Quando a mãe arruma um novo emprego, Marigold e sua família se mudam para Cedarville, uma cidade pequena e conservadora. O casarão onde vão morar faz parte de um quarteirão de casas antigas e abandonadas que, depois de passarem por uma reforma, vão valorizar a região.

Logo que chegam, porém, alguns acontecimentos sinistros ameaçam acabar com a sanidade de Mari. Ela ouve passos em cômodos vazios, sente cheiros horríveis e acorda no meio da noite com a sensação de estar sendo observada. Para completar, sua irmãzinha começa a falar sobre uma nova amiga, dona Dulce, que ninguém mais vê.

E esse é só o início de uma série de eventos surreais que tomam proporções cada vez maiores. Na escola, Mari se aproxima de Erika e Yusef, que tiveram membros da família presos pela polícia racista de Cedarville. Eles lhe contam que os Sterling, para quem a mãe e o padrasto de Mari trabalham, são donos da maior parte da cidade, como as prisões e as casas abandonadas.

Quanto mais investiga, mas a garota se dá conta de que há muitas peças faltando nesse quebra-cabeça. Ela descobre, por exemplo, que aquele quarteirão na verdade foi destruído por incêndios misteriosos – e que pessoas morreram ali. Agora, Mari vai ter que correr contra o tempo para entender o que de fato está acontecendo e garantir que as pessoas que mais ama fiquem seguras.

Em FUMAÇA BRANCA, os pais de Marigold são contratados pela Fundação Sterling para reformar uma mansão antiga. Eles recebem a oferta de morar lá e um pagamento generoso pelo trabalho. A Fundação pretende renovar outras casas do bairro, buscando revitalizar a área e a cidade. A princípio, essa proposta parece ótima, já que os moradores locais foram afetados por incêndios e estão em condições difíceis.

Os pais de Marigold estão sendo um pouco ingênuos, encantados pela promessa de uma vida melhor feita pela fundação. No entanto, o que a fundação realmente planeja é mudar a área, trazendo para lá pessoas com mais dinheiro. Esse processo costuma aumentar o custo de vida e o preço dos imóveis, o que pode fazer com que os moradores de longa data, acostumados com um custo mais baixo, tenham que deixar suas casas devido ao encarecimento dos aluguéis e da compra de propriedades.

Isso tem um nome: gentrificação. Quando se reformam casas velhas e o lugar começa a ficar bonito, pessoas com mais dinheiro se interessam em morar lá. Isso muda quem vive no bairro, pois cada vez mais, quem tem mais dinheiro começa a morar ali, e as pessoas que ganham menos vão sendo substituídas. Com mais gente querendo morar lá, o aluguel e o preço das casas sobem, e fica difícil para os moradores de antes conseguirem pagar. Além disso, as lojas e lugares que os novos moradores gostam começam a aparecer, mudando o jeito e a cara do bairro.

A gentrificação é um assunto complicado. Por um lado, pode fazer com que partes da cidade fiquem melhores e ajudar a cidade a ganhar mais dinheiro com impostos. Mas, por outro lado, muitas vezes faz com que as pessoas que sempre viveram lá tenham que se mudar, perdendo o sentido de comunidade. Isso pode tornar as diferenças entre ricos e pobres, e até questões raciais, mais intensas. Também pode criar conflitos entre quem morava no bairro há muito tempo e as pessoas que acabaram de chegar, porque elas podem ter maneiras diferentes de viver e ver o que deveria acontecer no bairro.

O título FUMAÇA BRANCA é muito adequado porque reflete a situação com a família Sterling, que é branca e pode estar ocultando certos problemas, incluindo injustiças contra pessoas negras, ao gentrificar o bairro. Da mesma forma que a fumaça turva nossa visão, as ações dessa família e de outras pessoas ou grupos podem mascarar a realidade. Mari começa a investigar quando percebe que as coisas não são como os Sterling disseram. Esse questionamento se aprofunda quando ela descobre segredos escondidos sobre o passado, incluindo o que realmente provocou os incêndios no bairro.

