Quando Hana nasceu, a Coreia já estava sob ocupação japonesa, e por isso a garota sempre foi considerada uma cidadã de segunda classe, com direitos renegados. Falar coreano, dizer as suas origens, tudo era proibido. A vida devia acontecer aos moldes japoneses, pois, caso contrário, o castigo era certo. Entretanto, mesmo em meio a uma situação ditatorial, o orgulho de ser uma haenyeo, assim como sua mãe, nunca abandonou Hana. Elas são mulheres do mar, que trabalham por conta própria seguindo uma tradição secular. Na Ilha de Jeju, local onde vivem, as mulheres são responsáveis pelo mergulho marinho (uma atividade que é perigosa e lucrativa, capaz de garantir o sustento de toda uma comunidade).
Quando Emi nasceu, Hana jurou que cuidaria de sua irmãzinha sete anos mais nova. E é justamente para salvar Emi de um destino assombroso que ela é capturada por Morimoto, um soldado japonês, e levada para a Manchúria, região distante localizada ao norte. A Segunda Guerra Mundial estava em curso e, assim como milhares de outras adolescentes coreanas, Hana, que tem apenas 16 anos, se torna uma “mulher de consolo”. A garota é submetida a condições desumanas em bordéis militares, tendo que escolher entre a possibilidade de rever sua família e a relutância em aceitar tal sofrimento.
Essa foi uma das leituras mais difíceis da minha vida. O cenário histórico, com locais reais, deixou tudo muito mais pesado, principalmente por saber que essa foi uma realidade na vida de muitas famílias. Embora esteja sempre atenta a leituras pesadas e não me abale facilmente com temas tenebrosos, senti falta de um imenso aviso sobre gatilhos. Pude contar seis deles: sequestro, estupro, abuso infantil, assassinato, coerção e depressão.
A história vai ser contada a partir de dois pontos de vistas: o de Hana, a adolescente enquanto sequestrada; e o de Emiko, a irmã mais nova, em sua velhice. Embora o tema difícil, a autora conseguiu construir uma narrativa fluida ao nos conduzir entre mentes diferentes envoltas no mesmo sofrimento. Consegui sentir o medo de Hana e o seu desespero em aceitar os estupros, enquanto mantinha em mente a vida que salvou, mas também senti a angústia de Emi ao tentar afastar os fantasmas de uma vida envolta em desgraças.
Embora a sinopse nos apresente apenas o pontapé inicial, que é a situação de Hana, vamos conhecer toda a história de Emi e parte das vidas de seus familiares. Enquanto Hana nos conta seus dias em ordem cronológica, Emi vai voltando ao passado gradativamente, desenterrando memórias à medida em que corre atrás do seu objetivo de vida.
Entretanto, mesmo com uma aura tão pesada, temos momentos de contemplação. A autora nos descreve cenários, interações humanas, momentos de união (principalmente entre as mulheres)… Migalhas de felicidade em meio a tanto sofrimento, exatamente o que as vítimas da guerra vivenciaram. Me emocionei por diversas vezes, é tudo tão rico em detalhes que fica impossível não se sensibilizar.
A evolução das personagens é uma coisa admirável, conseguimos perceber perfeitamente no que suas vidas as transformaram. Hana, a adolescente que cresceu sabendo dos males do mundo, supera as expectativas e se torna ainda mais forte, após ser forçada a levar uma vida desumana. Emi, uma criança que viu sua família se desfazendo, se transforma numa mulher madura, persistente e muito, muito perspicaz.
Acho que a mensagem a ser passada no fim de tudo vai além da retratação de um fato histórico (muito pouco comentado, por sinal): a esperança move montanhas, os laços nos tornam mais fortes. E, em tempos extremos, a empatia salva vidas.
Ao fim do livro temos uma linha do tempo listando todos os acontecimentos históricos envolvendo a Coreia. Recomendo a todos que tenham conhecimento dessa parte antes e durante a leitura para ter um conhecimento mais amplo de tudo o que acontecia no momento. No início do livro temos dois mapas, então, unindo as duas informações (e um pouco de Google Imagens), garanto que a experiência será completa. É uma leitura que recomendo a todos, afinal conhecer a história é essencial. E, em se tratando de momentos tão sombrios, devemos saber os mínimos detalhes para termos noção da capacidade humana.
AUTORA: Mary Lynn BRACHT
TRADUÇÃO: Julia de SOUZA
EDITORA: Paralela
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 366
COMPRAR: Amazon
Desde que esse livro saiu na Tag, me bateu uma vontade de ler. Depois de sua resenha, senti que preciso ainda mais lê-lo , porque é uma história real é importante demais conhecer
Só esteja ciente dos gatilhos. De resto, vai fundo <3
Caramba, que resenha intensa! Acho que é essencial em todos os livros que temas assim sejam mostrados antes da leitura, sabe? Não é qualquer um que lida bem com isso. Confesso que não tenho certeza se encararia, parece bastante triste e como você falou, a gente consegue sentir o que a personagem vive. Ao mesmo tempo, livros assim fazem a gente pensar muito sobre determinados temas, sobre alguns acontecimentos históricos, ou o que quer que seja tratado.
