Em 2006, Bella Elliot desapareceu. Em algum lugar dos Estados Unidos, a menina, que só tinha dois anos, sumiu sem deixar vestígios enquanto brincava na frente da sua casa. Suspeitas de crime sexual.

Ao longo dos dias, tive muita dificuldade em compreender o que estava sentindo “depois do fim” de A VIÚVA e ser justa a tudo aquilo que encontrei. Após passar quase um mês somente com King, em um contato íntimo e pessoal com IT, comecei a perceber a fragilidade da narrativa e do roteiro de muitas histórias da atualidade. Contudo, não podemos desconsiderar o fato de que o Rei do Terror tem mais de trinta anos de carreira, ou seja, escrever boas histórias é tão natural para ele quanto respirar. Não é justo comparar um veterano da casa com alguém que acabou de se inserir no universo dos thrillers ou da literatura como um todo.

Mas, também, não podemos passar o pano na inexperiência e deixar de lado vários aspectos que poderiam ser trabalhados de outra forma. A VIÚVA peca ao abusar do mistério com jogadas manjadas, mas acerta ao utilizar da sua zona de conforto, o jornalismo (a escritora é jornalista), para trazer verossimilhança à história. Desde a descrição dos eventos à própria composição da história, a forma com que a obra foi escrita se assemelha à um grande relato jornalístico.

Utilizar dessa tática, todavia, se mostrou como uma faca de dois gumes. Tal escolha de composição falha na profundidade da narrativa, reconhecimento (entre leitor e personagens) e amarras para sustentar a história de fundo. Junto a isso, há um abuso em cenas de mistério que não são naturais, limitando uma trama cheia de potencial a uma narrativa um tanto pobre de reviravoltas em alguns momentos, como se os próprios acontecimentos e a sagacidade do roteiro não fossem suficientes para estimular o leitor.

A trama é narrada a partir da perspectiva de vários personagens. Após o desaparecimento de Bella, as provas apontam para um suspeito, Glenn Taylor. Homem, branco, aparentemente bem sucedido e carismático. No bojo disso tudo, jornalistas amorais, dispostos a qualquer coisa “pelo furo“, policiais aparentemente incompetentes e uma esposa submissa, alienada à realidade, que acredita na inocência do marido acima de tudo. Com relação aos personagens, mesmo apresentando falhas em sua construção (falta aprofundamento em alguns momentos), em outros, a carga emocional e o peso das memórias fala por si só. Tanto a mãe da Bella como a Viúva são personagens emblemáticos na narrativa. Os outros são, na maior parte do tempo, descartáveis.

Sobre o desenvolvimento da história, embora o final seja, de certa forma, previsível, as estratégias utilizadas para chegar até ele foram surpreendentes. Foi uma alternativa inteligente, capaz de fechar o arco inicial proposto e trazer o refino que faltava nos outros elementos que não foram bem explorados ao longo da história.

Não podemos desconsiderar o brilhantismo por trás das estratégias utilizadas pela jornalista para descrever  o universo dos pedófilos. Senti responsabilidade e consciência naquilo que estava sendo escrito, diferentemente de muitos escritores que vemos na atualidade que só utilizam desses assuntos para trazer polêmica, desconsiderando todos os gatilhos que podem despertar. Toda a violência sofrida por Bella foi contada de uma maneira implícita, mas ainda assim, real, chocante, fidedigna.

De uma forma geral, diria que A VIÚVA é um bom livro. Fiona Barton peca em vários aspectos devido a inexperiência, mas nada totalmente prejudicial à história. Recomendo para os fãs de obras de jornalismo investigativo.


AVALIAÇAO:


AUTORA: Fiona BARTON é uma experiente jornalista que trabalha capacitando novos profissionais pelo mundo afora. Antes, foi repórter do The Daily Mail, chefe de reportagem do The Daily Telegraph e repórter especial do The Mail on Sunday, onde conquistou o prêmio de Jornalista do Ano pelo British Press Awards. A viúva é o seu primeiro romance. Nascida em Cambridge, na Inglaterra, atualmente mora no sudoeste da França.
TRADUÇAO: Alexandre MARTINS
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇAO: 2017
PÁGINAS: 299


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