Muito se fala sobre censura e liberdade de expressão. Ainda mais quando certos discursos são excluídos das redes sociais e da Internet pelas empresas ou por decisões judiciais. Afinal isso não seria censura? Todos podem expor seus pensamentos, sua arte, como está na constituição de qualquer país democrático. Entretanto existe uma linha que limita essa liberdade e que não pode ser considerada censura. Qual seria?

Toda manifestação, seja ela qual for, seja em forma verbal, escrita, ou artística, só é livre de ser feita desde que não oprima, ofenda ou prejudique um ou mais grupos. A liberdade de uma pessoa termina onde começa a da outra. O direito de alguém fazer ou dizer o que quiser, se mantém. E quando há essa invasão, surgem as consequências.

Em um mundo ainda tão cheio de desigualdade e injustiças, uma discussão que sempre surge, é a luta da mulher como pessoa sem restrições, sobre empoderamento, sobre igualdade de condições para com os homens. Infelizmente, em pleno 2021, o machismo estrutural ainda domina a sociedade, e seus perpetuadores se negam a reconhecer que isso precisa mudar, precisa acabar. Não porque não compreendem ou não concordam, pelo contrário. O que existe é medo de perderem a posição de macho alfa, de se sentirem inferiores, de terem que reconhecer que são iguais em pensamento e condições. A famosa fragilidade masculina, que considera qualquer fraqueza, como um defeito e uma perda da identidade. É como o fato de que aceitar determinadas situações, significa perder o “pinto”, músculo que ainda é usado como figura representativa da força masculina, mas apenas pelos próprios homens.

Um dos grupos que possui mais representantes desse pensamento limitado e fragilizado, é o leitor de quadrinhos. Durante décadas, quadrinhos de heróis eram quase uma exclusividade masculina. Garotas ficavam com novelas, livros, enquanto os garotos ficavam com os gibis. Isso até pode ser uma consequência, não apenas machista, mas devido ao cérebro masculino ser alguns anos menos desenvolvido do que o feminino. É um fato de que as garotas amadurecem mais rápido, pensam melhor mais cedo. Logo, garotas conseguem processar melhor páginas cheias de palavras, os livros, enquanto os garotos, se sentem mais confortáveis olhando figuras, quadrinhos, onde não existem assim tantas palavras e onde a compreensão é mais intuitiva e exige menos processamento cerebral.

Tá, isso não tem qualquer embasamento científico, foi apenas uma divagação minha. Mas é curioso como pode explicar muita coisa, não é mesmo? De qualquer forma, o ponto aonde quero chegar, é sobre uma iniciativa divertida que existe na Internet e que exemplifica como os quadrinhos são usados por muitos autores como objetificação feminina, como persistência do machismo, apenas como uso para a masturbação. Ela se chama a INICIATIVA HAWKEYE, que utiliza desenhos do Gavião Arqueiro nas mesmas poses das personagens femininas.

O grupo machista de leitores afirma que isso é apenas uma forma sensual de representar as personagens, que isso também acontece com os masculinos. Afinal, quase todos são desenhados com músculos desenvolvidos. Mas músculos não são sinônimos de virilidade ou sensualidade. Os heróis masculinos, apesar dos músculos, estão sempre em poses de poder, de força, de liderança, enquanto as heroínas ficam com os atributos físicos em destaque, em poses de sexualidade e de subjugação. Mulheres não se sentem atraídas por poses masculinas de poder, essas poses são direcionadas para a fragilidade masculina, que precisa de uma representação do que não conseguem exercer na vida real. Enquanto as poses femininas são direcionadas para a fantasia masculina do desejo de possuírem o sexo oposto.

Existe um post no Twitter que exemplifica perfeitamente essa diferença. Hugh Jackman aparece na capa de uma revista masculina na mesma pose que o personagem tem nos quadrinhos. Músculos em destaque, uma expressão de raiva, garras à mostra, o retrato perfeito de poder, de macho alfa. Isso não é sensualidade. Já na capa de uma revista feminina, o mesmo Hugh Jackman aparece como alguém sensível, um homem normal capaz de conseguir ter uma conversa inteligente com qualquer pessoa, ao invés de grunhir e dizer que está “cagando” para o feminismo ou as reclamações sobre objetificação. As duas capas abaixo para todos conseguirem compreender a diferença:

Como o mesmo post no Twitter diz, homens machistas querem objetos de desejo que possam comandar e receber prazer, sem preocupação com direitos, sentimentos, igualdade. Já as mulheres, e os homens que possuem um cérebro mais desenvolvido, querem pessoas. O post finaliza com uma frase perfeita: “…a personagem deve ser tratada, descrita e desenvolvida muito mais como um ser humano atraente do que como um objeto de punheta”. O artista não precisa abandonar a sensualidade dos personagens, só precisa se ater a como são os seres humanos, ao invés de criar bonecas destinadas ao prazer de leitores frustrados sexualmente.

Um exemplo de autores que usam a desculpa de liberdade artística para criar algo ofensivo e ultrapassado, pode ser visto na imagem acima, de Milo Manara. Exatamente em que momento o desenho da Mulher-Aranha que ele fez, representa algo além de pornografia, com o único intuíto de ser usado para masturbação? O desenho representa perfeitamente a imaginação do leitor masculino que vê a personagem na pose sexual e deseja ver seu orifício anal. Assim ele já deixou desenhado. Não é apenas de mau gosto, é ofensivo. E essas representações são facilmente explicadas pela psicologia como uma forma de combater a frustração sexual. Quando não se consegue obter o que se deseja, o artista busca na expressão o que consegue preencher sua falta.

Se você não consegue distinguir o que é arte do que é ofensa, se não consegue perceber que não existe diferença entre as pessoas, a não ser aquelas que seu preconceito estabelece, você só confirma o quão pobre de mente você é. Não são textos ou conversas que modificam pessoas assim, infelizmente. Elas sempre buscam qualquer justificativa que corrobora os preconceitos e o ódio que distribuem. Felizmente, esse tipo de pessoa está desaparecendo conforme as gerações evoluem. E um dia, quem sabe, não seja mais necessário ter conversas assim.