Obrigada pela fidelidade na resenha, até mais!
Esse tipo de livro é uma faca de dois gumes: causa desconforto, nos faz chorar, nos deixa com o coração na mão… Mas, ao mesmo tempo, nos ensina parte da história e nos mostra a realidade da vida.
Herdeiras de lutas! Puxa, eu ainda não tinha visto este livro antes e confesso que chego ao fim da resenha com o coração feliz e triste ao mesmo tempo.
Elas não só tiveram que aprender a sobreviver com todas as mudanças dessa fase da história e oh, realmente é um assunto tão denso, que provocou dor e tão pouco comentado até hoje.
Já preciso deste livro em mãos!
Beijo
Espero que, embora o peso, goste da leitura <3
Bianca!
Fiquei encantada com todo contexto histórico e mesmo que o livro traga gatilhos para muitos assuntos delicados, poder aprender um pouco mais sobre a vida dessas mulheres naquela época, saber tudo que passaram e possivelmente em como ficaram depois, é uma experiência única.
cheirinhos
Rudy
É exatamente esse o “x” da questão. Embora todo o sofrimento, a grande aula que esse livro nos dá faz valer cada página.
Que livro!!!
Lindo tocante emocionante e cheio de reflexões
Exatamente!
Oii
Esse livro me lembra um filme que vi tem algum tempo.
Adorei a história, gosto quando os livros passam durante a Segunda Guerra Mundial, mas fora da Alemanha, é ai que vemos como foi no mundo inteiro e como várias e várias pessoas foram afetadas. Ainda mais países asiáticos!
Com toda certeza um livro que deve nos fazer chorar e refletir bastante.
Beijos!
Focam tanto na Alemanha durante a 2GM que esquecem de citar o resto do mundo. A Coreia foi um dos países que mais sofreu, mas ninguém cita isso :/
A premissa do livro é interessante, mas é tão triste e pesado. Parece ser mesmo uma leitura difícil! Não sei se eu leria, é gatilho demais da conta, tudo vindo a tona “de uma vez só”. Acho que vou mudar minhas definições de “leitura pesada” quando falo que gosto de livros desse tipo haha normalmente é sobre um gatilho só, 6 já estou espantada. Os ensinamentos que você tirou do livro são bem bonitos, sobre empatia e esperança.
Beijos
É bem difícil mesmo. É uma leitura que recomendo demais, mas em doses homeopáticas, intercalando com leituras leves e, sempre que possível, enxergando o lado bom de tudo, exatamente como as personagens fazem.
Olá! É aquele tipo de livro que mesmo sabendo que a leitura vai nos destruir a gente quer ler! Ainda mais em se tratando de um período da nossa história que tanto aguça minha curiosidade, fiquei surpresa pela história focar na Coréia/Japão, por isso, espero fazer a leitura em breve e já preparada para esses temas fortes!
Indo preparada, garanto que a leitura vai ser muito didática.
Gente mas que história…
Tenho visto um aumento de livros sobre a Coreia durante a guerra (e depois a guerra civil), e tenho me encantado por isso, as escritas geralmente são de mulheres/homens que viveram o período, ou até mesmo filhos/netos dos protagonistas, e a riqueza de detalhes é ensurdecedor, do tipo que a gente não aprende nas escolas/universidades, o que tenho certeza que ocorre nesse livro. Quer dizer, a gente sabe que o Japão cometeu atrocidades na Coreia mas, como os livros sobre a época do nazismo, o Ocidente ainda está descobrindo mais e mais sobre isso.
Acho que nunca deixarão de existir descobertas sobre esse período. Foi muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, o mundo inteiro agindo da forma que achava mais conveniente pra se resguardar e sobreviver. Acho que nem nas melhores escolas particulares ensinam sobre esse embate JapãoXCoreia, é muito detalhe macabro pra se explicar pra um adolescente.
Oi, Bianca
O livro dá uma aula e tanto de história, não tinha noção do quanto essa dominação do Japão sobre a Coréia foi tão devastadora.
Ser mulher de consolo, vai a m…. Uma leitura difícil e que fascina ao mesmo tempo mostrando como foi a vida das irmãs Hana e Emi. O que cada uma sofreu por causa da guerra.
Vai para a lista de desejos, beijos.
Oi, Bianca
Gostei muito da sua resenha.
Fiquei com vontade de ler, mas esses gatilhos todos me fariam mal.
Como a Hana sofreu! Meu Deus! Um horror.
É sempre importante lermos sobre outras culturas, mesmo as mais tristes e de governos ditatoriais, mas é muito forte.
Vou anotar e quem sabe tomo coragem e leio um dia.
Bjs