Muita gente já leu e conhece o impacto que CAIXA DE PÁSSAROS fez no mundo literário e também nos filmes, graças a uma bem sucedida adaptação do livro para a Netflix. A premissa era simples e apavorante, um mundo onde as pessoas tinham que permanecer vendadas, pois apenas um vislumbre da criatura era o bastante para ceifar a vida do indivíduo. O tempo passou e agora nós temos a continuação, MALORIE, que tem a difícil missão de se provar relevante, numa trama que parecia ter sido finalizada com perfeição no volume anterior. Será que a aposta deu certo? Vamos descobrir!

O texto pode conter spoilers do livro anterior; já de MALORIE, o texto não terá informações a mais do que você pode encontrar na sinopse oficial.

Doze anos se passaram desde que Malorie venceu a travessia do rio com seus dois filhos. A escola para cegos ficou para trás e agora ela vive num acampamento abandonado. Os meninos, agora adolescentes, são cheios de vontade de questionar tudo. Não existem avanços na luta contra as criaturas, a única chance de sobrevivência é a total cautela e o uso ininterrupto da venda nos olhos. A rotina é quebrada quando aparece um homem estranho no acampamento, ele revela que anda pela vizinhança fazendo um senso, um grande arquivo de sobreviventes. Sua missão também inclui passar conhecimento aprendido em vários lugares e fazer anotações sobre as histórias de quem encontrar na sua jornada.

Malorie não sente verdade no homem e o manda embora, mas ao ir, ele acaba deixando diversos papeis cheios de informações do mundo, para a alegria dos adolescentes. O papel tem vários relatos de sobreviventes e sobre colônias de pessoas, das mais peculiares, até às mais bizarras. Mas os relatos de pessoas que dizem ter capturado uma criatura, mexem com a cabeça dos adolescentes, que anseiam por lutar. Para Malorie, ver esses papeis é ter a sua vida virada de cabeça para baixo, pois uma informação presente ali, muda completamente toda a sua perspectiva, fazendo ela questionar se deve ou não deve abandonar o acampamento e a relativa segurança que construiu para os seus filhos por tantos anos.

Quando foi anunciado o lançamento dessa continuação, ficou difícil não se sentir apreensivo, pois mexer novamente nessa trama era perigoso. A melhor coisa de CAIXA DE PÁSSAROS era o perfeito equilíbrio entre o medo e a desinformação. Você só tinha que sobreviver e ponto, não dava para fazer mais nada. Então saber que um novo livro desse universo iria sair, assusta de primeira, o medo de ter a história estragada era grande, mas felizmente isso não aconteceu. Os anos passaram, o salto temporal é muito grande, mas quase nada mudou, os sobreviventes ainda sabem que não pode olhar as criaturas. O medo ainda está presente, os personagens foram moldados nesse medo e agora eles são mais fortes, mais capazes e focados em seus objetivos.

Malorie mudou bastante, ela agora é mais decidida do que nunca, a proteção total de seus filhos é o seu maior e único objetivo de vida. Agora eles são adolescentes e essa proteção começa incomodar Tom e Olympia. Tom cresceu e se tornou curioso, gosta de questionar tudo e inventar maneiras de fazer a vida ser melhor. O seu sonho é poder lutar contra as criaturas, não só sobreviver. Olympia mergulha nos livros com uma curiosidade infinita, ela ama aprender e entender como o mundo era e como ele pode ser. A vida no acampamento é feita de rotina e nada de novo acontece, então a chegada desse andarilho, ainda por cima com informações do mundo, parece a resposta para as preces de todos, exceto de Malorie.

A informação que o homem traz muda tudo, e logo todos partem do acampamento para um futuro incerto, permanecer lá, com essa informação é impossível. E lá vai o leitor acompanhar essa jornada que parece fadada ao fracasso, e nela nós iremos descobrir um novo lado desse mundo apocalíptico, um lado que se revela aos poucos, não sobrecarregando a trama com informações demais. A dinâmica entre Malorie e seus dois filhos fica complicada, pois seguir regras não será uma tarefa fácil para os jovens, e Malorie também não é a pessoa mais gentil do mundo.

Um fato que me incomodou na leitura foi como o autor explorou o lapso temporal. Logo no início, o leitor é jogado exatamente onde os personagens foram deixados no final do livro anterior. Mas em pouquíssimas páginas, tudo é deixado de lado para dar lugar a essa nova rotina no acampamento, plano de fundo do livro novo. É frustrante não saber quase nada sobre o período da estadia dos personagens na escola de cegos, aquela que eles lutaram tanto para chegar no livro anterior. Fica parecendo que o autor estava desesperado para levar os personagens de A para B e essa transição passou longe de ter sido feita com cuidado.

O segundo deslize do livro está no ato final: em toda a leitura, a gente acompanha uma jornada lenta de descobertas, uma jornada até muito coerente. Mas faltando pouco menos de cinquenta páginas, o leitor começa a sentir que o autor construiu coisas demais e que será impossível finalizar tudo a tempo. O livro está quase no fim e o autor de fato vai e finaliza tudo, porém numa rapidez surreal, levando a trama para seu ápice sem a construção de um clímax justo. Tanta coisa precisava acontecer, tanta coisa precisava ser explicada e finalizada, mas o livro faz isso em menos de vinte páginas. É frustrante que, depois de ler duzentas paginas de uma jornada dura, lenta e coerente, o desfecho seja tão apressado. Esse livro pedia no mínimo mais umas cem páginas. Temos apenas duzentas e oitenta numa trama que se fecha, deixando, sim, caminho para mais uma continuação, mas que dificilmente terá novamente aquela junção de coisas que fizeram essa trama ser tão poderosa, que é o medo, o desconhecido e a calma.

A nova jornada leva o leitor para lugares incríveis e desenvolve com perfeição seus personagens. A riqueza dos pensamentos de Malorie é extraordinária e a diferença entre seus dois filhos, fazem toda a jornada valer a pena. O final reserva revelações chocantes que mudarão para sempre esse universo. Os segredos dos personagens também têm muito peso, peso esse que poderia ter sido trabalhando muito mais do que foi.

MALORIE é um daqueles livros que você devora facilmente, a leitura continua ágil e bem dividida.  A nova história está menos violenta que a anterior, mas para quem ama e se importa com os personagens, os novos perigos são horríveis de se presenciar. Está longe de ser um livro desnecessário, mas a sensação que fica era que o autor poderia ter ido muito mais longe do que foi. Estava tudo ali, ele só precisava escrever.


AUTOR: Josh MALERMAN
TRADUÇÃO: Alexandre RAPOSO
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 280


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