Eu gosto de escrever desde que me entendo por gente. O ser gente mulher chegou cedo para mim, um despertar precoce para as dores e as alegrias da existência. Mas assumir que gosto de escrever foi um processo mais lento, como se a escrita precisasse esperar sua vez, se insinuando até ocupar o espaço inteiro. Hoje, estou dominada por uma vontade incontrolável de escrever. Meus pensamentos, sempre barulhentos, transbordam, brigando por espaço para fora de mim. Por isso escrevo. E escrever me alivia, mas também me espanta. E, por mais que tente fugir, sempre volto às palavras. Como escapar de algo que é, ao mesmo tempo, refúgio e confronto?

A escrita sempre foi o meu lance. Abandonei-a por um tempo e cheguei até a escrever dramaticamente sobre destruir, metaforicamente, tudo o que já havia produzido. Mas não consegui fugir completamente. Hoje, escrevo para mim, sem a intenção de agradar ou convencer. Não espero persuadir ninguém. Quero apenas registrar o que me toca. Porque há algo profundamente libertador em transformar pensamentos em palavras, em transmutar caos em narrativa.

E, nesse fluxo de palavras, quero falar de algo que parece pequeno, mas carrega um peso imenso: a moralidade questionável de alguns homens diante das leituras de romances eróticos feitas por mulheres. Esses livros, frequentemente descartados como “lixo” ou “futilidade”, incomodam. Mas quem decide o que é digno de ser lido?

No que acredito ser o auge da maturidade que meus vinte e três anos me permitem atingir nesse momento da minha vida, creio que o problema não é o conteúdo em si, mas quem está no centro da narrativa. Quando as mulheres se colocam como protagonistas, donas de seus desejos e histórias, isso desconcerta. E aí essa desconexão vem disfarçada de crítica intelectual ou moralidade. Homens têm medo de perder o controle da narrativa — e perdem. Aí está a graça.

Romances eróticos são muitas vezes rotulados como “pornografia disfarçada”. Não é o sexo que assusta, é o sexo feminino explorado por uma perspectiva feminina. Um sistema acostumado a ver as mulheres como coadjuvantes se assusta quando nos tornamos protagonistas. E a literatura erótica, quando bem feita, desconstrói essas dinâmicas. Embora nem toda crítica a esses gêneros seja fruto de misoginia, a maioria não se refere a técnica ou estética da obra. Elas são sobre poder. Quando essas histórias subvertem o papel da submissão feminina, provocam raiva. Um descontentamento que revela mais sobre o leitor indignado do que sobre as histórias que ele critica.

Conceição Evaristo disse que escrever é um ato político, e ela está certa. A literatura erótica desafia séculos de patriarcado ao colocar as mulheres no centro. Críticas, que parecem técnicas, na verdade, expressam desconforto em lidar com histórias que rompem a submissão esperada. Homens que comparam romances eróticos à pornografia não compreendem nem uma, nem outra. A pornografia reforça narrativas de dominação masculina e objetificação feminina. Mas o que é novo — e incômodo para muitos — é a crescente aceitação de narrativas eróticas que colocam as mulheres no centro, como agentes de sua liberdade. Então, a literatura erótica não se resume somente ao entretenimento — como também pode ser apenas isso; é um campo de reflexão, que expõe os valores e tensões de uma sociedade.

Nem todas as críticas vêm de misoginia explícita. Algumas refletem apenas a dificuldade de aceitar uma mudança de paradigmas. Como bem observou um filósofo aí, não há verdades absolutas. O conhecimento é um processo em constante evolução, assim como nossa relação com essas narrativas. Julgar o que é ou não literatura de qualidade é um hábito tão ultrapassado quanto esses comentários. A velha ideia de que ler Dostoiévski é “elevado” enquanto ler Julia Quinn é “fútil” não se sustenta. Literatura é expressão, não hierarquia. Para alguns cientistas, o valor do conhecimento está nos efeitos que ele produz. A literatura erótica é uma forma de conhecimento: desvela, desafia e, por vezes, liberta.

Lembro-me de Andrea Dworkin, que via a pornografia como uma ferramenta de controle político. Suas palavras ressoam aqui, não para dizer que a literatura erótica é o oposto da pornografia, mas para mostrar como ambos podem ser usados para controlar ou libertar. A diferença? Quem segura a caneta.

