Um grupo de jovens deixa uma pequena cidade no Paraná para viver no Rio de Janeiro. Eles alugam um apartamento em Copacabana e fazem o possível para pagar a faculdade e manter vivos seus sonhos de sucesso na capital fluminense. Mas o dinheiro está curto e o aluguel está vencido. Para sair do buraco e manter o apartamento, os amigos adotam uma estratégia heterodoxa: arrecadar fundos por meio de jantares secretos, divulgados pela internet para uma clientela exclusiva da elite carioca. A partir daí, eles se envolvem em uma espiral de crimes, descobrem uma rede de contrabando de corpos, matadouros clandestinos e grã-finos excêntricos, e levam ao limite uma índole perversa que jamais imaginaram existir em cada um deles.

Há duas maneiras de interpretar JANTAR SECRETO: a primeira, e talvez a mais evidente, nos apresenta uma combinação entre drama e horror. Nesta perspectiva, acompanhamos a jornada de um grupo de jovens vindos do interior do Paraná. Eles buscam sucesso profissional no Rio de Janeiro, mas enfrentam um caminho árduo e decepcionante. Em um giro inesperado, encontram uma solução bizarra para seus problemas: a organização de jantares exclusivos e chocantes, onde a carne humana é servida aos comensais. Esta premissa revela a intensidade e o potencial perturbador da narrativa. No entanto, ao explorar essa trama, o livro não consegue atingir seu pleno potencial, falhando em captar a essência que poderia ter.

A segunda forma de abordar JANTAR SECRETO é vê-la como uma história repleta de humor negro. Aqui, o absurdo das situações se destaca, provocando risadas com sua ironia e exagero. Nesta perspectiva, o livro se destaca e cumpre o objetivo de entreter. Essa abordagem, que talvez não fosse a intenção original do autor, oferece uma experiência que mistura o macabro com o cômico de uma maneira inesperada.

Ao escrever uma história, o autor enfrenta o desafio de tornar sua narrativa crível, mesmo quando ela navega por territórios fantásticos. É essencial que os elementos da trama, seja ela povoada por anjos, vampiros, monstros, ou como neste caso, jovens que recorrem ao canibalismo como meio de enriquecimento, sejam apresentados de forma que o leitor possa se envolver e acreditar na história. A habilidade de criar um universo onde o extraordinário parece possível é o que cativa e mantém o leitor imerso no mundo que o autor construiu.

Quando se começa a leitura de JANTAR SECRETO, o leitor é inicialmente levado a acreditar que algo significativo está prestes a acontecer. Contudo, logo nas primeiras páginas, à medida que os motivos por trás do canibalismo são revelados, a história entra em uma espiral de absurdos que crescem tanto em quantidade quanto em intensidade. Esses aspectos acabam por não ser convincentes, afetados tanto pelos problemas no desenvolvimento do enredo quanto pelas motivações dos personagens. A obra, contudo, não perde completamente seu apelo. Isso se deve ao humor, aparentemente involuntário, que se manifesta nos pensamentos e ações dos personagens. Digo involuntário porque, a partir da minha percepção, o autor não parece ter tido essa intenção. Em várias ocasiões, ele faz com que Dante, o protagonista e narrador, insista na seriedade dos eventos descritos. Dante argumenta que as ações horrendas e imperdoáveis dos personagens poderiam ser replicadas por qualquer um em circunstâncias similares. Parece-me que, ao escrever, o autor pode ter percebido que as situações que criou careciam de fundamentação plausível, tornando necessário um esforço extra para convencer o leitor de sua possibilidade no mundo real.

Com essa limitação crível, fica impossível acreditar que alguém, mesmo não estando em perfeito estado mental, se tornaria um assassino e canibal apenas por uma dívida de aluguel, especialmente se essa dívida pudesse ser quitada com recursos disponíveis, como o dinheiro da mãe de um dos personagens. O autor, através da voz de Dante, sugere que pessoas normais são mais perigosas que as consideradas loucas, pois são as primeiras que frequentemente cometem maldades. No entanto, discordo dessa visão, é uma desculpa absurda para justificar os atos dos personagens. Creio que, ao cometer um ato de maldade sem justificativa aparente, uma pessoa demonstra traços de psicopatia, e isso não se enquadra naquilo que consideramos comportamento normal. Essa ideia é controversa e desafia nossa compreensão sobre moralidade e sanidade mental.

Assim, o que nos resta é seguir o curso dos eventos na narrativa e encontrar humor nos absurdos que são apresentados ao longo do caminho. Temos personagens como a prostituta habilidosamente manejando uma motosserra amarela decorada com adesivos para desmembrar corpos, o cozinheiro que trata esses membros humanos como se fossem iguarias exóticas, o administrador que recebe os convidados com um sorriso no rosto, apesar de estar plenamente ciente dos assassinatos que estão ocorrendo, e o especialista em informática, capaz de invadir praticamente qualquer computador, mas que estranhamente não consegue acessar uma conta do Instagram para remover uma foto comprometedora do jantar. Esses elementos, embora bizarros, adicionam uma camada de ironia e humor negro à história, tornando-a  suportável.

