Bem-vindo ao ônibus Nôitibus Andante, o transporte de emergência para bruxos e bruxas perdidos. Basta esticar a mão da varinha, subir a bordo e podemos levá-la aonde quiser. Quando o ônibus Nôitibus Andante surge repentinamente da escuridão e solta um guincho de seu freio bem à sua frente, mais um ano nada normal em Hogwarts começa para Harry Potter. Sirius Black, assassino em série fugitivo e seguidor do Lorde Voldemort, está à solta – e dizem que está indo atrás de Harry. Em sua primeira aula de Adivinhação, a professora Trelawney vê um agouro de morte nas folhas do chá de Harry… Mas talvez a parte mais assustadora seja os Dementadores patrulhando os pátios da escola, com seus beijos que sugam a alma…

HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN é o terceiro livro da série e é possível confirmar o crescente tom mais sombrio que acompanha o crescimento dos personagens ou o amadurecimento da escrita da autora ou ambos. A trama se inicia com Harry em sua casa com os Dursley, a família adotiva que constantemente o maltrata, da mesma maneira que nos dois primeiros livros. Após mais um acidente envolvendo magia, Harry foge de casa e é resgatado pelo ônibus mágico da sinopse, onde fica sabendo da fuga de um perigoso prisioneiro da prisão de Azkaban, que acredita-se estar atrás de Harry para matá-lo.

Como sempre, aparece um novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Remus Lupin, que terá uma participação um pouco diferente de seus antecessores, inclusive ensinando valiosas lições para Harry, não apenas sobre magia, mas também sobre seu próprio passado e a história de seus pais. Além de Lupin, conhecemos pela primeira vez os Dementadores, criaturas sombrias e poderosas que guardam a prisão de Azkaban e que possuem um estranho poder sobre Harry.

Azkaban é uma prisão mágica, situada em uma ilha isolada no meio do Mar do Norte. Antes de se tornar uma prisão, o local era o refúgio de um bruxo das trevas que praticava a magia negra. A prisão representa o destino mais temido para os bruxos que quebram as leis. A fuga de Sirius Black de suas muralhas é um evento sem precedentes, o que acentua sua reputação como um bruxo perigosamente habilidoso. Ela simboliza os extremos a que a sociedade mágica está disposta a ir para manter a ordem e a segurança.

Os Dementadores são criaturas escuras e espectrais, descritas como tendo pele podre e gelada e olhos sem vida. Eles se alimentam das emoções positivas dos humanos, deixando apenas tristeza e desespero. Empregados pelo Ministério da Magia como guardiões de Azkaban, os Dementadores são enviados a Hogwarts em busca de Sirius Black. A presença deles na escola tem um efeito profundamente perturbador, especialmente em Harry, que é particularmente sensível a eles devido a seu trauma passado. As criaturas são uma representação tangível do desespero absoluto. O efeito que eles têm nas pessoas é uma manifestação literal de perda de esperança e identidade.

Mas algumas criaturas do bem também aparecem, como um hipogrifo chamado Bicuço, que está aos cuidados de Hagrid. Os hipogrifos são criaturas majestosas, com a parte dianteira de um gigante águia e a parte traseira de um cavalo. São criaturas orgulhosas e exigem respeito. Se alguém ofende um hipogrifo, pode enfrentar consequências sérias. Durante uma aula de Trato das Criaturas Mágicas, ministrada por Hagrid, Harry tem a chance de se aproximar de Bicuço. Mostrando o devido respeito e cuidado, Harry não apenas evita um confronto, mas também monta o hipogrifo, um sinal da confiança que a criatura depositou nele. No mesmo dia, Draco Malfoy, agindo de forma arrogante e desrespeitosa, se aproxima de Bicuço e acaba sendo atacado. Esse incidente leva a uma série de eventos que colocam Bicuço no centro de uma controvérsia. Neste livro, Hagrid é promovido de guarda-caça a professor de Trato das Criaturas Mágicas. Sua paixão por criaturas mágicas, muitas vezes incompreendidas, é evidente, e ele se esforça para ensinar seus alunos sobre elas. No entanto, ele enfrenta dificuldades, principalmente devido ao incidente com Bicuço.

