No início da década de 50, Ciryl Conroy, que acaba de ingressar no ramo imobiliário, compra a exuberante Casa Holandesa. Ele deixa para trás a antiga vida de dificuldades e mergulha de cabeça numa vida mais do que confortável. Seria sorte de principiante? Mais uma resenha dupla para vocês!


Após a Segunda Guerra Mundial, graças à conjugação de sorte e um investimento fortuito, Cyril Conroy entra no ramo imobiliário, criando um negócio que logo se tornará um império e levará sua família da pobreza a uma vida de opulência. Uma de suas primeiras aquisições é a Casa Holandesa, uma extravagante propriedade no subúrbio da Filadélfia.

Mas ao contrário do desejado, a propriedade não traz a felicidade sonhada, mas uma série de eventos e traições que culminam no afastamento da esposa de Cyril, que vai embora para a Índia com um propósito humanitário, e abandona os dois filhos pequenos, Danny e Maeve, com o pai. As crianças não conseguem compreender o que levou a isso, além de ficarem com um trauma emocional por acharem que a mãe não os ama.

Anos mais tarde, já adolescentes, Danny e Maeve temem pela aproximação de Andrea, uma mulher, mãe de duas meninas, Norma e Bright, que começa a namorar Cyril e que se torna figura cada vez mais constante dentro da Casa Holandesa. Cyril casa com Andrea, mesmo contra à vontade dos filhos, que mantinham uma certa esperança do retorno da mãe.

Não muito depois do casamento, Cyril sofre um ataque cardíaco e falece. A primeira coisa que Andrea faz após o funeral, é expulsar Danny e Maeve da Casa Holandesa, sem qualquer herança, uma vez que o pai havia perdido grande parte da fortuna, apenas com um fundo de estudo que garantia os estudos de Danny até que ele se formasse. Mas Danny e Maeve não se conformam com a traição e mantém uma esperança de reaver o lar que o pai construiu.

A narrativa de A CASA HOLANDESA é feita por Danny, já aos 50 anos de idade, que revê todos os acontecimentos de sua vida e da irmã desde o abandono da mãe. Ele começa pela chegada de Andrea à Casa Holandesa e molda todo o restante como consequência dessa chegada. Mas também retorna aos anos anteriores para explicar, e tentar compreender, a traição do pai com Fiona, a babá de Maeve e dele; a relação com as outras empregadas da casa, Sandy e Jocelyn; as motivações do abandono de sua mãe, de quem não se lembra; e, principalmente, a relação de extremo carinho e amor com Maeve.

Aliás, embora Danny seja o narrador, é Maeve quem detém o monopólio da história. Sua presença e determinação para proteger o irmão, é uma das construções de personagem mais lindas que já li. Com o passar das décadas, acompanhamos como a dedicação que Maeve reserva para Danny, direcionam a vida do irmão, e como essa dedicação tem um preço alto, que relega a vida de Maeve para um segundo plano. Também é emocionante como eles se mantêm fiéis, não apenas como irmãos e amigos, mas também quanto aos traumas que carregam.

Todos os anos, Danny e Maeve retornam à rua onde fica a Casa Holandesa e, dentro do carro, passam momentos apenas observando e conversando sobre o que aconteceu, sobre a forma como foram expulsos, mantendo uma esperança de reaver a morada que o pai comprou para eles. Essas passagens remetem muito ao sentimento do paraíso perdido, onde Adão e Eva são expulsos do Éden e passam a vida toda com o desejo de terem permissão para retornar ao lugar onde achavam que eram felizes. Mas essa obsessão acaba por tomar todo o tempo de vida, impedindo que eles enxerguem as chances de terem a mesma felicidade de outra forma, uma vez que não é o lugar que importa, mas o amor que um sente pelo outro.

Danny até tenta deixar a Casa Holandesa para trás, mas Maeve não. Ela era mais velha quando foram expulsos, ela tinha um sentimento de posse mais profundo que Danny, e ela não consegue deixar para trás a forma como perdeu tudo por causa da madrasta. Não apenas ela e o irmão, mas também Sandy e Jocelyn, que ocupam um lugar importante no afeto dos irmãos e nos acontecimentos que se desenrolam nas décadas seguintes. Esse é outro lado da história que comove, uma vez que as duas empregadas da casa não ocupam apenas um lugar de trabalho, mas de quase família, ainda mais que são testemunhas do que aconteceu desde antes do abandono da mãe dos meninos.

As maiores surpresas da história são reservadas para a parte final, quando a mãe retorna, da forma que retorna, e como cria uma situação, mais de 4 décadas depois, que culmina no reencontro de Danny, Maeve, Andrea e as duas filhas, dentro da Casa Holandesa. E o que encontram, é uma das partes mais tristes da história. Inclusive, é nessa parte que se explica a capa do livro, um retrato pintado de Maeve aos 10 anos de idade e que fica pendurado no centro da Casa Holandesa, onde permanece por todos os anos que a história é contada, por um motivo de encher os olhos de lágrimas.

Aliás, todo o final da história é bem forte, em parte triste, embora com desfechos inevitáveis. Ele é composto por reencontros, por superação, por perdão, por castigo, por redenção, mas para tudo, existe um preço. A relação entre Danny e Maeve é composta por um amor incondicional, e isso emociona muito, principalmente quando a vida intervém. Maeve é apaixonante, me conquistou com uma força que poucos personagens já conseguiram, e ela foi a responsável pelas lágrimas que soltei. A CASA HOLANDESA é um exemplo de como a perda de algo pode afetar nossa vida de forma irreparável, principalmente quando esse algo é um lugar, uma casa, que representa toda a felicidade que se teve, além de deter a promessa de reaver toda a felicidade que se perdeu. Um livro que vou guardar na minha estante como dos mais lindos que já li.


AUTORA: Ann PATCHETT
TRADUÇÃO: Alessandra ESTECHE
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 352


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