O título FUMAÇA BRANCA não se refere apenas às intenções ocultas da fundação em relação ao bairro. Durante a maior parte do livro, a mansão onde Marigold e sua família moram, que está em reforma, é cenário de eventos assustadores que a princípio não têm explicação. Esses acontecimentos são testemunhados não só pela família, mas também pelos trabalhadores da reforma, que ficam tão assustados que se recusam a trabalhar até tarde e vão embora antes de anoitecer. Conforme a história se encaminha para o fim, Mari encontra pistas que a ajudam a entender a origem e a razão desses acontecimentos misteriosos. O que ela descobre acaba sendo ainda mais chocante do que a ideia inicial de que a casa poderia estar assombrada.

A maior força da história, na minha visão, está na forma como ela apresenta Marigold, a personagem principal, e seus irmãos, Sammy e Piper. Mari está lidando com a desconfiança dos pais por causa de um incidente recente com drogas. A família também se muda para tentar começar de novo. Piper é filha do padrasto de Mari, enquanto Sammy é seu irmão de sangue. Mari encontra dificuldades no relacionamento com Piper, pois o pai dela parece favorecê-la e apoiá-la em qualquer situação. Sammy, por outro lado, é mais próximo de Mari, apesar de ter problemas de saúde. As interações entre os três irmãos frequentemente resultam em brigas, nas quais Mari muitas vezes acaba sendo prejudicada por causa de erros que cometeu antes.

Mari está se adaptando à distância de sua melhor amiga, Tamara, com quem agora só fala por mensagens e videochamadas. Tamara e Sammy são o apoio de Mari diante dos sentimentos de abandono, insegurança e arrependimento. Além disso, Mari enfrenta dificuldades psicológicas e está lidando com a abstinência. Ela tem um medo extremo de insetos, principalmente percevejos, o que pode desencadear ataques de pânico. Para gerenciar esse trauma, Mari precisa usar medicamentos. A situação fica ainda mais complicada com a ansiedade de entrar em uma nova escola, onde ela terá que lidar com novos colegas e as pressões e julgamentos que isso traz.

Mari está enfrentando muitos desafios ao mesmo tempo. Ela sente falta de sua amiga Tamara e tem que lidar com sua irmã, que parece não gostar dela, e com um padrasto que não a apoia. Também enfrenta acusações sobre o uso de drogas, seu medo intenso de insetos, a mudança para uma nova cidade e escola. Além disso, coisas assustadoras acontecem ao seu redor, coisas que só ela percebe, e seus pais não acreditam nela porque não veem provas desses acontecimentos. Todos esses problemas estão levando Mari ao seu limite, fazendo-a sentir que está prestes a explodir ou desistir.

Na história, contada pelo ponto de vista de Mari, inicialmente fica a dúvida sobre a veracidade do que ela narra e se podemos confiar no que ela diz. No entanto, com o tempo, Piper, sua irmã, também começa a notar coisas estranhas e muda seu comportamento após ver uma mulher que mais ninguém parece ver. Sammy, o irmão de Mari, também é afetado pela casa. Isso faz com que Mari não esteja mais sozinha; seus irmãos começam a apoiá-la. Além deles, Mari encontra ajuda em Erika e Yusef, dois colegas da escola que também moram no bairro. Eles se unem para desvendar os segredos da fundação que está por trás da reforma da mansão, explorar a história da cidade e descobrir quem é a mulher misteriosa que parece perseguir Piper.

FUMAÇA BRANCA aborda muitos temas e sentimentos importantes, incluindo a gentrificação, as relações familiares, o racismo, o vício e traumas, além de tocar em assuntos como vingança, corrupção e assassinato. Os personagens são envolventes e trazem equilíbrio à história. A relação entre Mari, Sammy, Piper, Erika e Yusef começa de forma instável, mas conforme a narrativa avança, eles desenvolvem uma dinâmica mais forte e coesa. Ao final do livro, eles estão em harmonia, confiam uns nos outros e formam uma verdadeira amizade.

Não sei se a autora pretende escrever uma continuação, mas a história, apesar de concluir um ciclo, deixa alguns pontos em aberto. Há personagens, especialmente aqueles que surgem no clímax, cujos futuros não são explicados. Também fica faltando detalhes sobre a fundação e seus planos para o bairro e a cidade. Parece que mais coisas precisam ser esclarecidas após a revelação das intenções da fundação, assim como o futuro da família de Mari e as amizades que ela estabelece. Há elementos suficientes para mais um livro, e com certeza existe interesse nisso. Seria ótimo ver essa continuação.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Tiffany D. Jackson
TRADUÇÃO: Solaine Chioro
EDITORA: Seguinte
PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 320
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