Os pais de Damaris são caseiros na mansão da família Reyes, em um balneário na Colômbia. Damaris é pré-adolescente e faz amizade com o filho dos Reyes, Nicolasito. Em um dos passeios que fazem pelos rochedos à beira-mar, acontece um acidente com Nicolasito, e os Reyes culpam Damaris. Na verdade, ela também sente o peso da culpa. Que, com o passar dos anos, se transforma em um trauma que mudará sua vida.

Já adulta, Damaris se casa com Rogelio. Os dias românticos do início, se transformam em dor e indiferença com o passar do tempo, principalmente porque Damaris não consegue engravidar. Isso não afeta Rogelio, mas Damaris fica obcecada, ganha aquele sentimento de ser uma mulher incompleta, ter um corpo imperfeito, que não presta. E esse sentimento, somado aos demais traumas, a transformam em uma mulher amargurada e infeliz.

No fim de seus trinta anos, Damaris encontra uma cachorra morta, envenenada, que havia dado cria há pouco tempo. Damaris não resiste e adota um dos filhotes, uma fêmea. Mesmo sabendo que Rogelio não aprova, ela cria a cachorra como se fosse uma filha. Alimenta, dá banho, acaricia, leva para todo o lado. Mas o animal, conforme cresce, segue seus instintos e começa a fugir, ficar longe por dias, até retornar toda suja. Em uma dessas vezes, a cachorra volta prenha. Isso desperta em Damaris uma sensação de que até um animal pode ser melhor do que ela na questão de maternidade. E o que vem a seguir, é uma sequência de eventos que demonstram o pior do ser humano.

A CACHORRA é uma novela, um conto extenso de horror. Não confunda com terror. Você não irá sentir medo, mas ficará horrorizado em várias passagens, por diferentes motivos. Pilar Quintana, a autora, nascida na Colômbia, escreve sem medo de expor as diversas faces das pessoas de um vilarejo paradisíaco e remoto de seu país. E a forma como faz isso, é crua, direta, violenta. É uma mistura de brutalidade com necessidade de sobrevivência, mas com o desequilíbrio mental de uma vida cheia de marcas de crueldade.

O tragédia da família Reyes não é o pior que aconteceu na infância de Damaris. O castigo aplicado a ela, pelo pai de Nicolasito, durante 33 dias, tempo que o corpo do filho leva para ser encontrado, é de uma barbárie assustadora. Como também é tudo o que acontece depois, com os pais de Damaris e outros conhecidos. Alguns são resultado de uma vida miserável, em um mundo que não se importa. Tudo isso, resulta na psique frágil e totalmente mutilada de uma mulher que não vê futuro e cujo presente, por não conseguir ser mãe, a tortura diariamente.

Quando Damaris adota a cachorra, projeta no animal sua necessidade de ser mãe. Mas não uma mãe benevolente, de amor imparcial. Ela deseja, acima de tudo, ser reconhecida como mãe pelo animal. Mas de uma forma absoluta, sem restrições. Quando isso não acontece, quando Damaris não recebe essa reciprocidade desmedida, e quando a cachorra engravida, Damaris se sente traída, se sente ainda menos do que já se achava.

Todos esses conflitos internos, não deixam Damaris ver que Rogelio, seu marido, apesar de seus defeitos, a maioria inerente a um homem de um vilarejo cheio de preconceitos e machismos, gosta dela e a trata bem. Não deixam Damaris ver que os amigos e vizinhos também possuem uma vida, também sofrem, e não podem estar sempre presentes ou disponíveis, que eles também são defeituosos como pessoas. Damaris se cobra demais, e cobra demais de todos ao seu redor, principalmente da cachorra.

Pilar Quintana, de forma hábil, constrói uma Damaris que o leitor se compadece pelo sofrimento que a acompanha desde a infância. Com a chegada da cachorra, Pilar Quintana começa a desconstruir Damaris, demonstrando como uma pessoa, totalmente fragilizada, pode ser levada ao extremo e se transformar em um monstro. Até o ponto em que o monstro olha no espelho e enxerga no que se transformou. Mas pode ser tarde demais.

A CACHORRA é uma leitura angustiante, onde a cada uma, das poucas páginas, dão um leve soco no estômago do leitor. Uma leitura forte, pesada, de um horror que incomoda, que faz pensar, que demonstra como o ser humano é imperfeito, frágil, e de como é facilmente levado para um lado de pura crueldade. E de como, quando confrontado com isso, o remorso pode ser mortal. Uma leitura incrível e inesquecível!


AUTORA: Pilar QUINTANA
TRADUÇÃO: Livia DEORSOLA
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 160


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