São Paulo, uma das noites típicas pós trabalho, a caminho de um pouco de paz a ser encontrada em meio às falas que pouco iria compreender das conversas jogas ao vento ao redor das outras mesas de um bar. No carro que me deixaria ali, a rádio anunciava num delicado mas ao mesmo tempo marcante e presente “When we were young” da Adele.

I was so scared to face my fears

Nobody told me that you’d be here
And I’d swear you moved overseas
That’s what you said, when you left me
You still look like a movie
You still sound like a song
My God, this reminds me, of when we were young

Eu estava com tanto medo de enfrentar meus medos
Porque ninguém me disse que você estaria aqui
E eu jurei que você tinha se mudado para o exterior
Foi isso que você disse, quando me deixou
Você ainda se parece com um filme
Você ainda soa como uma canção
Meu Deus, isso me lembra
De quando nós éramos jovens

Desço do carro, agradeço e finalmente entro no bar. Pode parecer piada, ou talvez o destino nos empurrando para a ironia dos nossos passados mal amarrados, mas ali estava você e o piano. Seria redundante olhar pra você e ter que dizer que todo mundo ama as coisas que você faz, não é segredo que você tem realmente um charme com o público… é envolvente, contagiante, eu sei bem o estrago que faz. Não é segredo que suas mãos colocam nas notas do piano seu coração gigante. E é por isso que foi um baque te ver sentada à meia luz fazendo o que você faz de melhor: sendo, você mesma, a música que escorre pelos seus dedos em contato com as teclas tocadas com maestria. Mesmo depois da vida ter nos colocado numa bifurcação e nossos caminhos terem se separado.

Flashes de momentos nossos embalados por música, vinho, e você… o piano na sua sala, que praticamente cedia todo o espaço para que você pudesse ser protagonista de um espetáculo cuja única plateia era eu; e o piano, como plateia do único espetáculo que éramos nós.. juntas. Há tanto tempo… e agora você estava ali, inesperada, alcançável, mudada talvez? Acompanhada? Não sei.

Te ver ali foi como reacender uma chama, uma curiosidade, era como se estivesse puxando uma dobra no tempo que perguntava: estamos num círculo ou apenas olhando relances pelo retrovisor? Você ainda não tinha presenciado o queimar dos meus olhos nos seus, que tenho certeza, seriam retribuídos na mesma dose. Como se estivéssemos em um filme ou, quem sabe, em uma de suas músicas… Mas mesmo com todas essas notas que ainda soavam como nós, eu ainda te conhecia?

It’s hard to win me back
Everything just takes me back
To when you were there
To when you were there
And a part of me keeps holding on
Just in case it hasn’t gone
I guess I still care
Do you still care?

É difícil admitir que
Tudo apenas me leva de volta
Para quando você estava lá
Para quando você estava lá
E uma parte de mim ainda se segura a isso
Só no caso de ainda não ter desaparecido
Eu acho que eu ainda me importo
Você ainda se importa?

O garçom passa e num pulo tenho em mãos o vinho que me levaria até você, ou pelo menos às memórias do que fomos. E você de repente pausa.. não, ainda não me vê e isso incomoda, mesmo que tenha sido também um milagre que eu tenha lhe visto. Destino? Sintonia? Não sei, mas mesmo sem me perceber seus dedos começaram a percorrer o piano numa combinação de tons, pausas, inspirações e reviravoltas no estômago curiosamente ainda muito familiares para mim: a nossa música. E, por Deus, sim, eu apenas queria congelar aquele momento e repetir, porque aquele, com certeza era um dos que merecia ser eternizado em uma das joias do infinito.

And everybody here is watching you
‘Cause you feel like home
You’re like a dream come true
But if by chance you’re here alone
Can I have a moment
Before I go?
‘Cause I’ve been by myself all night long
Hoping you’re someone I used to know

Todo mundo aqui está te observando
Porque você dá sensação de lar
Você é como um sonho que virou realidade
Mas se por acaso você estiver aqui sozinho
Posso ter um momento
Antes de ir?
Porque eu fiquei sozinha a noite toda
Na esperança de que você ainda seja alguém que eu costumava conhecer

E foi por isso que esperei durante toda a noite me banhando com nossas memórias das noites em que o desejo não era a única coisa que nos conectava, enquanto as estrelas se alinhavam para que pudéssemos brilhar. E mais uma noite se encerrou, enquanto eu revisitei e vasculhei as melhores lembranças de um amor pausado pela esperança de que a gente se encontrasse num momento em que ambas estivessem melhor estruturadas. Mas seria esse momento agora? Você ainda era você? O que era e o que não era? Ir ou não ir, ser ou não ser? Tão Hamlet… E no ímpeto de coragem, desses que nunca sabemos como e porque vêm, me aproximei ao ver você sair pela porta e toquei seu ombro.

Posso ter um minuto com você?

E então você para, eu paro, tudo se congela, na fotografia que eu imaginariamente tirei. Borboletas surgindo no estômago, mas dessa vez não no meu… suas feições eram denúncias claras… e suas mãos subitamente já não eram as mesmas que tocavam o piano com maestria, eram agora o leve tremor de quem navega por mares não desconhecidos, mas diferentes. E então você mergulha, também num ímpeto de coragem, sem medo de quebrar, afinal, de alguma forma você ainda era você… e sempre foi mais corajosa do que eu.

Acho que precisamos de mais do que um minuto. Porque não se senta e tomamos alguma coisa?

E então, estávamos não em um círculo ou retrovisor, mas em espiral, que dá sempre as mesmas voltas, cada uma à sua maneira. Cause you look like a movie and sound like a song, and my God this reminds me: when we were young.

Esta crônica foi produzida em homenagem a uma das composições da cantora Adele, “When we were young”, que eventualmente te lembrará alguém.