
O romance contemporâneo “Um Toque de Escuridão“, escrito pela estadunidense Scarlett St. Clair, é um livro descrito como sombrio e sensual. O primeiro volume da série Hades & Perséfone, é parte dos novos lançamentos da Editora Bloom, selo do Grupo Companhia das Letras.
Bom… não me preparei com um roteiro para escrever esta resenha. Não que eu tenha me planejado nas outras, mas, desta vez, será um grande despejo de pensamentos. Vou destrinchar tudo o que vier à mente, na ordem em que surgir. Então, já aviso: não espere uma resenha toda bonitinha e organizada.
Sobre “Um Toque de Escuridão“, sim, é um romance com conteúdo adulto. Ou seja, menores de idade deveriam passar longe. Mas como sei que isso não acontece na realidade, já deixo minha primeira opinião: todas as cenas de sexo poderiam ser removidas e o público-alvo ajustado. E digo isso sabendo que o “melhor” da história acontece justamente depois dessas cenas picantes. Calma, eu explico.
Antes de entrar no livro, vamos relembrar o mito original (vai que alguém não conhece, né?). Eis um resumo: Perséfone, filha de Deméter e Zeus, cresceu cercada pela primavera e pela proteção sufocante da mãe. Jovem e bela, irradiava uma luz que não passava despercebida, nem mesmo pelos deuses. E, claro, foi aí que os problemas começaram. Hades, o senhor do submundo, olhou para ela e pensou “é essa mesmo”. Mas como ele sabia que Deméter não ia deixar a filha ser raptada, ele foi o típico deus grego com uns probleminhas de ética e pediu a ajuda de Zeus. E o que Zeus fez? Nada, claro. Não se meteu na história.
E o que aconteceu? Perséfone estava lá, tranquilinha, colhendo flores, quando do nada o chão se abre e, sem direito a protesto, Hades a puxa para o submundo. O mais simples e direto possível. Enquanto isso, na superfície, Deméter começa a pirar, percebe que a filha sumiu e sai vagando por aí por nove dias e noites, sem comer, sem descansar, perguntando a todos onde estava Perséfone. Quando finalmente descobriu o rapto e a falta de ação de Zeus, Deméter ficou… furiosa. Então, ela decidiu mandar uma mensagem de volta para o mundo: sem Perséfone, sem flores, sem vida, sem nada. E pronto, as colheitas murcharam, a fome se espalhou, e o caos reinou.
Zeus, que raramente toma uma atitude, teve que se mexer. Mandou Hades devolver Perséfone, mas claro, Hades não ia deixar a rainha do submundo ir embora assim tão fácil. Então ele deu a ela as famosas sementes de romã, com uma condição: quem comesse no submundo, jamais sairia completamente. E cá estamos.
O reencontro entre Perséfone e Deméter foi emocionante, mas a alegria durou pouco. Hades reivindicou sua parte no acordo, e Zeus, no melhor estilo “não posso agradar ninguém”, resolveu fazer o famoso meio-termo: Perséfone passaria metade do ano com a mãe e a outra metade com Hades, no submundo. E assim nasceu o ciclo das estações. Quando Perséfone está na superfície, Deméter se alegra e faz a terra florescer — primavera e verão. Mas quando sua filha desce ao submundo, a deusa se entristece e o mundo entra em seu período de frio e escuridão — outono e inverno.
Agora, voltemos ao livro.
Scarlett pegou esse mito grego e, em vez de manter a aura sombria e mitológica, transformou tudo em um romance contemporâneo (bem moderno, com direito a Nova Atenas, que provavelmente é uma versão disfarçada de Nova York. Porque por que não, né?). Aqui (isso está na própria sinopse, ok?!), Perséfone é uma jovem deusa ingênua, meio perdida, sem perceber o poder que tem. Criada em uma estufa protetora pela mãe, decide dar um passo ousado e se mudar para a cidade grande, longe de todo mundo. O sonho? Traçar seu próprio destino. E, claro, ser a dona da sua própria vida.
Mas, como é de praxe nas histórias de mitologia (e também de qualquer enredo que envolva um contrato com Hades), ela acaba fazendo o pior erro possível: perder uma aposta para ele. Resultado? Presa a um contrato absurdo, ou cria vida no submundo, ou vira prisioneira dele para sempre. Tudo o que nossa pequena deusa queria era liberdade, mas acaba se apaixonando pelo mais misterioso dos deuses. E o que essa paixão tem de proibida, tem de cativante.
Bem, pelo menos é isso que a sinopse promete.
A premissa é boa. Parece promissora. Mas, honestamente, o livro não alcançou o que eu esperava.
A escrita da Scarlett é direta e fluida, o que faz a leitura ser rápida. A questão é que, por ser tão fluida, falta profundidade. O livro tem umas trezentas páginas, com margens pequenas e capítulos curtos, a leitura é ágil… mas também superficial. Você vai virando as páginas, mas não sente que está indo a fundo na história. Os diálogos são dinâmicos, mas, se você for parar para pensar, são apressados e previsíveis.
Ah, e a tradução de Renata Broock merece aplausos. Se eu tivesse lido em inglês, acho que nem teria chegado ao final (talvez tivesse desistido no meio, na real). A tradução faz a coisa fluir, o que foi uma bênção, porque a escrita da autora, no fundo, não ajudaria tanto assim.
A narrativa, ao que tudo indica, é em terceira pessoa limitada, mas ocasionalmente rolam umas passagens em primeira pessoa. Isso, para mim, é uma faca de dois gumes. Pode criar aquela conexão emocional com a protagonista, mas no meu caso, acabou criando um distanciamento.
Na construção dos personagens, temos muitos, mas o enfoque recai principalmente em Perséfone, Hades, a melhor amiga, Lexa, e a mãe (abusiva), Hécate, e outros agregados.
