Estou escrevendo sobre “O massacre da família Hope” minutos após virar sua última página. Normalmente, eu espero. Deixo a história destilar, reorganizar-se dentro de mim. Mas não hoje. Hoje, escrevo no impulso, porque esse livro não merece uma análise “sóbria” de ideias. Riley Sager me fez sentir no ápice, e escrever agora é o gesto mais honesto que posso oferecer como leitora. Afinal, um thriller com tanto suspense e um desfecho tão surpreendente não pode ser resenhado sem paixão.

Pensei em dividir essa resenha em partes organizadas como o fluxo do livro, mas não acho que conseguiria ser tão brilhante quanto Riley. De qualquer forma, aqui está minha tentativa, sem spoilers, de explicar por que “O massacre da família Hope” é uma ótima opção de leitura.

A trama começa em 1929, um ano de ruínas — tanto financeiras quanto familiares. A rica e influente família Hope é brutalmente assassinada, restando apenas Lenora, a filha mais velha. A suspeita recai sobre ela, mas nunca houve provas suficientes para condená-la, embora o veredito popular fosse unânime: Lenora é culpada. Décadas depois, isolada na mansão Hope’s End, à beira de um penhasco, Lenora vive confinada a uma cadeira de rodas. Idosa e sem fala, ela faz um pedido à sua nova cuidadora, Kit McDeere: Eu quero te contar tudo.

Essa frase é um gatilho. Não só para Kit, mas para o leitor. O que é esse “tudo”? E por que Lenora escolheria agora, tantos anos depois, para falar? À medida que a história avança, você percebe que nada é simples (nada mesmo!). Kit, mais do que apenas nossa narradora, é a lente pela qual vivemos a trama. Ela carrega suas próprias feridas, o que torna seus julgamentos tão humanos quanto imperfeitos. Apesar de suas dúvidas e dramas pessoais, Kit tenta manter um olhar racional, ainda que, por vezes, seus sentimentos interfiram. É essa humanidade que nos conecta profundamente à história. Kit não está sozinha buscando respostas; nós, leitores, estamos com ela.

E quando digo que a história é complexa, isso é um eufemismo. Riley constrói um suspense que antecipa nossos próprios questionamentos. Cada capítulo levanta novas perguntas e responde poucas, criando um emaranhado de suspeitas e confusões. Não dá para negar que Riley tem talento (e o tradutor, Renato Marques, também!). Não é apenas Kit quem se sente atormentada na mansão; somos nós também.

Os personagens são muitos, mas também poucos. Muitos, porque, em histórias de assassinatos, quanto mais pessoas, mais suspeitos. Poucos, porque cada um tem um papel claro na trama. A governanta rígida, o chef, a empregada jovem, o caseiro… Riley te faz duvidar de todos. Até mesmo da própria Lenora. Você sabe que está sendo enganado, mas ainda assim confia. E, no fim, quando você acha que todas as perguntas foram respondidas, surgem novas questões — perguntas que você nem sabia que deveria fazer.

Riley sustenta a tensão de forma contínua e linear. Ele sabe quando segurar uma resposta e quando soltar um detalhe que nos faz prender a respiração. A ansiedade cresce de forma calculada, mas nunca sufocante. Lá pela página 290, parar de ler já não é mais uma opção. E quando o final chega… ah, quando ele chega, é simplesmente chocante. É divertido, faz sentido, se encaixa. Você se pega questionando como não percebeu antes, mesmo com os detalhes tão claros. Quanto mais avança na leitura, mais as peças do quebra-cabeça se conectam, e cenas anteriores retornam vivas à sua mente, como um filme. “O massacre da família Hope” é um daqueles livros que ficam. Não só pela trama, mas pela experiência.

Uma parte obsessiva de mim quer destacar alguns fatos meio “aleatórios”. Riley é da Pensilvânia, curiosamente o mesmo estado de um dos meus autores favoritos, como Stephen Chbosky. O que isso significa? Talvez nada. Mas também, talvez tudo. Regionalidade importa. Somos influenciados pelo lugar em que crescemos. A Pensilvânia, com sua história colonial, mistérios urbanos e espaços rurais isolados, oferece um histórico de autores literários com narrativas que exploram medos, segredos e conflitos internos. E por que estou dizendo isso? Porque, mesmo com uma riqueza de ambientação e narrativa, “O massacre da família Hope” não reinventa a roda do mistério. Ele bebe de fontes clássicas, como Agatha Christie e Shirley Jackson (que não são da Pensilvânia), mas entrega uma história com personalidade própria. Friso isso porque, para mim, a história de um massacre em uma mansão isolada não é exatamente inovadora, mas admito que Riley utiliza esse ponto de partida para explorar camadas emocionais e narrativas que a tornam especial.

Ao final, quando você acha que todas as suas perguntas finalmente estão sendo respondidas, você descobre respostas para perguntas que sequer tinha considerado, o que eu considero um grande feito. Mas, ao caminhar para o último ato, me peguei pensando: isso é mesmo necessário?

Não que eu tenha desgostado. Foi uma conclusão fascinante, mas também foi como se Riley quisesse surpreender o leitor até o final, chocando-o tanto que ele não conseguisse notar qualquer ponta solta que ficasse ou, na melhor das hipóteses, fizesse tantas perguntas que o livro se destacaria. Tanto deu certo, que o autor já teve sete livros na lista dos mais vendidos do The New York Times. Minha opinião é que, na ânsia de surpreender até o último segundo, Sager corre o risco, dependendo do tipo de leitor, de perder o impacto ao entregar tantas reviravoltas.

Por fim, quando pensei ter encerrado esta resenha, fui pesquisar sobre o livro e descobri que a história é, supostamente, inspirada no caso real de Lizzie Borden, acusada de matar o pai e a madrasta em 1893. Mas, enquanto na vida real a verdade nunca foi revelada, no livro, você tem um universo em que todas as respostas são entregues por Riley. E ele faz isso de forma que, mesmo no absurdo, tudo faça sentido.

Ah, e um fato curioso sobre por que me interessei por esse livro… confesso que foi apenas pelo nome, Lenora. Todas as minhas experiências literárias com esse nome foram positivas. Desde Lenora, de Heloísa Prieto, até o conto com a variação do nome, Lenore, de Edgar Allan Poe, há algo de misterioso e encantador em cada Lenora literária que tive o prazer de conhecer. E, assim como as outras, eu também me afeiçoei a esta. No mais, se você gosta de um suspense bem construído, personagens que provocam sua confiança e reviravoltas que desafiam sua lógica, leia.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Riley Sager
TRADUÇÃO: Renato Marques
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2024
PÁGINAS: 400
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