Para quem não sabe, Robert Galbraith é o pseudônimo de J.K. Rowling, a autora dos livros de Harry Potter, que para quem também não sabe, não é o nome de nascença da autora, que se chama Joanne Rowling. A letra “K” foi inserida em homenagem à avó, uma sugestão dada pelo editor do primeiro livro de Rowling, que achava que ficaria mais masculino, ele considerava que a maioria das pessoas não iria querer ler histórias de um menino bruxo escritas por uma mulher.

Rowling escolheu Robert como o nome de seu pseudônimo, porque é um dos nomes que ela mais gosta, porque Robert F. Kennedy é seu herói, e também porque ela ainda não havia usado esse nome em seus livros de Harry Potter. Já Galbraith vem de uma fantasia de infância, quando ela sonhava se chamar Ella Galbraith, sem qualquer motivo que se lembre, apenas achava bonito.

Pouco tempo após lançar O CHAMADO DO CUCO, seu pseudônimo foi denunciado pela amiga de um dos advogados de Rowling. Isso a pegou de surpresa, porque ela desejava permanecer anônima para escrever histórias policiais, cuja venda seria baseada na qualidade do que escrevia e não na fama de seu nome, sem qualquer expectativa ou cobranças.

Cormoran Strike é um detetive de Londres, tem 45 anos, perdeu metade da perna direita em um ataque, quando era soldado do exército britânico na guerra do Afeganistão, e agora usa uma protética. Ele é descrito como um homem parrudo, enorme, de barba, peludo. Filho de um astro de rock, que sempre o ignorou como filho, e de uma groupie, termo em inglês que caracteriza jovens mulheres admiradoras de cantores, seguindo-os em viagens e em busca de algum envolvimento emocional ou sexual, que foi assassinada através de uma injeção de drogas, causando uma overdose. Ele acaba de se separar de Charlotte, uma mulher linda, mas que mantinha com ele um relacionamento tempestuoso, o que aprofunda sua crise existencial, além dos traumas da guerra e a dificuldade em se manter financeiramente.

Essas informações são passadas durante a narrativa, e demonstram como Rowling teve cuidado em criar um personagem principal multidimensional, profundo, cheio de cicatrizes físicas e psicológicas. Entretanto, ele não demonstra qualquer indício de perda da sanidade, ou rompantes emocionais, pelo contrário. Ele é uma rocha que parece inquebrável, ao mesmo tempo que mantém uma simpatia e um cuidado excepcional no trato com as pessoas. Mais do que isso, ele é dono de uma paciência que parece não ter limites, apesar de ter todos os motivos para não possuir essa qualidade.

Esse trato com o personagem demonstra a experiência de Rowling pelos anos em que se dedicou a Harry Potter, e foi a principal pista para se suspeitar de que Robert Galbraith era o pseudônimo de algum autor famoso. Um iniciante, normalmente, não possui essa segurança na escrita. Mesmo assim, e apesar disso, nota-se em diversos trechos que existe uma inexperiência no desenvolvimento de ações e reações de um detetive. Alguns diálogos são expositivos e forçados, exagerados, e o mistério em si não é nada de surpreendente, é até bem previsível.

Lula Landry é uma modelo famosa, apelidada de Cuco por alguns, que cai da sacada do terceiro andar de seu apartamento. A investigação da polícia atesta que foi suicídio. Entretanto, o irmão da modelo, John Bristow, discorda, ele acha que ela foi assassinada, empurrada para a morte, e procura Cormoran, que era o amigo de infância de seu irmão adotivo, que morreu ainda criança, quando caiu de um desfiladeiro enquanto brincava, para descobrir a verdade sobre Lula. É nesse ponto que a história começa, e é nesse ponto que entra Robin, uma das personagens mais carismáticas e apaixonantes que tive o prazer de acompanhar em um livro.

Robin largou a faculdade, está noiva de Matthew, e é funcionária de uma agência de trabalhos temporários. Ela é enviada ao escritório de Cormoran para ser sua secretária durante uma semana. Depois desse período, ela seria enviada para outra empresa. Nesse ínterim, ela procura por algo mais definitivo e rentoso. Entretanto, ela sempre sonhou com o trabalho policial, por isso mesmo ela havia tentado se formar em psicologia, não para trabalhar em um departamento de Recursos Humanos, mas para, no futuro, ingressar na Scotland Yard. Ela fica surpresa e feliz ao chegar no endereço de Cormoran e descobrir que seu trabalho temporário é em uma agência de detetives.

