Talvez você não saiba, mas George Martin escrevia ficção-científica muito antes de escrever a série de livros de Game of Thrones. NIGHTFLYERS é uma novela desenvolvida por Martin em 1980 e publicada na revista Analog Science Fiction. Segundo o autor, a ideia surgiu devido a sua teimosia em contrariar os críticos, que diziam que os gêneros terror e ficção-científica eram incompatíveis. Assim, Martin criou uma nave espacial assombrada (ou não?), que vai matando a tripulação aos poucos (será ela?), sem que eles percebam que estão sendo assassinados, porque todas as mortes parecem acidentais. A primeira versão, que foi publicada na revista, continha apenas 23.000 palavras. Um ano depois, Martin expandiu a novela para 30.000 palavras. E, finalmente, em 1985, ele publica a versão final.

Os Volcryn são uma raça que viaja pelo espaço há milhares de anos. Pela primeira vez, eles irão passar perto o suficiente da raça humana para que seja possível fazer um primeiro contato e descobrir qual tecnologia eles usam para viajar por tanto tempo e por distâncias tão grandes. A Nightflyer, devido à sua tecnologia, é a única nave que tem a capacidade para um grupo de cientistas e um telepata nessa missão.

Entretanto, existem algumas situações peculiares: o capitão Royd Eris não se junta aos passageiros, ele se isola em uma parte da nave e se comunica através de um holograma, sem dizer o motivo dessa escolha; e Thale Lassamer, o telepata, começa a ficar agitado ao afirmar que existe uma presença fria e mortal na nave, mas não consegue dizer onde, nem quem é. Então, as mortes começam.

O capitão Royd e Melantha Jhirl, uma mulher geneticamente modificada, são os dois personagens principais. Os diálogos que eles trocam são cheios de análises pessoais, dúvidas existenciais, julgamentos morais, e se desenvolvem até que criam um interesse romântico, e que culmina em algo mais, que não posso dizer o quê. A relação dos dois é de esperança: Royd tem esperanças de que Melantha consiga compreender seus motivos para ficar reservado em uma área fechada; Melantha tem esperanças que Royd realmente seja uma pessoa boa e sincera, que não tenha qualquer relação com as mortes na nave.

Royd é misterioso, porque ele só aparece como um holograma e se recusa a explicar o motivo. Ele escuta todas as conversas, está presente em toda a nave, e embora afirme que deseja o sucesso da missão e a segurança dos passageiros, sempre fica uma dúvida sobre se isso é verdade. Com o desenrolar da história, a complexidade do personagem fica mais clara, bem como seu martírio, uma vez que suas ações realmente possuem uma explicação, uma terrível explicação. Entretanto, ele está de mãos atadas.

Melantha é fascinante. A descrição que Martin faz dela, demonstra seu orgulho: “Jovem, saudável, ativa, ela tinha uma energia que os outros não alcançavam. Era grande em todos os sentidos – uma cabeça mais alta que qualquer outro a bordo, corpo largo, seios grandes, pernas compridas e fortes, músculos que se moviam suavemente sob uma pele negra como carvão reluzente.”, e ela não se mostra menos do que é descrita. Ela não é modesta, não hesita em repetir que é melhor do que qualquer um a bordo, não apenas fisicamente, mas também intelectualmente. Mas a forma como ela diz isso, e nos momentos em que diz, não a deixam arrogante e pedante, mas apenas como alguém que está afirmando algo que deveria ser óbvio, natural. Quero dizer que ela não se gaba, mas se explica. E sua compaixão é do mesmo tamanho sua capacidade, principalmente no clímax da história, quando ela toma uma decisão surpreendente.

A descrição do comportamento dos passageiros, que em uma sociedade avançada, não apenas tecnologicamente, mas socialmente, se relacionam sexualmente sem qualquer tabu, é uma prévia do que Martin viria a escrever em GOT anos depois. E o mesmo se pode dizer das mortes, são várias, todas bem violentas e cheias de sangue. Ninguém está a salvo, qualquer um pode morrer, ou mesmo todos podem morrer. Ou seja, o autor já possuía essa sede de extirpar personagens há muito tempo.

Um outro atrativo vem da história dos Volcryn, a tal raça alienígena que eles vão tentar contactar. Existe toda uma explicação da história deles, de como devem viajar, dos motivos de serem uma raça nômade, e das expectativas de se conseguir criar um diálogo com esses seres. Embora o meio para isso, o uso da telepatia, seja estranho, uma vez que nós processamos nosso raciocínio através de palavras, ou seja, os Volcryn não iriam conseguir nos compreender da mesma forma, o método acaba por ser aplicado na solução do mistério que ronda a nave espacial, bem como das mortes que acontecem.

NIGHTFLYERS é uma ficção-científica que mistura doses de terror como forma de construir uma narrativa claustrofóbica e viciante, obrigando o leitor a ler todas as páginas de uma só vez. A edição é em capa dura, com algumas ilustrações no miolo, papel de alta gramatura, muito linda.

Existe uma série na Netflix baseada no livro, lançada este ano, mas ela foge completamente da estrutura, modifica acontecimentos e personagens, e de tão ruim, já foi cancelada. Uma pena, porque se a versão de Martin tivesse sido mantida, com o diretor certo, seria excelente!


AVALIAÇAO:


AUTOR: George R. R. MARTIN nasceu em Bayonne, Nova Jérsei, filho de um estivador, cuja família de classa operária vivia perto das docas de Bayonne. Quando jovem, ele se tornou um leitor ávido de quadrinhos de superheróis. A edição de novembro de 1968 do Quarteto Fantástico possui uma nota ao editor que Martin escreveu quando ainda estava na escola. Ele credita a atenção que ele recebeu com a carta, junto com seu interesse em quadrinhos, como sua inspiração para se tornar escritor. Em 1970, Martin recebeu sue Bacharelado em jornalismo na Universidade Northwestern, Illinois, se formando com muitos elogios. Ele depois completou um Mestrado em jornalismo, também em Northwestern, em 1971. Martin começou a escrever contos de ficção científica no começo da década de 1970, apesar de o início de sua carreira não ter sido fácil (uma de suas histórias foi rejeitada por diferentes revistas 42 vezes), ele nunca se desencorajou; anos depois ele venceria seu primeiro Hugo Award e Nebula Award por um de seus contos.
TRADUÇAO: Alexandre MARTINS
EDITORA: Suma
PUBLICAÇAO: 2019
PÁGINAS: 144


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