Aqui está um filme que chegou na Netflix em janeiro e que pode ter passado batido para muita gente, incluindo para mim. Só fui dar atenção para ele recentemente. O longa se chama O TIGRE BRANCO, adaptação de um best-seller famoso que está indicado ao Oscar na categoria de melhor roteiro adaptado. Todo o ano, eu gosto de ver todos os filmes indicados e, chegando na reta final da maratona, eu me deparo com esse filme escondido na minha lista da Netflix e que só estava me esperando para se tornar o melhor filme que eu assisti até agora em 2021. Chega mais que eu te conto tudo!

A trama se passa na exótica Índia, terra das especiarias e de uma população bilionária. Acompanhamos Balram, um jovem extremamente pobre que decide abandonar a sua vida familiar, baseada numa dolorosa servidão, para tentar a sorte sendo motorista do filho de um dos homens mais ricos e perigosos da região. Seu carisma cativante, sua boa vontade, disposição para fazer de tudo e sua ingenuidade, fazem dele uma pessoa que todos acham que pode dominar e nublar. A dura rotina ia bem até acontecer uma catástrofe, que faz o jovem Balram fortalecer um sentimento que já estava nascendo em seu coração. Para o progonista se torna natural, questionar internamente o destino de sua vida e o por quê das coisas serem como são. Será que é meu destino ser um servo? Um pseudo escravo com pouco valor? Será que um dia eu posso ser alguma outra coisa?

O assunto central do filme é entender o simples e triste sistema de divisão de classes que existe na Índia, onde a população pobre é doutrinada a aceitar a sua realidade de pobre e miserável, foi domada a digerir a sua vida difícil e tendo pouca ou quase nenhuma vontade de mudar. O protagonista começa assim, sendo explorado desde a infância por sua família, mas depois de ver o próprio pai pagar o trabalho com sua própria vida, a situação fica insustentável. Ao conseguir esse emprego de motorista para um jovem rico e sua esposa, ele ainda leva consigo aquele sentimento de acolhimento perto dos ricos. Eu, um servo, sou da família, eles me tratam bem e eu amo eles, mas não demora para os primeiros abusos acontecerem, e como ele é uma pessoa ingênua, quem vai se importar com o que ele sente?

O cerne do filme é subverter tudo o que a gente acha que sabe, mas o roteiro faz isso com classe, sem parecer jogado ou apelativo. O filme é composto por várias linhas temporais, somos guiados pelo protagonista, nos contando a sua história através de uma carta que ele está escrevendo para alguém. Ele nos conta como foi a chocante mudança que aconteceu em sua vida, que o trouxe agora para esse lugar de respeito. Ele nos conta tudo, mas é difícil imaginar como aquele personagem humilde e ingênuo deu a volta por cima, e acompanhar esse trajeto é absolutamente hipnotizante.

Diferente do famoso QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?, que era uma história real, aqui temos uma ficção que é tão palpável que você acha que realmente tudo aquilo aconteceu. O desempenho do jovem ator principal, Adarsh Gourav, é apavorante, pois ele encarna a situação em todo o seu ser, pelo olhar, postura e emoções. Aquele desempenho que é uma crescente, o personagem começa num lugar e termina em outro, mas ele não inventa nada, ele apenas desenvolve ideias que sempre estiveram dentro de si. Ele é a alma do filme, o centro de tudo e conduz com perfeição as emoções do espectador que quer compreendê-lo a todo o custo. Porque você se sujeita a isso? Isso é realmente o que você sente? São tantas questões que o personagem levanta e, consequentemente, resolve, que é possível ficar horas e horas só falando dele.

O elenco inteiro é formidável e o diretor consegue distribuir tempo para todos, apenas o necessário, nada aqui é desperdiçado. A produção ainda conta com uma trilha sonora potente e cortante, uma fotografia ágil, bruta e marcante. Além de ter uma das melhores edições do ano, o filme passa e a gente nem percebe, mesmo que estejam acontecendo muitas coisas, com diversos personagens com nomes complicados e lugares distantes, a gente nunca fica perdido. Facilmente um filme que poderia estar com múltiplas indicações ao Oscar, belo, potente e poderoso do início ao fim.

Eu disse isso acima e repito, no final nós temos uma épica jornada de descobertas e estudo. Estudo sobre todo um sistema de governo, toda uma população e todo um destino que tem tudo para ser trágico para uns, e próspero para outros. A trama é volátil e mutável, não está apenas falando da jornada do nosso protagonista. Tudo o que ela se propõe a desenvolver, ela desenvolve. Para mim, foram as melhores duas horas que eu dediquei a um filme em muito tempo. Ácido, revoltante, engraçado, reflexivo e chocante, alguns sentimentos que marcaram a minha experiência que foi assistir O TIGRE BRANCO. Disparado o melhor filme do ano para mim, pelo menos até agora, merecia vários prêmios, mas aqui em casa e no meu coração ele já levou todos. E você, já assistiu? Se interessou pela trama? Vamos conversar!


DIREÇÃO: Ramin BAHRANI
DISTRIBUIÇÃO: Netflix
DURAÇÃO: 2 horas e 5 minutos