Dante, por exemplo, é um personagem gay que passa o livro lamentando sua vida infeliz, sua incapacidade de interromper os jantares e o desgaste de suas amizades. Curiosamente, ele inicia um romance com o marido de uma das vítimas dos jantares. Hugo, outro personagem, aspirando a ser um chef renomado por suas iguarias únicas, encontra um sucesso macabro. Miguel, embora se torne médico, passa a narrativa em conflito, chorando e negando seu envolvimento no negócio horrendo, mas acaba sempre se envolvendo. Leitão, o hacker, tem suas habilidades em informática variando conforme a necessidade do enredo, oscilando entre um total iniciante e um gênio. Por fim, a personagem mais intrigante e divertida é Cora, a prostituta contratada por Dante, Miguel e Hugo como um presente de aniversário para Leitão, que acaba se tornando uma peça chave em toda a trama.

Cora, de fato, é uma personagem que se destaca com suas contribuições singulares ao longo da história. Ela nutre o sonho de se tornar escritora e publicar um livro, expressando sua criatividade através de poesias e frases impactantes. Essas frases, mencionadas por Dante ao longo da narrativa, são utilizadas pelo autor para refletir eventos que aconteceram ou que estão prestes a ocorrer. Em um ponto crucial da história, aproximadamente na metade do livro, Dante se vê diante do desafio de lavar o dinheiro que os cinco personagens ganharam. A solução que ele encontra é inusitada: publicar os textos de Cora, como se fossem lançamentos de uma editora. Este momento é especialmente significativo para Cora, que se sente realizada e reconhecida ao ser tratada como uma autora publicada, um marco importante na realização de seu sonho.

De fato, no cenário atual da publicação de livros, ter recursos financeiros pode ser um fator crucial para se tornar um autor publicado. Existem várias editoras que operam mais como gráficas, sem se preocupar muito com o conteúdo ou a qualidade das obras. Elas não realizam revisões aprofundadas ou oferecem feedback crítico, publicando praticamente qualquer material desde que haja pagamento. Por outro lado, ser publicado por uma editora tradicional, que não cobra pelo serviço, tampouco é sinônimo de qualidade garantida. Se observarmos atentamente, notaremos que muitos trabalhos de qualidade questionável são publicados por grandes editoras. Nesses casos, embora o autor não pague diretamente pela publicação, frequentemente existem outras dinâmicas em jogo, como o lobby, recomendações e apadrinhamentos. Na minha opinião, essas práticas podem ser ainda mais problemáticas do que um autor que opta por financiar a publicação de seu próprio trabalho.

Prosseguindo na análise de JANTAR SECRETO, o que se inicia como a ideia de um único jantar, oferecendo partes de um cadáver por cinco mil reais por convidado, rapidamente evolui para um empreendimento macabro de escala industrial. O esquema se expande para incluir abatedouros em várias capitais do país e um vasto leque de envolvidos – desde policiais rodoviários estaduais a detetives, garçons, açougueiros, motoristas, assassinos e sequestradores. A trama cresce em absurdos, atingindo uma magnitude que, na realidade, seria facilmente descoberta e desmantelada. O clímax da história nos leva a um turbilhão onde as linhas entre certo e errado são borradas, não se aplica nenhuma moral convencional, e o sangue parece jorrar de todos os lados. O desfecho, revelando uma explicação para toda essa cadeia de eventos, provoca risos pelo seu caráter totalmente nonsense.

Contudo, JANTAR SECRETO acerta ao estabelecer um paralelo entre a produção industrial de carne humana e a de carne animal. O autor faz essa comparação em várias ocasiões, chamando atenção para a realidade dos matadouros modernos, que se tornaram verdadeiras fábricas focadas no abate de animais, muitas vezes negligenciando qualquer vestígio de compaixão. Ele destaca que a brutalidade descrita no livro, aplicada aos seres humanos, é similar àquela sofrida por bois, galinhas, porcos e outros animais. É claro que há uma necessidade de distinguir as duas situações, mas é importante reconhecer que, em ambos os casos, estamos lidando com seres vivos. Essa reflexão proposta pelo livro é um lembrete incômodo, mas necessário, sobre as realidades da indústria da carne, seja ela humana ou animal.

Em resumo, JANTAR SECRETO pode ser encarado como uma história gore, onde a lógica do enredo e a motivação dos personagens não conseguem ser levadas a sério. Simplesmente aproveite a leitura, divirta-se com os absurdos apresentados e, ao terminar, talvez seja interessante buscar algo mais sério e com uma mensagem moral mais profunda para equilibrar a experiência.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Raphael Montes
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO:2016
PÁGINAS: 368
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