O CORVO é o poema mais famoso de Edgar Allan Poe, tendo sido publicado originalmente em janeiro de 1845, na American Review, assinado por um pseudônimo. Logo fez grande sucesso e os elogios foram inúmeros, levando a várias publicações com o nome verdadeiro do autor. A editora Companhia das Letras lançou recentemente essa edição magnífica, que além de ter uma capa belíssima no estilo vitoriano, conta com conteúdo especial bem traduzido e ilustrações cheias de capricho, feitas por kakofonia.com. Finalmente, essa obra ganhou uma edição a seu nível.

Nesta edição especial, o leitor encontra as traduções mais notáveis da aclamada obra de Edgar Allan Poe para a nossa língua: as de Fernando Pessoa e Machado de Assis. A organização dos textos foi realizada pelo poeta, tradutor e professor brasileiro, Paulo Henriques Britto, que explora a escrita de Poe com bastante sabedoria. O livro é dividido em duas parte, sendo que a “Parte I: O Corvo” contém as traduções de Pessoa e Machado, assim como o texto original em inglês e a análise crítica de Britto; e a “Parte II: Ensaios” possui três textos do autor, que foram traduzidos por Britto e, posteriormente, analisados por ele.

Nesse poema, o enredo envolve um rapaz que está lendo numa biblioteca, quase adormecendo, tentando esquecer a perda de sua querida Lenora, e é despertado por barulhos semelhantes à batidas na porta. Ao abri-la, no entanto, se depara apenas com o vazio da noite e imagina que seja o espírito de sua amada o chamando… Então, percebe que o barulho, na verdade, advém da janela e, quando esta é aberta, um corvo entra na sala e se deposita na estátua de Palas no umbral da porta. Indo contra todas as expectativas, o homem começa a conversar com o corvo, inicialmente de modo irônico, mas, surpreendentemente, o animal responde: “Nunca mais“. Gradativamente, vemos a mudança do protagonista de cético para supersticioso, e começa a imaginar que está recebendo uma mensagem profética de sua amada e começa a questionar o animal, com bastante sentimentalismo, que sempre responde a mesma coisa: “Nunca mais“. O amante, ao fazer perguntas que estavam guardadas em seu coração para o Corvo, é movido pela superstição e também pelo desespero em se autoflagelar, não por acreditar no caráter demoníaco da ave; ele experimenta um prazer mórbido em fazer perguntas tão delicadas, mesmo sabendo a resposta que receberá, uma resposta dolorosa para suas vãs esperanças.

E o Corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais.
E a minh’alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á… nunca mais!

Edgar Allan Poe é sempre visto como melodramático e sombrio, entregue aos sentimentalismos, porém existe outra faceta do autor pouco conhecida: uma mente lógica, analítica, capaz de sutilezas admiráveis e exageros que beiram a loucura. Ele mesmo relata que a composição de O CORVO foi feita com a precisão e sequencialidade de um problema matemático… O primeiro passo foi definir a extensão do poema, pois “um poema só é poema na medida em que excita, pela elevação, a alma; e todas as excitações intensas são, por uma necessidade psíquica, breves“. E para gerar o efeito desejado no leitor, este deve ser capaz de ler a obra de uma única vez, “pois se duas sessões de leitura se fizerem necessárias, os assuntos do mundo intervirão, e a impressão de totalidade será destruída por completo“. Definiu, dessa forma, que o poema teria cerca de 110 versos, mas este foi finalizado com 108. Em seguida, necessitava definir qual o território e o tom (efeito a ser obtido), e optou pela Beleza e melancolia, respectivamente, os mais legítimos de todos os tons poéticos.

De todos os temas melancólicos, qual, segundo a compreensão universal da humanidade, é o mais melancólico? A morte, foi a resposta óbvia. (…) Quando está estreitamente associada à Beleza: assim, a morte de uma mulher bela é, sem sombra de dúvida, o tema mais poético do mundo – e também não pode haver dúvida de que os lábios mais adequados para discorrer sobre esse tema são os do amante que sofreu a perda.