Um teórico aponta que nas sociedades ocidentais há uma constante tentativa de controlar e redistribuir discursos. Não há imparcialidade na própria subjetividade. A pornografia reforça dinâmicas opressoras; a literatura erótica pode desconstruí-las, funcionando como campo de reflexão sobre os valores e tensões da sociedade. Ou seja, não é o sexo o tabu, mas o sexo feminino explorado fora da aprovação masculina. A literatura erótica desafia o patriarcado porque coloca as mulheres no centro. Ela rompe com a ideia de que nossas histórias precisam de validação externa. E é exatamente por isso que incomoda.

Isso é um vício nocivo”, dizem (ou como me sugeriram, “Procurar um padre, pastor ou rabino”). Mas sabemos que um sistema que consome e descarta corpos femininos nunca esteve preocupado com o bem-estar das mulheres.

E, se o que escrevo incomoda, talvez seja porque estamos tocando em algo mais profundo e, por isso, mais doloroso: a perda do controle sobre as histórias e narrativas das mulheres. O erótico na literatura desafia os limites normativos. Vai além de mostrar corpos e desejos de maneira explícita. Ele subverte tabus. E é por isso que atrai censura. Sempre foi assim, especialmente em contextos onde o controle moral tenta reinar. E eu sei que a luta pela liberdade literária e sexual não deve ser uma disputa entre os sexos. Deve ser uma construção coletiva. Quando o discurso se divide e polariza, perdemos a chance de um diálogo genuíno. Mas, sinceramente? Não tenho vergonha de não me sentir compadecida por “alguns homens” que se refugiam em suas próprias frustrações. Creio que uma parte de crescer significa isso: libertar-se das pequenas expectativas de quem espera nossa subordinação.

O erótico literário, esse terreno entre o escândalo e a arte, sempre esteve à beira do risco. É um lugar desconfortável para quem quer rotular tudo em categorias fáceis. E agora, com uma certa ousadia, deixo um pensamento divertido que sempre ocorre quando vejo comentários de inferiorização sobre livros eróticos. Quando se estuda o significado das palavras em uma sociedade, percebe-se que as palavras apenas representam os objetos que representam, e significam as qualidades que significam, porque vão determinar, na mente do ouvinte, signos correspondentes. Se você visualiza aquela obra como pornografia, é porque esse significado existe na sua cabeça. Então, o problema não é a obra.

A comercialização desses livros, sua aceitação e o crescente debate sobre eles mostram que as mulheres estão, finalmente, explorando e discutindo o desejo, o prazer e a liberdade na literatura com uma intensidade nunca antes vista. Mas, como toda história, essa também tem suas complexidades. Algumas dessas narrativas ainda trazem ecos de um controle masculino, como se a experiência feminina não pudesse existir sem se submeter a essas dinâmicas antigas, mesmo que disfarçadas de libertação. A teoria, como disse Simone de Beauvoir, nos libertaria, mas a realidade ainda nos engole.

Precisamos de narrativas mais inclusivas, mais diversas. Histórias que falem de liberdade sexual sem cair nos velhos padrões de dominação e submissão. Um conhecido filósofo, em sua célebre alegoria da caverna, nos lembra que a realidade que conhecemos é moldada pelas sombras que projetamos. Essas narrativas projetam sombras que revelam muito sobre controle, desejo e liberdade. Se o incômodo não está na literatura, está na perda de controle. E que bom. Que bom que estamos perdendo o medo de escrever para nós, de ler para nós, de existir para nós. Porque, no fim, o ato de escrever não é apenas libertador. É uma declaração de existência. E existir, neste mundo, já é o maior dos atos de coragem.

E para encerrar, um esclarecimento proposital: você talvez tenha notado a ausência de nomes masculinos citados explicitamente neste texto. Não se preocupe, isso não é um deslize. É uma escolha. Afinal, se há algo que esses críticos prezam tanto — ou fingem prezar — é o conteúdo dito “intelectual”. Certamente, quem valoriza de verdade saberá identificar as referências sem grandes muletas de explicação.