MANSÃO GALLANT vai acompanhar Olivia, uma pré-adolescente que vive num internato para garotas, regido por um pequeno grupo de governantas “casca grossa”. As aulas giram em torno de aspectos práticos como faxina, culinária e costura, as condições financeiras são precárias, a privacidade das garotas é nula e seus pertences pessoais se resumem a uma cama de solteiro num quarto coletivo e a uma prateleira miúda.

Essa foi uma das melhores leituras da minha vida. A familiaridade com o tema abordado me trouxe um aconchego inexplicável. A todo momento me lembrei de CORALINE (resenha aqui) e de como foi fantástico o momento em que descobri amar aquele tema.

Olivia é uma pessoa muda e de personalidade forte. A única governanta que sabia a linguagem de sinais havia saído, deixando a garota entregue a um eterno silêncio, ao bullying diário e ao desaforo de ter que se comunicar através de um quadro negro pendurado em seu pescoço. Para tornar as coisas um pouco piores, Olivia vê espectros. Ou parte deles. Um olho e um punhado de dentes que a observam de um canto escuro, um queixo pontudo apoiado num braço esquelético escondido debaixo da cama. Ela não sabe por que isso acontece e nem como controlar, apenas aceita o fardo e convive com essa maldição.

Olivia não se recorda de sua vida antes do internato. Apenas sabe, segundo contado pelas governantas, que ela foi deixada na porta do local, quando tinha dois anos de idade, munida de suas roupas do corpo e de um diário verde que pertencia à sua mãe. A garota conhece todas as páginas daquele caderno, mas ainda assim continua lendo-o a fim de decifrar alguma mensagem oculta nas cartas, que não são direcionadas a ela, ou nas imagens borradas em tinta preta.

Certo dia, aos 14 anos, Olivia recebe uma carta. Nela, seu suposto tio diz que há muito a procura e a chama para voltar para casa, para a mansão Gallant. A garota, desnorteada pela notícia e eufórica pela ideia de ter alguém no mundo, embarca na ideia de desvendar os mistérios desse local nem um pouco convencional.

Infelizmente as notas pra esse livro são baixas (e após a leitura posso dizer tranquilamente que metade das opiniões se assemelham a uma criança fazendo birra quando os pais não fornecem o biscoito do sabor que ela deseja). Mas graças a essas mesmas avaliações iniciei a leitura com expectativas baixas. E a surpresa foi maravilhosa.

A aura de mistério envolvendo o passado de Olivia foi algo que me fisgou de imediato. Embora a ideia seja batida e, portanto, muito difícil de surpreender, me vi envolta nessa camada de mistério e sobrenatural que a autora soube muito bem desenvolver. A naturalidade com que ela descreve os espectros, as reações altivas da menina para com as presenças não solicitadas. Tudo foi muito bem arranjado, inclusive o sofrimento da garota perante o bullying e o sentimento de desamparo por não possuir sequer uma única amiga.

O fato de Olivia ser uma pessoa muda foi outro ponto muito positivo. Embora seja adepta da representatividade, nunca havia imaginado como seria estar na pele de alguém com essa condição quando há a necessidade de comunicação e ninguém que saiba ouvir. Em seu novo lar Olivia também possui uma pessoa que sabe a linguagem de sinais, mas ela depende totalmente desse outro para que os demais entendam alguns de seus posicionamentos. Senti algo similar à claustrofobia em dados momentos, principalmente quando há uma cerca discussão onde a garota é totalmente injustiçada.

Devido a essa condição, a leitura é embasada em diálogos de terceiros e num narrador que descreve as reações, emoções e alguns pensamentos da garota. Não me senti incomodada por esse aspecto, já que sou uma pessoa quieta e que geralmente não gosta de falar, mas entendo que possa incomodar alguns leitores (principalmente os que pulam parágrafos quanto há pouca conversação).

A história apresenta poucos personagens, tornando fácil que criemos algum apego por eles. Todos possuem a sua importância e o seu peso no enredo. Tire qualquer um e a história se desestabiliza.

Não consegui encontrar nenhuma ponta solta. A autora deu um fim pra tudo o que se atreveu a inserir, mas entregou um desfecho que poderia ter sido melhor. Devido a toda a importância e poder que foram dados ao vilão, era esperado que houvesse mais. Só que não há, o final é simples, direto e nada feliz, gostem os leitores ou não. Aliás, o final triste me fez gostar ainda mais, justamente porque seria, muito provavelmente, o que aconteceria na vida real.

Indo contra a opinião popular, não encontrei grande diferença na escrita da autora. Ela apenas suprimiu descrições gore, comumente encontradas em VILÃO (resenha aqui), por exemplo. E acredito que está aí o “x” da questão: a autora ousou lançar algo mais leve após tantos best-sellers sangrentos. Acredito que este seja um livro voltado para pré-adolescentes e iniciantes no gênero do sobrenatural.

Embora não tenha gostado tanto do final e ache que a autora tinha, sim, capacidade de desenvolver algo melhor, MANSÃO GALLANT foi uma leitura favoritada e inesquecível que recomendo a todos.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: V. E. Schwab
TRADUÇÃO: Paula DiCarvalho
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 320