Cadence vem de uma família rica, chefiada por um patriarca que possui uma ilha particular no Cabo Cod, onde a família toda passa o verão. Cadence, seus primos Johnny e Mirren e o amigo Gat (os quatro “Mentirosos”) são inseparáveis desde os oito anos. Durante o verão de seus quinze anos, porém, Cadence sofre um misterioso acidente. Ela passa os próximos dois anos em um período conturbado, com amnésia, fortes dores de cabeça e muitos analgésicos, tentando juntar as lembranças sobre o que aconteceu.

Harry Sinclair tem três filhas: Carrie, Bess e Penny. Carrie é mãe de Johnny e Will; Bess é mãe de Mirren, Liberty, Taft e Bonnie; Penny é mãe de Cadence. Uma vez por ano, todos vão para a ilha particular da família e ficam nela durante todo o verão. Quando Mirren, Johnny e Cadence estão com oito anos, Carrie é abandonada pelo marido e começa a namorar Ed, um comerciante de artes de ascendência indiana, que tem um sobrinho chamado Gat, garoto de pele morena e cabelos escuros, o oposto dos Sinclair. Cadence se apaixona de imediato.

A chegada de Gat aproxima Johnny de Cadence e Mirren, que antes não gostava muito de brincar com elas, e os quatro, devido às constantes confusões que arrumam na ilha, começam a ser chamados de os Mentirosos pela família. Mas Gat também acentua o desprezo e o preconceito de Harris, o avô dos três garotos.

Harris é o patriarca da família. Ele é o dono do dinheiro e da decisão de para quem deixará a maior parte de sua herança depois que morrer. E Cadence é a primeira neta, a mais velha e sua preferida. Fica claro seu descontentamento quando flagra ela e Gat se beijando no sótão da mansão.

As três filhas de Harris travam uma batalha de interesses para cada uma delas conseguir mais atenção do pai e, consequentemente, o favoritismo para a herança. Harris, claro, sabe e abusa de seu poder sobre elas. Ele é aquele tipo de homem que não ameaça diretamente. Ele faz isso de forma discreta, através de indiretas ou conversas de duplo sentido, que são aquelas que metem mais medo, porque são as mais verdadeiras, por não serem ditas com raiva, mas sob controle, com frieza.

Nessa tempestade que é o relacionamento das filhas com o pai, das ações interesseiras, da necessidade de se conseguir cada vez mais, os quatro garotos tentam se manter unidos e aproveitar os únicos meses em que podem ser autênticos, os únicos meses em que ficam juntos, uma vez que durante o resto do ano, eles vivem em pontos diferentes do país.

Gat é o ponto em comum entre eles, é o farol que ilumina a verdadeira face de Harris. Cadence é a mais sensível, e a paixão que sente por Gat aumenta sua sensibilidade com relação às ações cheias de interesse que sua mãe a obriga a fazer para manter a preferência de Harris.

No verão em que os quatro, Cadence, Gat, Mirren e Johnny estão com quinze anos, o mesmo verão que a paixão entre Cadence e Gat aflora de maneira irreversível, algo acontece. Cadence sofre uma acidente, perde a memória dos últimos dias e fica dois anos longe da ilha. Quando retorna e reencontra os dois primos e Gat, tenta, com a ajuda deles, descobrir o que aconteceu.

É Cadence quem narra a história e, junto com ela, percorremos as 270 páginas de MENTIROSOS em busca daquilo que ela esqueceu. Nesse processo, sentimos o amor dela com Gat, a amizade com Mirren e Johnny, a revolta com as ações interesseiras das três filhas de Harris, a indignação, o respeito e a admiração que esse mesmo Harris transmite de forma contraditória, e dor. O livro é impregnado de dor. É o que você, leitor, irá sentir em maior intensidade. Até no momento em que Cadence descobre o amor, ela faz com dor.

Cadence não se poupa do sofrimento. Ela é exagerada nas descrições do que sente com um motivo: ela precisa transmitir a intensidade da dor, e só através de metáforas exageradas é possível dimensionar o que sente.

Dois anos após o acidente, quando Cadence retorna a ilha, ela está diferente. Ela mudou. Ela não é a mesma pessoa. O amor que sente por Gat e por seus primos é o mesmo, mais intenso até, mas ela volta com uma dose maior de dor também, mais profunda.

Ela doa todas as suas coisa, mesmo antes de descobrir o que aconteceu. Ela quer se tornar vazia, se punir, ficar sem nada. A única coisa que ela não abandona é Gat, Johnny e Mirren. Na ilha, eles podem ser autênticos. Eles não precisam atuar para a sociedade, fingindo serem o que não são. Por isso, eles anseiam tanto por esse pequeno período do ano e temem o momento em que ele termina.

E esse momento, no verão dos 15 anos, fica mais evidente quando Cadence e Gat ouvem uma conversa que indica a ordem de Harris para Gat não retornar à ilha no verão seguinte, na tentativa do avô separar o garoto da neta. Isso seria o fim do amor entre os dois, e o fim da amizade com Mirren e Johnny. Seria o fim da alegria que enchia os quatro de força para suportarem o meses que os separavam do verão seguinte. Assim, a tragédia fica anunciada.

A escrita de Lockhart é apaixonante na mesma medida em que é impregnada de uma carga enorme de emoção através de frases curtas, muitos pontos finais e quebras de linha, dando um tom de tragédia e de desespero que se estende por toda a história.

Mas Lockhart não escreve nenhum desses sentimentos de forma aberta. Ela é sutil. Ela coloca a carga emocional entre as linhas de seu texto, nas palavras bem escolhidas, ou até mesmo na falta delas, quando, por exemplo, ela usa a descrição de um beijo para indicar o choro de Gat.

Nunca havia lido nada de Lockhart e fiquei impressionado com a facilidade com que ela envolve o leitor e consegue descrever a personalidade real de cada personagem, como a duplicidade maquiavélica de Harris, ou o desespero das três filhas em conquistarem sua atenção por puro interesse financeiro, ou no desapontamento dos quatro mentirosos a cada vez que percebiam essas situações.

MENTIROSOS é, fácil, uma das minhas melhores leituras da vida. A descoberta da tragédia que se abateu sobre os quatro jovens não é tão surpreendente, pelo menos para quem tem costume de assistir um determinado gênero de filmes ou de livros. Há diversas pistas durante a leitura que ajudam bastante a criar as suspeitas da resolução do mistério. E mesmo sendo algo já usado em outras obras, isso não diminui em nada a qualidade da história ou o sentimento de tristeza que desperta no leitor.

No final, nenhum dos personagens fica com nada. Harris perde aquilo que tinha de mais precioso e não valorizava; as filhas perdem qualquer chance de favoritismo; os mentirosos perdem a esperança. Todos os personagens, principalmente Cadence, tornam-se apenas uma casca vazia ambulante. E esse é o maior impacto da história, é isso que deixará o leitor pensativo por bastante tempo após a última página.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: E. Lockhart
TRADUÇÃO: Flávio Souto Maior
EDITORA: Seguinte
PUBLICAÇÃO: 2014
PÁGINAS: 272