Em A EMPREGADA, todos os dias, Millie limpa a casa de Nina e Andrew Winchester de cima a baixo. Pega a filha deles na escola. Ela prepara refeições deliciosas para a família toda antes de poder se recolher e enfim comer o próprio jantar, sozinha em seu quarto minúsculo e claustrofóbico no sótão.

Quando Nina passa a sujar todos os cômodos de propósito só para assisti-la limpar, Millie tenta não perder a cabeça. Quando ela conta mentiras perturbadoras sobre a própria filha e tortura psicologicamente o marido, que parece mais e mais fragilizado, Millie tenta ignorar. Afinal, com seu passado problemático, ela tem mais é que agradecer por ter conseguido esse emprego.

No entanto, ao olhar bem dentro dos lindos e doces olhos de Andrew e ver o sofrimento contido neles, Millie não consegue deixar de imaginar como seria ter a vida de Nina. O closet cheio de roupas, o carro elegante, o marido perfeito. Logo os Winchesters vão descobrir que não fazem a menor ideia de quem Millie é de verdade. Nem do que ela é capaz de fazer…

Já em O SEGREDO DA EMPREGADA, achar alguém que não faça mil perguntas sobre a vida – e o passado – de uma candidata a empregada costuma ser praticamente impossível. Por isso Millie mal consegue acreditar quando Douglas Garrick a contrata. O plano dela é trabalhar na casa da família por um período curto, de preferência sem atrair nenhuma atenção, até alcançar seu objetivo maior.

Só que, enquanto ela passa os dias limpando a cobertura deslumbrante e preparando pratos requintados para o casal, a Sra. Garrick nunca sai do quarto. Na verdade, as duas não foram sequer apresentadas. E Millie tem certeza de que já a ouviu chorando.

Certo dia, ao colocar a roupa para lavar, ela vê manchas de sangue na camisola da mulher. Não é a primeira vez, e Millie decide descobrir o que está acontecendo. Quando finalmente consegue entrar no quarto, o que vê lá dentro muda todos os seus planos. Alguém precisa pagar. E o preço depende unicamente do que Millie está disposta a fazer.

Depois de devorar o primeiro livro, percebi que seria um desafio cravar um único gênero para A EMPREGADA. A trama se entrelaça entre romance, drama, suspense, thriller policial e mistério, com um toque sutil de terror. A protagonista, Millie, encara uma jornada de crescimento tanto psicológico quanto profissional, guarda segredos sombrios, é curiosa e audaciosa, equilibrando-se entre a moral dúbia, a sede por justiça e o anseio por vingança. Aí você pensa: “Nossa, que salada de gêneros! Será que não fica tudo muito confuso ou forçado?”. Que nada! A autora tem o dom de mesclar todos esses elementos de forma magistral, entregando uma narrativa envolvente que gruda a gente na história até o ponto final. Eu mesmo não consegui largar o livro até terminar.

O talento da autora vai além de apenas misturar diferentes gêneros literários. Ela brilha, talvez ainda mais, na forma como criou Millie. Essa personagem é a voz de muitas coisas que, no fundo, temos vontade de fazer, mas frequentemente nos falta coragem para seguir em frente. Isso vai desde esconder um algo do passado, tornando-o maior na nossa cabeça do que realmente é, até dar aquela espiadinha nas coisas pessoais da patroa movidas pela curiosidade. Ou então, ficar ouvindo uma discussão escondida porque a ansiedade ou a curiosidade falam mais alto, meter o nariz onde não fomos chamadas ou tomar uma atitude diante de uma injustiça, defendendo alguém mesmo sabendo que podemos perder o emprego por isso. Millie é assim, ela segue seus instintos, age com determinação, e nem sempre isso é visto com bons olhos, mesmo que, no fundo, seja algo que todos admiramos ou desejamos.

Em muitos livros de suspense que trazem reviravoltas, é comum que o autor oculte certos detalhes para manter o mistério e surpreender o leitor. Às vezes, isso é feito de maneira habilidosa, enquanto em outras, pode parecer um pouco enganoso, como descrever as ações de um personagem e, no final, revelar atos que ele realizou mas que foram propositalmente escondidos pelo autor. Em A EMPREGADA, a autora adota uma abordagem diferente, inteligente e que demonstra respeito pelo leitor.