Ela se mostra eficiente, inteligente, perspicaz, e Cormoran sabe que alguém tão capaz jamais ficaria com ele por um salário tão baixo quanto o que ele paga. É muito prazeroso acompanhar a formação de amizade dos dois, ao mesmo tempo em que Cormoran sente pesar por ter Robin ao seu lado por um período tão curto de tempo. Ainda mais quando ela consegue uma entrevista de emprego em uma grande empresa, e consegue a vaga. Cormoran não tem como segurá-la, não tem o que oferecer, e ele nem tenta, porque sabe que não seria bom para Robin, que ela tem capacidade para algo muito melhor. Mas Robin não está interessada no sucesso, ela nunca se sentiu tão realizada e feliz como nos dias em que fica ao lado de Cormoran investigando a morte de Lula. E isso é mais importante para Robin do que um emprego que paga bem em uma grande empresa. É o sonho dela.

A personagem conquista pelo seu entusiasmo, pelos diálogos empoderados, que são confiantes e inseguros ao mesmo tempo, por suas tentativas de se mostrar capaz como detetive, mesmo quando fica óbvio sua falta de experiência. Cormoran também sabe que ela é inexperiente, e as partes em que ele demonstra um cuidado maior, uma preocupação maior, por Robin, não apenas por sua segurança, mas por seu futuro, conquistam o leitor de imediato.

Mas Robin não é apenas uma entusiasta, alguém ansioso por se tornar uma detetive. É com Robin que se percebe o cuidado e a competência de Rowling com seus personagens. Robin tem um passado nebuloso, existem informações que ficam ocultas, apenas insinuadas durante a trama, mas sem qualquer pista. E existe o noivado dela com Matthew. Ele é ciumento, egoísta, e fica claro que Robin está envolvida em um relacionamento abusivo. Apesar de sua inteligência, devido a esse passado nebuloso, ela se sente emocionalmente dependente de Matthew, e ele se aproveita dessa fragilidade para controlar Robin. Ele diminui sua competência, ele coloca dúvidas em sua cabeça, ele faz chantagem emocional, ele é um abusador disfarçado de bom rapaz.

Neste primeiro livro, o relacionamento dos dois é apenas apresentado, sem muitos detalhes, apenas o suficiente para que o leitor compreenda que Robin precisa mais de ajuda dentro de casa do que fora dela. Que uma mulher, mesmo segura de si, pode ser envolta em algo abusivo e não se dar conta disso. Um assunto desses ser inserido de forma tão orgânica, tão natural, no meio de uma trama policial, é algo que só alguém com muita competência consegueria realizar.

O CHAMADO DO CUCO possui um mistério pouco surpreendente, fácil de ser resolvido, mas isso até é compreensível e inteligente por parte de Rowling. Ela não quis dar um passo maior do que conseguiria, em um gênero que é novo para ela, então resolveu apostar no seguro, em algo simples, difícil de ter muitos furos e gerar críticas negativas. Entretanto, ela criou dois personagens apaixonantes, lotados de profundidade, inseridos em temas importantes e sensíveis, como traumas pós-guerra, abandono, abuso, e outros que são apresentados nos livros seguintes, sem pressa, com muito cuidado e capricho.

Acompanhem as resenhas dos próximos livros da série que irão sair esta semana. Hoje, O CHAMADO DO CUCO; amanhã, O BICHO DA SEDA; quinta-feira, VOCAÇÃO PARA O MAL; na sexta-feira, uma pausa para falar da série britânica baseada nos livros, STRIKE; e no sábado, a resenha de BRANCO LETAL, além do sorteio de todos os quatro livros. Imperdível!


AVALIAÇAO:


AUTORA: Robert GALBRAITH é o pseudônimo da escritora J.K. Rowling, autora de Morte súbita, O Chamado do Cuco e da série Harry Potter. A escritora britânica nasceu na cidade de Yate, nas proximidades de Bristol, na Inglaterra, em 31 de julho de 1965. Ela se tornaria célebre pela criação do bruxinho Harry Potter, que lhe renderia sete volumes de uma série premiada e aceita quase unanimemente pela crítica e pelo público.
TRADUÇAO: Ryta VINAGRE
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇAO: 2013
PÁGINAS: 448


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