O escritor decidiu adicionar um refrão que reforçasse a monotonia do som, o que resultou em: nevermore, ou seja, “nunca mais“, bastante condizente com a melancolia do tom do poema. Para a repetição do refrão, ocorreu a Poe entregá-la a um animal irracional capaz de falar, chegando a considerar um papagaio; mas como esse animal não se encaixava no ambiente obscuro criado, foi substituído pelo corvo, a ave do mau agouro.

Agora eu tinha de combinar as duas ideias – um homem que lamenta a morte da amada e um Corvo repetindo continuamente a palavra nevermore -, tinha de combiná-las tendo em mente meu plano de variar, a cada ocorrência, a aplicação da palavra repetida; mas única maneira inteligível de efetuar tal combinação seria imaginar que o Corvo usa a palavra em resposta a perguntas feitas pelo amante.

A obra tem originalidade também quanto a seu ritmo trocaico  e ao metro octâmetro acataléctico; além disso, a combinação dos versos em cada estrofe é diferente de tudo que já havia sido tentado antes… A análise de métrica e ritmo é realizada por Paulo Henriques Britto, que faz suas observações específicas para cada tradução realizada.

O CORVO, de Machado de Assis, um dos maiores ficcionistas da língua portuguesa, foi publicado em 1883 na revista A Estação. Segundo Britto, “Tudo leva a crer que Machado, ficcionista por excelência, veja no poma de Poe acima de tudo uma história contada em versos, (…). Assim sendo, Machado nem sequer tenta reproduzir o inusitado metro do original, e o substitui por outro mais estranho ainda, o qual, como será demonstrado, é de todo inapropriado para uma tradução de ‘O corvo’“. Por não ter o ouvido absoluto de um poeta, o autor ignora características formais importantíssimas para o efeito almejado do poema sobre o leitor; além de que não reproduziu no português a monotonia rítmica feita por Poe.

Já a tradução de Fernando Pessoa, um dos maiores poetas da nossa língua, foi lançada em 1924 na revista Athena. Ele foi extremamente fiel ao texto original, ao ponto de promover uma experiência de leitura bem similar à leitura do original. “Não seria exagero dizer que Pessoa conseguiu, em seu ‘O corvo’, não apenas produzir um poema em que são recriados de modo preciso os efeitos do texto inglês em todos os planos – do sentido, do metro, da rima -, como também, por meio de uma pequena mudança, chegou mesmo a aperfeiçoar o original“.

Na “Parte II: Ensaios“, conhecemos três ensaios de Edgar Allan Poe: “A filosofia da composição“, “A razão do verso” e “O princípio poético“, que, posteriormente, são avaliados por Paulo Henriques. Poe fala muito sobre seu processo de escrita, o modo como organizava sua ideias na composição de poemas. “Em sua maioria, os escritores – em particular os poetas – preferem dar a entender que eles produzem por meio de uma espécie de frenesi mágico – uma intuição extática – e se horrorizam diante da possibilidade de permitir que o público veja o que se passa nos bastidores, as complexas e vacilantes imperfeições do pensamento (…)“.

Considero a leitura muito interessante, adorei aprender sobre o autor e seus processos criativos, e esta edição de O CORVO está bem completa, repleta de observações inteligentes feitas por pessoas muito competentes na área da literatura. No entanto, indico para quem realmente gosta de análises críticas, caso contrário a obra pode ser tornar extremamente enfadonha.


AVALIAÇĂO:


AUTOR: Edgar Allan Poe foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense. Ficou conhecido por suas histórias misteriosas e macabras, tendo sido um dos primeiros escritores de contos nos EUA. É considerado o pai da ficção policial, também recebendo créditos por sua contribuição na ficção científica
TRADUÇĂO: Fernando PESSOA e Machado de ASSIS
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇĂO: 2019
PÁGINAS: 200


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