Maria é uma adolescente que enfrenta três grandes problemas: o primeiro, é sua disfemia, a popular gagueira, que inibe sua fala, menos quando ela recita poemas ou canta; o segundo, é o bullyng que sofre no colégio, em parte devido à sua gagueira; e o terceiro, é a pressão de sua mãe, uma cantora fracassada que insiste para que a filha obtenha o sucesso que ela nunca conseguiu. Tudo isso, somado às inseguranças e dramas comuns da adolescência, empurram o caminho da vida de Maria em direção à depressão. A única coisa que a mantém em pé, seguindo em frente, é seu violão, que permite que ela externe seus pensamentos e sentimentos, e uma bolsa de estudos em uma escola de música, algo que abrirá chances para um futuro melhor do que o passado da mãe.

A narrativa de SEMILUNAR, navega entre o passado e o presente de Maria para criar momentos de suspense. Como isso funciona? Vou dar um exemplo: vemos Maria andando de bicicleta na calçada da praia, quando ela encontra algumas meninas do colégio que a intimidam. Acontece um corte, sempre com um par de páginas pretas, e vemos Maria em uma conversa com sua mãe. Acontece outro corte, outras duas páginas pretas, e vemos Maria se preparando para sair de bicicleta. Acontece outro corte e voltamos para os eventos da praia.

Pode parecer confuso, mas não é. Pelo contrário, é muito eficiente e cria uma expectativa e um interesse para se descobrir tudo o que aconteceu e tudo o que irá acontecer. É como se fosse um pequeno quebra-cabeças, que o leitor vai montando para conseguir compreender a história de Maria.

A relação de Maria com sua mãe, Dolores, é de submissão, não existe um confronto. Mas não é por medo, e sim por respeito, por Maria ter consciência do fracasso da mãe e ter pena da mãe tentar esconder esse fracasso com desculpas, invenções ou mesmo com a projeção de seus desejos em cima da filha. Mas nem por isso, Maria deixa de sonhar em evoluir e se tornar independente. Ela deposita suas esperanças na bolsa de estudos na escola de música. Ela sabe que vai passar, porque tem plena convicção de sua capacidade de tirar música do violão. Mas você sabe que não basta querer, ainda mais quando uma fatalidade surge no caminho da menina.

Existe uma ligação de Maria com um personagem aleatória na trama, cujo primeiro encontro acontece dentro de um ônibus. Esse personagem pode ter, ou não, uma importância fundamental para a conclusão da história de Maria. Isso porque o final de SEMILUNAR fica em aberto, e o último quadro é exatamente o encontro de Maria com esse personagem. Esse final não compromete a obra, mas exemplifica como uma decisão pode ser questionada com base nas ações de outra pessoa.

Para explicar melhor: quando alguém sofre de depressão e chega em um ponto onde a dor se torna insuportável e a única saída visível é uma atitude extrema, às vezes basta um pequeno momento de completa alegria, de plena satisfação, mesmo que não da pessoa em si, de outra pessoa, para que ela não prossiga com sua intenção. Isso está presente em SEMILUNAR, e fica a critério do leitor se Maria compreendeu ou não esse momento.

Os desenhos acompanham essa diversidade. Os traços, as cores, o estilo, tudo muda entre os eventos. Por vezes, parece que é um outro artista quem faz as páginas. Mas não fica estranho. Na verdade, eu achei muito interessante, como se a mudança de arte acompanhasse cada momento de frustração, de medo, de ansiedade, de depressão de Maria. Não sei se essa era intenção do autor, mas foi o que senti.

Independentemente disso, a arte funcionou para mim. Foi fácil sentir o caos que Maria vive no dia a dia, e ainda mais fácil compreender seus momentos de explosão por não conseguir se expressar da forma que deseja, por depender de um violão, que nem sempre está disponível para se fazer ouvir, para confrontar as pessoas que a intimidam.

Aliás, os desenhos que demonstram a dependência emocional de Maria de seu violão, são de grande sensibilidade. Fica muito claro o quanto a menina sofre longe do instrumento, mas também como sofre por sua dependência dele. Acaba por ser uma relação de pessoa com objeto que beira a patologia, e essa dependência atinge um nível que pode ser fatal no fim da história.

SEMILUNAR, com certeza absoluta, vale a leitura. Eu comprei a HQ no último FIQ, Festival Internacional de Quadrinhos, que teve aqui em Belo Horizonte, ano passo, em 2018. O preço está bem em conta, o formato é em capa cartão, mas é maior que o convencional. A gramatura do papel é maior, o que se mostra indispensável pelo tom escuro e forte dos traços e cores.

E para quem não entendeu o título da HQ, Semilunar é o nome de um osso da mão, côncao,  no formato de uma meia-lua, situado bem no centro, próximo ao punho. Ele é essencial para que a pessoa possa tocar um instrumentos musicais, como um violão. Qual a relação com a história? Bem, é que…


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Camilo SOLANO
EDITORA: Balão Editorial
PUBLICAÇÃO: 2017
PÁGINAS: 96


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