A narrativa é em primeira pessoa, mas não é sempre a mesma personagem que conta a história. Na primeira metade do livro, quem narra é Millie, então tanto ela quanto o leitor têm uma visão limitada do que está acontecendo, encarando uma realidade que parece bastante peculiar. Millie começa a suspeitar que há algo de estranho na casa dos Winchester, sensação compartilhada pelo leitor. Todas as pistas apontam para uma única explicação possível, até que um evento chave encerra a primeira parte. Na segunda metade, a perspectiva muda para outro personagem que assume a narração, oferecendo um novo ponto de vista sobre os eventos já descritos. Assim, o leitor tem a chance de entender o que estava acontecendo por trás das cenas, sem o conhecimento de Millie e do próprio leitor anteriormente. Com essa estratégia, a autora consegue criar várias reviravoltas surpreendentes de forma honesta e respeitosa.

E se tem algo que existe em A EMPREGADA, são surpresas e reviravoltas, todas descobertas através da troca das personagens que narram. Em certas partes, é tudo muito parecido com novelas, com aquelas cenas chaves ao final de capítulos e a expressão dos atores de surpresa, da mesma maneira que devem ficar os leitores. E isso é delicioso de acompanhar.

Os personagens secundários desempenham exatamente o papel que se espera deles: oferecem suporte à jornada de Millie e contribuem para as reviravoltas da trama. Eles não são o foco principal, mas ajudam a destacar a evolução de Millie, de uma figura passiva para alguém disposto a fazer qualquer coisa, seja por vingança ou para salvar uma vida em risco. No entanto, merece destaque um personagem em particular, Enzo, o jardineiro que trabalha para os Winchester. Ele tem um papel significativo e merece menção porque se torna uma figura recorrente no segundo livro. Enzo é um suporte para Millie, de maneira um tanto ambígua, e acaba se tornando seu aliado de forma surpreendente.

Eu acho que O SEGREDO DA EMPREGADA, o segundo livro, é tão cativante quanto o primeiro livro, apesar de não ser tão cheio de surpresas. E isso não tira o brilho da história, mas acontece porque já estamos familiarizados com Millie e temos uma ideia de para onde a trama está caminhando. Diferente do primeiro livro, em que somos pegos de surpresa no final da primeira parte, aqui já entramos sabendo que algo vai mudar, que uma reviravolta está a caminho. O desafio se torna tentar descobrir o que é, quem está mentindo e quem é o verdadeiro vilão entre os personagens secundários. E o livro não decepciona, porque mesmo que a surpresa seja mais esperada, essa expectativa só aumenta a ansiedade pelo grande momento.

O passado de Millie não é completamente revelado no primeiro livro, e neste segundo, mergulhamos um pouco mais nos segredos que ela guarda. A revelação pode não ser totalmente inesperada, especialmente considerando o quanto ela lutou por justiça em A EMPREGADA. Enzo retorna, desempenhando um papel crucial no apoio às decisões de Millie, fazendo dela uma figura reminiscente de outros personagens icônicos da justiça, como Denzel Washington em O PROTETOR. Dessa forma, a autora firma Millie como uma personagem reconhecida pela justiça que ela busca e começa a ser uma referência para pessoas que enfrentam algum tipo de abuso.

Não vejo como um exagero ou uma guinada na trama, de uma história mais introspectiva para algo cheio de ação e aventura. Desde as primeiras páginas do primeiro livro, com o passado enigmático de Millie, fica bastante claro o caminho que a personagem está trilhando. Sua jornada se desenvolve nessa direção à medida que ela age contra aqueles que cometem abusos ou violência. Portanto, é natural que ela comece a ser reconhecida por aqueles que precisam de ajuda, através de comentários, insinuações e recomendações entre pessoas que sofrem violência e não encontram solução nos canais oficiais, como a polícia.

A EMPREGADA e O SEGREDO DA EMPREGADA são livros incríveis, com uma leitura fluida e cativante, que nos deixam ansiosos e cheios de expectativas, perfeitos para serem devorados de uma só vez. É como assistir a um filme de ação, em que você fica grudado na cadeira, torcendo pelo protagonista e aguardando ansiosamente pelo grande confronto final. E, mesmo que O SEGREDO DA EMPREGADA traga momentos previsíveis por conta dos acontecimentos do primeiro livro, admito que o desfecho consegue ser ainda mais surpreendente e criativo. Prepare-se para ótimos momentos de entretenimento.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Freida McFadden
TRADUÇÃO: Roberta Clapp
EDITORA: Arqueiro
PUBLICAÇÃO: 2023 e 2024
PÁGINAS: 304 e 288
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