Perséfone, como protagonista, é inconsistente. Logo nos primeiros capítulos, desenvolvi uma antipatia por ela. O que, como podem perceber, foi um grande problema, já que ela é a narradora do primeiro livro. Ou seja, fui “obrigada” a passar o tempo todo na cabeça de uma personagem que não consegui nem começar a gostar.
E o que posso dizer sobre Perséfone? Ela é um porre. Simples assim. A insegurança dela poderia ser interessante se não fosse tão repetitiva e contraditória. Ela julga Hades sem o conhecer verdadeiramente, e, quando finalmente começa a se aproximar dele, a postura dela muda a cada página. Está certo que estamos falando do deus dos mortos, mas o preconceito dela chega a ser exagerado. E o pior? No fim, ela se perde completamente. E como jornalista (porque, aparentemente, ela é uma aspirante a repórter), eu não consigo engolir o fato de ela fazer tantas suposições precipitadas. Como alguém que sonha ser repórter pode ser tão… desinformada?
Hades, por outro lado, é um clichê ambulante (e amamos clichês!). Ele é o combo: sombrio, poderoso, sedutor, mas, no fundo, um homem atormentado que precisa do amor da mocinha para se redimir (poxa, coitadinho!). O romance entre os dois tem momentos quentes, mas Perséfone é tão chata que a química não convence completamente.
O universo que a autora poderia explorar é fascinante, mas ela escolheu focar na relação dos personagens em vez de aprofundar a mitologia. E tudo bem! Mas, para mim, foi uma pena. Acredite, os poucos momentos em que Perséfone interage com os mortos no Asfódelo são, sem sombra de dúvida, os mais interessantes da obra. Dá para sentir um vislumbre do que o livro poderia ter sido se tivesse se aprofundado nesse universo. Mas, infelizmente, esses momentos são poucos.
“Um Toque de Escuridão” é aquele tipo de livro que você lê rápido, se distrai por algumas horas, mas depois de um tempo se pergunta se valeu a pena. Para mim, o livro não trouxe nada de novo. Ele se apoia em clichês e frases de efeito para tentar cobrir a fragilidade da trama. Me senti lendo uma fanfic do Wattpad, mas não das boas. Daquelas que você lê e pensa: “É ok”, mas sem muita animação.
Quando cheguei ao final, pensei que não poderia me sentir mais decepcionada. Mas, claro, a autora conseguiu me surpreender. O plot foi uma surpresa, vou admitir. Não que seja algo inovador, porque o livro é tudo, menos inovador, mas o final me pegou de surpresa de uma maneira que eu não esperava.
Sobre as cenas hot… Olha, honestamente, acho que elas poderiam ser removidas sem prejuízo nenhum para a história. Não é que eu tenha algo contra cenas picantes (Zeus que me livre!), mas o enredo realmente teria se beneficiado mais se houvesse um desenvolvimento mais sólido do romance e da mitologia. Ficar tão focada em encontros sexuais acabou tirando o peso da narrativa. No final, essas cenas não agregaram tanto assim.
E o lance da Perséfone ser virgem? Ah, me incomodou. Sei que, na mitologia, ela também é virgem, mas o livro não segue fielmente a mitologia em outros aspectos, então por que insistir nesse detalhe? Não sou contra histórias em que a mulher é virgem e o homem é o garanhão, experiente, capaz de surpreender até Eros, o deus do erotismo. Mas aqui, ficou meio forçado e, no fundo, um pouco desnecessário.
O universo de Scarlett nos apresenta uma Perséfone que está em busca de validação e aceitação de algo que ela mesma não entende direito (a personagem e a autora). Ela oscila entre tentar encontrar sentido em viver como mortal, se desvencilhar das garras maternas e abusivas de Deméter, escapar do estereótipo de deusa da primavera, superar o medo de se envolver com um deus e lidar com a forma como os mortos a enxergam como sua rainha. Um rolê, né?
Desde o momento em que Perséfone vai à boate de Hades, faz a aposta e se vê em dívida com ele, até sua tentativa de escapar do acordo — enquanto inevitavelmente se aproxima do deus (gostoso e sombrio) —, a tensão entre os dois só cresce. No entanto, como já disse, a personagem carece de profundidade.
Perséfone, ah, Perséfone… Ela é um verdadeiro estereótipo ambulante. Uma mistura de deusa fofinha e ingênua com aquele toque de “não sou como as outras garotas” (imaginem risadas debochadas ao fundo). Ao mesmo tempo, ela também carrega aquele ar de uma adolescente de 2016 se imaginando como uma mulher durona. Meio contraditória, eu sei, até consigo entender o processo de autodescoberta dela, só que a execução não me convenceu.
Esse foi o meu primeiro encontro com a escrita de Scarlett. Não vou dizer que detestei (seria exagero), mas também não posso afirmar que me apaixonei pela narrativa. A edição, por outro lado, é bonitinha — capa brochura (sabe, a capa mole?), com páginas levemente amareladas e uma fonte confortável que não cansa os olhos. Agora, a história…
E a grande pergunta é: Vale a pena ler “Um Toque de Escuridão“? Bem, depende. Se você está a fim de um romance rápido, com cenas +18, mas sem muita profundidade, e ainda um toque de mitologia para dar aquele charme extra, então sim, pode ser uma boa distração.
No meu caso, não sei quando vou pegar o segundo livro (que, pelo que entendi, é narrado pelo próprio Hades). Mas, vou ler… porque sou teimosa. Ou masoquista. Ou talvez os dois.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Scarlett St. Clair TRADUÇÃO: Renata Broock EDITORA: Bloom Brasil PUBLICAÇÃO: 2025 PÁGINAS: 272 COMPRE: Amazon |