Octavia E. Butler tem sido muito bem comentada e ganhou reconhecimento no Brasil após a editora Morro Branco começar a publicar suas obras no país. A PARÁBOLA DO SEMEADOR é uma distopia que mostra uma sociedade onde o caos se instalou, e a falta de água e de comida faz com que as pessoas cometam as maiores atrocidades já imaginadas.

A primeira coisa que é preciso dizer sobre esse livro é que ele é forte em todos os sentidos. Ele é forte, pois nos mostra um futuro possível e nos faz refletir sobre a natureza humana e sobre o que temos feito com a Terra. Mas ele também é forte por nos mostrar o pior lado da humanidade, o lado desesperado, faminto e instintivo.

Há passagens no livro que são realmente difíceis. Cenas de assassinatos, violência extrema, inclusive contra crianças e bebês, estupro e as mais variadas formas de crueldade. E o pior é saber que tudo isso é perfeitamente possível, que pessoas desesperadas agem de formas animalescas.

A leitura desse livro é extremamente tensa e dolorosa. Apesar de a história em si não ter muitas surpresas e reviravoltas, sabemos que nesse cenário tudo pode acontecer. E isso faz com que o leitor se sinta sempre à beira de um abismo, aguardando o pior.

Nossa protagonista, Lauren, narra seus dias por meio de anotações em um diário. E o livro é esse diário. Acompanhamos todos os seus pensamentos, sentimentos e inseguranças. E, claro, acompanhamos o surgimento e a evolução da Semente da Terra, a religião que Lauren funda, baseada na ideia central de que Deus é mudança.

A PARÁBOLA DO SEMEADOR é o que chamamos de romance de formação, pois ele acompanha o desenvolvimento e o crescimento da protagonista em vários âmbitos. Lauren é determinada, precavida e muito sensata. Sem dúvidas, uma das personagens mais complexas que eu já conheci.

Nessa sociedade maluca e perigosa, não há espaço para romances, e a autora deixa isso bem claro ao longo do livro. Não há romance na história, o que temos são envolvimentos sexuais casuais e relacionamentos por conveniência. Tudo muito direto e condizente com a sociedade apresentada.

Tenho duas resalvas a fazer: primeiramente, eu não gosto da sinopse do livro, ela revela demais e impede que o leitor veja determinados acontecimentos por si só. Minha outra resalva é em relação ao final do livro, onde há dois extras: uma entrevista com a autora e uma sessão com questões para refletir. Ambos os conteúdos bônus são muito legais, não fosse pelo spoiler gigantesco presente na entrevista, sem nenhum aviso por parte da editora. Vale lembrar que esse é o primeiro livro de uma série. Portanto, recomendo que pulem a entrevista, o que é uma pena.

Além dessas duas ressalvas, é importante dizer que essa leitura não é para todos. A narrativa pode ser considerada lenta em alguns momentos. Felizmente, eu me envolvi muito com a história e amei o livro do começo ao fim. Em nenhum momento a história me cansou. Muito pelo contrário, eu me vi presa ao livro das primeiras até as últimas páginas.

Todos os personagens que vão surgindo ao longo do livro são incríveis e muito bem desenvolvidos. Lauren possui uma condição, chamada Síndrome da Hiperempatia, que torna a personagem ainda mais complexa e interessante. E certamente essa sua condição ainda será muito importante para o desenvolvimento da história. Há também um envolvimento amoroso no livro que é muito inusitado e que me encantou.

Toda a jornada da Lauren e sua crença inabalável na religião que ela está fundando é tocante e contagiante. Eu gostei muito de acompanhá-la. Só lendo para entender o quão única ela é. Ao longo do livro, Lauren dialóga com algumas pessoas sobre essa nova fé. Eu amei esses diálogos, parece que os personagens conseguiam perguntar a ela, as mesmas coisas que eu gostaria de perguntar.

E é claro que esse livro serve como um alerta assustador do que podemos enfrentar num futuro próximo. As previsões feitas por Butler não são, de forma alguma, impossíveis. E sabemos que pessoas desesperadas são capazes de tudo. Na verdade, muitas vezes, o livro funciona como um ensaio sobre a natureza humana, como vemos em ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, de Saramago, em que ele nos mostra até onde podem chegar as pessoas em situações extremas. Nesse sentido, o livro também me lembrou o filme A ESTRADA.

A PARÁBOLA DO SEMEADOR é um livro forte, impactante, poderoso e inesquecível. A edição da Morro Branco está impecável, como sempre. A capa tem textura emborrachada e toda a diagramação está perfeita. Uma obra-prima indispensável.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Octavia E. BUTLER, filha de um engraxate e uma empregada doméstica, a Grande Dama da Ficção Científica nasceu na Califórnia, em 1947. Aos 12 anos, assistiu ao filme “A Garota Diabólica de Marte”, que era tão ruim, mas tão ruim, que mudou completamente sua vida. Octavia decidiu que contaria histórias melhores do que aquela e assim começou sua jornada como escritora. A autora precisou lutar contra a pobreza, a dislexia e o racismo para receber um diploma universitário e foi a primeira mulher negra norte-americana a conquistar o sucesso em uma área da literatura dominada por homens: a ficção científica. Ao longo de sua carreira, foi laureada com o MacArthur Fellowship, Hugo, Nebula e Locus Awards, além de ser indicada mais de 20 vezes à prêmios. Representava em seus livros heroínas negras e explorava temas como raça, empoderamento feminino, divisão de classe, sexualidade e escravidão. Em 2010, quatro anos após sua morte, foi inserida no Hall da Fama da Ficção Científica, em Seattle. Sua obra continua tão relevante, que ainda hoje é objeto de estudo e seu trabalho e vida ganharam uma magnifica exposição na The Huntington Library, na Califórnia.
TRADUÇÃO: Carolina Caires COELHO
EDITORA: Morro Branco
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 416


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