Além dessas novas criaturas, somos apresentados a três elementos mágicos que possuem uma importante participação na trama e influenciam a história profundamente: o Mapa do Maroto, o Vira-tempo e o Bicho-papão. O Mapa do Maroto é um pedaço encantado de pergaminho que mostra uma representação detalhada de Hogwarts, incluindo seus diversos corredores, salas, passagens secretas e os locais exatos de todas as pessoas dentro dos terrenos da escola, identificadas por nome. O Vira-tempo é um pequeno dispositivo mágico que permite ao seu usuário viajar no tempo. Não vou escrever mais sobre, porque ele faz parte de um mistério revelado no clímax do livro. E o Bicho-papão é uma criatura mágica que assume a forma do medo mais profundo da pessoa que o confronta. Por exemplo, para Ron Weasley, ele se transforma em uma aranha, enquanto para Harry, ele toma a forma de um Dementador. O Bicho-papão é usado por Lupin em uma das aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas para ensinar aos alunos como enfrentar seus medos.

Quanto aos personagens, Dumbledore e a professora Minerva aparecem bem pouco, em momentos específicos. Já os três protagonistas começam a amadurecer e enfrentar desafios mais complexos, tanto em termos de magia quanto em seus relacionamentos pessoais. Harry enfrenta emoções mais características de quem começa a entrar na adolescência, além de situações intensas em relação à ameaça representada por Sirius Black. As escolhas Harry, como investigar a verdade por trás das acusações contra Black , mostram um desejo de se rebelar, de parar de seguir os conselhos do que é mais seguro e fazer o que precisa para entender seu passado. A relação de Harry com Ron e Hermione é testada de várias maneiras durante a história devido a sua raiva crescente e o desejo de vingança, especialmente porque ele acredita que Sirius traiu seus pais
Hermione toma a decisão de sobrecarregar sua programação de aulas com uma ajuda pouco ortodoxa. Essa escolha a leva a um estresse significativo, o que afeta sua amizade com os dois amigos, especialmente com Ron, devido a questões como o comportamento do gato de Hermione, Bichento, sempre caçando e tentando matar o rato de Ron, Perebas. Ron começa a mostrar sinais de maturidade, especialmente quando confrontado com situações de perigo. No entanto, suas inseguranças, particularmente em relação a seu lugar entre seus irmãos e seus sentimentos por Hermione.

O Professor Lupin é o novo mestre de Defesa Contra as Artes das Trevas em Hogwarts. Ele se destaca de seus predecessores pelo seu método de ensino prático e compreensivo. Em vez de se concentrar em teorias ou ameaças vazias, Lupin oferece aos alunos experiências diretas com criaturas e feitiços, equipando-os com habilidades práticas. Para Harry, em particular, Lupin se torna uma figura de mentor, ensinando-lhe como conjurar um Patrono, uma habilidade essencial para combater os Dementadores. Ele também oferece a Harry informações valiosas sobre seus pais, em particular sobre James Potter. Através de Lupin, Harry começa a compreender mais profundamente as qualidades e falhas de seu pai, assim como o legado de amor e sacrifício que James e Lily deixaram para trás.

Sirius Black é nascido em uma das famílias mais antigas e puristas do mundo mágico, os Black. Sirius foi um rebelde desde cedo. Ele rejeitou veementemente as crenças elitistas e preconceituosas de sua família, que valorizavam a pureza do sangue e desprezavam mestiços e trouxas. Por causa de suas crenças divergentes e seu comportamento rebelde, Sirius foi praticamente deserdado por sua família e deixou a casa dos Black na adolescência, encontrando refúgio com a família Potter. Após a queda de Lord Voldemort, descobriu-se que alguém próximo aos Potters os havia traído, levando à morte de James e Lily, e Sirius foi acusado e preso.

Sobre a história, muitos consideram HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN o melhor livro da série. Dos três iniciais, realmente ele é o melhor. Tem mais mistérios, os personagens apresentam mais profundidade, as situações de perigo são melhor descritas, os inimigos são mantidos em segredo e acontecem diversas surpresas, reviravoltas e revelações do livro, embora certos elementos sejam por demais convenientes pela maneira como foram estruturados para servir ao suspense, em vez de um desenvolvimento lógico. Por esses detalhes, este é o livro que melhor exemplifica como a autora pode ser criativa, mas incapaz de construir uma história coerente.

