Em CURSED – A LENDA DO LAGO, vamos acompanhar Nimue, uma jovem adolescente que possui ligação com uma magia maléfica que a faz ser vista como pária em seu vilarejo druídico. Embora sua mãe aconselhe que ela abrace e entenda esse poder, Nimue só deseja fugir. Entretanto a garota vê sua vida virar do avesso quando o vilarejo é massacrado pelos Paladinos Vermelhos, um grupo religioso radical e intolerante com aqueles que consideram hereges. Encarregada por sua mãe no leito de morte de entregar uma antiga espada a um lendário feiticeiro, ela agora é a única esperança do povo feérico. Embora não haja tempo para pensar em vingança, o poder que emana da espada sugere o contrário. É nesse contexto catastrófico que Nimue se une a um mercenário chamado Arthur e a refugiados feéricos de toda a Inglaterra, portando a espada designada para o único e verdadeiro rei (ou rainha), para enfrentar os Paladinos Vermelhos e o exército de um monarca corrupto.

Deixo aqui registrado que essa resenha pode conter pequenos spoilers devido à grande irritação de ter perdido um precioso tempo de vida. Se cortássemos as cenas onde Nimue foi desnecessária, os diálogos desinteressantes e as cenas de romance forçado, teríamos uma pequena fábula.

CURSED tem tudo para ser um reconto feminista e empoderado da história do Rei Arthur, do mago Merlin e da Excalibur, a poderosa espada do poder. Só que a realidade é bem diferente. O que me chamou a atenção para essa leitura foi exatamente a mesma coisa que me decepcionou: a protagonista.

Nimue é uma adolescente irritante, repetitiva e totalmente sem sal. A criança se agarra à espada como um bebê se agarra à sua chupeta. É debaixo do discurso “eu sou a única esperança do meu povo” que ela protagoniza as cenas mais estúpidas e infantis do enredo. Gostaria de ter a autoestima dessa garota. Ela só recebeu a tarefa de entregar a espada do poder para o seu verdadeiro dono e, de repente, acha que precisa exterminar um exército inteiro.

Resolvi então, logo nos primeiros capítulos, ignorar a personagem e focar no restante: na história em si e nas típicas descrições dos cenários de livros de fantasia. Bem… A decepção foi dupla. O autor parece ter preguiça de descrever o universo que cria, resumindo tudo a um único parágrafo e jogando o leitor num imenso vazio. Sou a favor de termos a liberdade de imaginar detalhes à nossa maneira, mas nossa, é preciso uma base para isso. Cenas de luta e o tão esperado embate entre Paladinos e feéricos se tornaram tediosos. O livro acaba sendo mais sobre os pensamentos de uma adolescente que precisa de terapia do que sobre um embate histórico de proporções grandiosas.

Thomas Wheeler parece ter um problema com a criação de personagens. Seus nomes são difíceis de serem associados, o que, embora seja esperado para um livro de fantasia, é totalmente inaceitável quando associado ao fato de que os mesmos personagens desaparecem na trama e ressurgem capítulos depois. Me senti perdida em vários momentos, tendo que pausar a leitura para rebuscar na memória quem era aquele tal mencionado no meio de um embate. Para aqueles que desejam realizar essa leitura, recomendo que a façam com um bloco de notas ao lado.

Ainda falando sobre os personagens, eles são inseridos no enredo até o último segundo. Isso parece ter acontecido para que houvesse um gancho para um próximo livro, o que achei completamente desnecessário, já que no momento em que escrevo essa resenha já me esqueci de seus nomes.

Para auxiliar na ausência de descrições, ilustrações do artista Frank Miller foram inseridas à edição. As ilustrações são belíssimas e possuem traços grosseiros, passando a mensagem que a obra em si falhou em transmitir. Só que a edição pecou no momento de inserir essas artes, em muitos momentos uma cena de duas páginas acaba sumindo em meio à costura do livro, tornando o entendimento muito difícil.

O tal mago, personagem que Nimue busca o livro inteiro, acaba sendo esquecido no churrasco. Sua história é contada superficialmente e, depois que uma certa ocasião é contada, ele é jogado totalmente para um milésimo plano e faz aparições toscas. Vamos relembrar que um mago possui centenas de anos e, portanto, muita sabedoria para solucionar questões políticas. Wheeler ignorou totalmente esse pequeno detalhe, resumindo-o a um deplorável bêbado depressivo.

Agora, indo para a cereja do bolo: o romance totalmente forçado entre a protagonista e o mercenário. É sério que um livro lançado em 2019 não tem capacidade de mostrar uma personagem feminina sem ter que associá-la a uma série de decisões burras e um homem para salvá-la?

O plot twist foi previsível, embora inserido no momento certo. Achei que fosse revirar os olhos, mas foi o que mais gostei de todo o livro: foi uma cena que trouxe consigo muitas respostas e uma boa carga emocional. Só que estamos falando de CURSED – A LENDA DO LAGO, então é óbvio que foi mal aproveitado. Uma tentativa de cliffhanger foi inserida, conseguindo apenas estragar o momento e arrastando mais uma série de acontecimentos tediosos.

Para não dizer que essa experiência foi de todo ruim, apresento dois pontos positivos: os capítulos curtos e a minha vontade de ler a história original para entender quem é verdadeiramente o mago humilhado.

Talvez esse seja o tipo de história que ficaria excelente em uma HQ elaborada, com edição de luxo, capa dura e tudo o que tem direito (e eu provavelmente leria novamente nesse formato). Mas, como literatura, falhou grandiosamente. O enredo foi adaptado para uma série pela Netflix e, até onde vi, está seguindo fielmente as páginas. Ao contrário do livro, a série está sendo ótima e ilustra muito bem várias questões que o mesmo não conseguiu. Não vamos abordar o detalhe de que a protagonista é originalmente negra e que escolheram uma atriz totalmente distinta para a adaptação. Esse é um debate muito mais profundo que, sinceramente, me incomoda ser necessário em pleno século XXI.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Thomas WHEELER
ILUSTRAÇÕES: Frank MILLER
TRADUÇÃO: André GORDIRRO
EDITORA: Harper Collins
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 416