A trilogia A TERRA PARTIDA, que se encerra agora com O CÉU DE PEDRA, e cujos volumes anteriores são A QUINTA ESTAÇÃO e O PORTÃO DO OBELISCO (resenha aqui),  ganhou o Hugo, maior prêmio da ficção-científica, três anos seguidos, cada um deles em um ano. O CÉU DE PEDRA ainda ganhou o Nebula e o Locus. Mais importante é N. K. Jemisin ter sido a primeira pessoa negra a receber o Hugo na categoria principal, em 2016. Sim, de 1953, quando o Hugo começou, até 2016, nenhum negro havia ganhado, por mais absurdo que pareça. Jemisin é considerada uma das mais importantes escritoras da atualidade, e suas obras tratam principalmente, através da fantasia, sobre justiças sociais, preconceitos, violência e a força da mulher.

Em seu discurso na cerimônia de premiação do Hugo, em 2018, Jemisin começa lembrando como o ano foi difícil para muitos e faz uma referência ao que escreve na trilogia, onde os personagens precisam lutar para sobreviver em um mundo que está disposto a quebrá-los. Muita da influência que a história recebe, vem da opressão estrutural, principalmente nos EUA atuais. Mas ela também demonstra na sua escrita, a importância da família, seja uma família de sangue, seja uma família construída com bases emocionais. Todos esses temas, essas mensagens, estão presentes nos três livros, nos personagens, em suas ações e nos resultados dessas ações.

Existe um outro trecho de seu discurso, onde Jemisin explica que foi aconselhada por editores de revistas a moderar suas alegorias e sua raiva. Jemisin explica que trabalhou muito nesses livros, que ela colocou toda a sua dor nas histórias, que estudou e se aprofundou em uma série de fontes para refinar sua escrita, para criar sua própria voz. E por isso, ela não seguiu os conselhos, continuou escrevendo com sua essência, mesmo quando editores recusaram suas obras com a alegação de que apenas pessoas negras iriam querer ler o trabalho de uma escritora negra, continuou se recusando a abaixar a cabeça e calar a boca, para, finalmente, sorrir para todos os que pareciam negar seu talento.

O discurso de Jemisin está reproduzido no final de O CÉU DE PEDRA e é forte, potente, motivador para todos os que são diminuídos por pessoas racistas e preconceituosas. Mais do que recomendado, esse discurso é de leitura obrigatória, é necessário. E toda a força desse desabafo de Jemisin ao receber o prêmio de 2018, está também nas páginas e no final da trilogia, quando os personagens, já cansados, exaustos, se sentam nas escadas de um determinado local, após uma batalha, e suspiram pela pouca força que ainda lhes resta, contemplando estarrecidos as ruínas que sobraram, os amigos que perderam, os inimigos que derrotaram, mas que são, somados, a representação de quem eles são e pelo que lutaram.

Para quem não conhece a premissa da trilogia, no universo criado por Jemisin, um planeta está sendo destruído por constantes terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis, atividades que deveriam ser naturais, mas que muitos pensam ser consequência de alguém, ou de um grupo de pessoas. Isso porque existem homens e mulheres, chamados de Orogenes, que possuem a capacidade de controlar eventos sísmicos. Eles são extremamente perigosos, por isso são mortos, ou presos e enviados para um local chamado de o Fulcro, onde são controlados e treinados para diminuírem essas atividades e evitarem que o planeta se quebre ao meio. A esse evento que está modificando a terra, eles chamam de a Quinta Estação. Só não sabem se irão conseguir sobreviver a ela.

Essun é uma mulher de mais de trinta anos, também orogene, que um dia chega em casa e descobre que seu filho foi morto pelo seu marido, e que este fugiu com sua filha, Nassun. Ela, então, parte atrás dele, para resgatar a menina e para se vingar pela morte do menino, além de querer descobrir como viveu tantos anos com alguém se se mostrou um assassino e completo estranho. Após os eventos de A QUINTA ESTAÇÃO e O PORTÃO DO OBELISCO, Essun é a orogene mais poderosa do mundo e descobre que a Lua está se aproximando do ponto mais próximo e tem pouco tempo até ela voltar para sua órbita normal e terminar com a Quinta Estação para sempre.

Enquanto isso, Nassun está revoltada e com raiva de algumas coisas que aconteceram, e que não posso mencionar para não estragar o prazer da leitura, e decide usar o poder do Portão do Obelisco para fazer com que a Lua se aproxime ainda mais e destrua o mundo. Essun descobre as intenções da filha e parte para interceptá-la. Nesse trajeto, ficamos conhecendo várias informações sobre o passado e como a biotecnologia, combinada com a magia, atingiram seu auge com a criação do Portão.

O cerne da trilogia reside em sociedades que sobrevivem às custas da exploração de outras. Mas não apenas nisso, como também nas relações afetivas entre pessoas que precisam decidir entre quem elas amam e quem elas podem salvar. É sobre envelhecer e morrer. E o embate entre Nassun e Essun é grandioso, triste, e com o melhor trecho de ação de todos os três livros. A descrição curta, mas bem clara, de tudo o que acontece e o resultado para cada uma das personagens, mesmo estando tão bem escrito, é difícil de acreditar. E essa imediatez, essa economia nas palavras, torna tudo mais dramático, mais surpreendente.

A reunião da mãe com a filha abre o caminho para Jemisin brilhar na sua narrativa, usando três vozes diferentes para contar a história: em primeira pessoa, em segunda pessoa e em terceira pessoa. Inclusive, o último capítulo, ela transforma o leitor na pessoa que resume o que aconteceu, e conversa com uma determinada personagem, mesmo após ela estar morta, como se ela estivesse vida, explicando a essência de quem ela era e o real valor de tudo o que aconteceu. Isso cria uma carga emocional enorme e dá um valor maior ainda a uma conclusão pesada, que aperta o coração, mas que engrandece todo o que foi lido.

O CÉU DE PEDRA, somado aos dois livros anteriores, é uma obra literária notável, uma história densa, que consome emocionalmente, que tem um final devastador, mas totalmente digno de tudo o que os personagens fizeram, com passagens que dificilmente serão esquecidas pelo leitor. Faça um favor a você mesmo e leia a trilogia.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: N. K. JEMISIN
TRADUÇÃO: Aline Storto PEREIRA
EDITORA: Morro Branco
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 512


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