A introdução da Vira-tempo, um dispositivo que permite a viagem no tempo, é um problema gigantesco, devido às complexidades e implicações inerentes à ideia de viajar no tempo. Qual o motivo do Vira-tempo não ter sido usado em outras situações cruciais na série, especialmente para prevenir certos eventos trágicos? Se o Ministério da Magia tem acesso a tal artefato, por que não o usou para evitar catástrofes ou mortes significativas? Dado o potencial do dispositivo, é um tanto incoerente e irresponsável que o objeto tenha sido confiado a uma estudante simplesmente para que ela pudesse frequentar mais aulas. Mesmo com restrições sobre seu uso, há riscos inerentes em dar a uma adolescente uma ferramenta tão poderosa. Rowling leu as críticas e compreendeu o problema que criou sem necessidade, parece que nos livros posteriores é mencionado que o Vira-tempos foi destruído durante uma batalha no Ministério da Magia. Isso parece uma forma conveniente de eliminar um objeto que poderia, teoricamente, resolver muitos problemas futuros.

Como a história tem o foco quase totalmente centrado em Harry, Sirius e Lupin, os demais personagens não recebem desenvolvimento suficiente neste livro. Também penso que todo o arco em torno de Bicuço e a reação de Draco Malfoy levanta questões sobre o tratamento de criaturas mágicas feito pela autora. Parece haver um descompromisso em como a maldade e indiferença em cima dessas criaturas pode se normalizar. Enquanto Hagrid ensina sobre a importância do respeito e compreensão, a decisão precipitada de executar Bicuço por causa de uma lesão sofrida por Draco demonstra que a autora ainda tem problemas em apresentar a forma como a sociedade lida com animais e a natureza. A representação do Ministério da Magia, em particular Cornelius Fudge, é carregada de incompetência e preconceito, principalmente na maneira como descreve como Sirius Black foi considerado culpado. Apesar desses problemas, que de certa maneira, e em certa quantidade, também existem nos dois primeiros livros, eu gostei mais de HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN, mas se este realmente for o melhor da série, fico preocupado com os próximos quatro livros.

As resenhas dos setes livros de Harry Potter se devem ao compromisso que tenho com o blog de apresentar obras literárias, sejam elas escritas por quem forem. Há resenhas de livros antigos de autores consagrados, como Mark Twain e Monteiro Lobato, por exemplo, que são carregadas de preconceito, machismo, racismo, homofobia, entre outros profundos problemas. Não penso que seja possível separar a obra do autor, pelo menos a nível de entretenimento. Mas penso que é necessário fazer isso a nível profissional, para estudar o que foi escrito e explicar o que há de errado para os tempos atuais.

J. K. Rowling publicou diversos comentários sobre identidade de gênero e direitos trans. Em vários tweets e um ensaio subsequente, ela expressou preocupações sobre o reconhecimento legal da autodeclaração de gênero e o impacto que isso poderia ter nas mulheres. Suas palavras são trans-excludentes e transfóbicas. Como resultado, Rowling é criticada por muitos fãs, ativistas e até mesmo alguns atores dos filmes de Harry Potter.

Rowling também não soube criar uma representação respeitosa e verídica dos povos indígenas norte-americanos em textos relacionados ao universo de Animais Fantásticos. Ela fez apropriação cultural e retratou incorretamente tradições e crenças indígenas. Aliás, os livros da série de Harry Potter possuem uma enorme falta de diversidade, de personagens LGBTQIA+, e excesso de estereótipos em alguns de seus personagens. Rowling, após o final da série, tentou abrandar as críticas alegando que sempre imaginou Albus Dumbledore como gay, mas qual o motivo de não existir o menor indício disso nos livros? Parece apenas uma tentativa de inclusão retroativa. Além de que não existem personagens negros de real importância na série, apenas alguns secundários que pouco aparecem.

Devido a esses, entre outros problemas, não me sinto confortável em recomendar a leitura dos livros. A presente resenha é o resultado do compromisso em escrever sobre todos os livros. Diante do exposto acima, a escolha de leitura é sua. Minha leitura se fez com a edição em capa dura lançada em 2017.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: J.K. Rowling
TRADUÇÃO: Lia Wyler
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2017
PÁGINAS: 288