrando anos de abusos e assédios contra funcionárias de sua empresa e também para com grandes atrizes famosas mundialmente. Esse primeiro passo desencadeou uma enxurrada de denúncias que deram o pontapé inicial para o movimento “Me Too”, projeto que tem como objetivo quebrar o silencio, começar uma revolução contra o fim do assédio em todas as áreas.

Tudo começou com Harvey Weinstein, dono e famoso produtor de uma grande empresa de distribuição de filmes em Hollywood. Sua influencia era enorme e seu intenso trabalho fez vários filmes serem premiados e lembrados por todos. Tiveram em suas mãos obras como A VIDA É BELA, O LADO BOM DA VIDA, O DISCURSO DO REI, O PACIENTE INGLÊS e SHAKESPEARE APAIXONADO, sendo esses últimos três, vencedores de Oscar de melhor filme em seus respectivos anos de lançamentos. Foi por ele também que grandes atrizes conseguiram papéis que marcaram suas carreiras, como Gwyneth Paltrow, Salma Hayek, Jennifer Lawrence, Ashley Judd e até mesmo Angelina Jolie.

E toda essa influencia e “poder”, Harvey usava para fazer a vida das mulheres ao seu redor num inferno. Era literalmente um padrão, Harvey conhecia alguma jovem atriz com potencial, convidava a mesma para uma conversa em particular, geralmente em um quarto de hotel, em seguida ele começava a prometer fama, sucesso e prêmios. Mas no meio disso, ele mostrava o seu preço, o mesmo começava a levar a conversa para lados sexuais, tirava a roupa e pedia massagens. Isso nos casos mais “leves”, em outros o produtor já partia para cima das atrizes nu e fazendo atos obscenos sem consentimento. Se a mulher recusava, ele começava as ameaças de que a carreira delas não teria futuro e que ele não mediria esforços para destruir as mesmas. Obviamente isso não acabava bem para as mulheres que em seguida eram procuradas por advogados que lhe passavam quantias de dinheiro em troca de nunca falar a respeito do ocorrido e nem fazer denúncias. Na base do medo e de uma pesada intimidação, grande parte das mulheres aceitava esses acordos. E isso aconteceu por mais de trinta anos.

Era de conhecimento geral que o produtor era um homem “mulherengo”, ele tinha essa fama e não parecia incomodar aos outros homens importantes da sua empresa. Para as mulheres era um tabu, outras já tentaram denunciar Harvey, mas tiveram suas carreiras destruídas e seus relatos ridicularizados. O que faltava era uma união de forças, uma profunda organização de fatos e várias vozes juntas para assim elas serem ouvidas.

Foi num famoso jornal americano onde essa organização começou, quando duas repórteres se uniram para denunciar vários casos de assédios feitos por Donald Trump, na época candidato a presidência americana. E nessa investigação, elas se cruzaram com essa cadeia de assédios feitas por Harvey Weinstein. Pesquisas foram feitas e o padrão foi provado, elas só precisavam agora dos relatos das mulheres, mas como pedir às vítimas para falarem novamente? Nesse momento, elas só tinham a certeza de que seriam ignoradas e tinham medo de atrair mais uma vez o olhar de Harvey. Agora cada uma seguia a sua vida, elas não queriam mexer nisso novamente por medo do que poderia causar, mas dentre centenas, algumas aceitaram ter seu nome e relato postos na matéria que iria mostrar para o mundo o monstro que Harvey Weinstein era. E essas primeiras deram a coragem que faltava nas outras e um grande movimento nasceu, com dezenas de mulheres dando seus relatos e todos tinham as características que o assediador seguia. E não parou por aí.

O livro narra todo o caminho que as duas jornalistas precisaram trilhar para conseguir, enfim, publicar esse artigo que mudou tudo. Ele abriu portas para a verdade, pôs fim ao silencio imposto à força nas vítimas e deu coragem a todas as mulheres, não só essas que passaram por experiências terríveis com esse produtor, mas mulheres em todas as áreas. Todas estavam falando, todas queriam e agora eram ouvidas. O movimento foi tão impactante que limpou a indústria do cinema americana, com vários produtores, diretores e atores famosos sendo desmascarados e demitidos. Afetou até mesmo a política americana, como é mostrado nos capítulos finais, onde acompanhamos um novo embate, dessa vez com uma vítima de abuso contra um importante politico americano.

A leitura informa sobre todas as dificuldades que foi dar o primeiro passo, mostra o que aconteceu com as mulheres e todas as sequelas deixadas depois do abuso. Alguns relatos são realmente bem pesados e gráficos, podendo sim despertar gatilhos, mas ainda assim a leitura é importante porque essas coisas precisam ser discutidas e interrompidas. O livro só peca na divisão de capítulos, já que os mesmos são bastante longos e entrelaçam vários assuntos que às vezes confundem. Faltou um pouco de visão das autoras na hora de organizar suas histórias. A capa do livro também poderia ser melhor trabalhada, o resultado final é simples demais. No final do livro a leitura fica muito densa e a enxurrada de informações que o leitor recebe é enorme. Mas o epílogo reserva uma passagem bem emocionante com várias mulheres que foram vítimas se unindo numa conversa e enfim se conhecendo. Mulheres ricas, pobres, privilegiadas ou não. Encerrando o livro com a bonita mensagem de que juntas elas conseguem, juntas tudo pode dar certo.


AUTORAS: Jodi KANTOR e Megan TWOHEY
TRADUÇÃO: Débora LANDSBERG, Denise BOTTMANN, Isa Mara LANDO e Julia ROMEU
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 375


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