Verity Crawford é a autora best-seller por trás de uma série de sucesso. Ela está no auge de sua carreira, aclamada pela crítica e pelo público, no entanto, um súbito e terrível acidente acaba interrompendo suas atividades, deixando-a sem condições de concluir a história… E é nessa complexa circunstância que surge Lowen Ashleigh, uma escritora à beira da falência convidada a escrever, sob um pseudônimo, os três livros restantes da já consolidada série.

Para que consiga entender melhor o processo criativo de Verity com relação aos livros publicados e, ainda, tentar descobrir seus possíveis planos para os próximos, Lowen decide passar alguns dias na casa dos Crawford, imersa no caótico escritório de Verity – e, lá, encontra uma espécie de autobiografia onde a escritora narra os fatos acontecidos desde o dia em que conhece Jeremy, seu marido, até os instantes imediatamente anteriores a seu acidente – incluindo sua perspectiva sobre as tragédias ocorridas às filhas do casal.

Quanto mais o tempo passa, mais Lowen se percebe envolvida em uma confusa rede de mentiras e segredos, e, lentamente, adquire sua própria posição no jogo psicológico que rodeia aquela casa. Emocional e fisicamente atraída por Jeremy, ela precisa decidir: expor uma versão que nem ele conhece sobre a própria esposa ou manter o sigilo dos escritos de Verity?

Livros que misturam gêneros é algo comum. No caso de VERITY, a aposta é na mistura do suspense mais sexo para contar a história. Uma mistura que pode ser encontrada em muitas obras. Entretanto, aqui, o suspense é inexistente e o sexo é genérico, sem qualquer criatividade. Enquanto Lowen investiga a vida e a forma de pensar de Verity, ela se apaixona por Jeremy, e Jeremy por Lowen. Os dois começam a ter relações sexuais, vez ou outra cortadas por algum susto causado pela presença de alguém que não deveria estar presente. Basicamente todos os trechos de suspense se baseiam nessa presença inoportuna.

A narrativa se divide em duas personagens: a maioria dos capítulos são contados por Lowen, e alguns outros são por Verity através de seu diário pessoal. Eu achei a leitura dos diários bem mais interessante do que todo o resto. Muito em razão de ser ele que conduz a história. Os outros capítulos se resumem a uma Lowen demonstrando espanto pelo que lê e seus medos estranhos por uma mulher que está presa a uma cama e que ela pensa estar fingindo.

Lowen tem pouco desenvolvimento como personagem. Sabemos apenas que ela está falida, é uma escritora medíocre, sem livros de sucesso. Mesmo assim é escolhida para completar a tal série best seller, sem qualquer receio por parte da editora de que não consiga. Isso porque, Jeremy, que nunca leu os livros da esposa, Verity, mas leu os de Lowen, acha que ela é a pessoa certa. Assim, do nada, sem qualquer justificativa. Simplesmente é.

VERITY é recheado dessas particularidades sem sentido algum. Muitos trechos existem sem nenhuma ligação com a história, soltos, apenas para causar alguma estranheza, mas sem acrescentar nada de relevante ao enredo principal. Por exemplo, a história começa com Lowen presenciando um atropelamento, cujo sangue da vítima salpica para todos os lados, principalmente em direção a Lowen (e haja insensibilidade, ela se incomoda mais com o sangue na sua roupa do que com a vida perdida). É nesse momento que ela conhece Jeremy. O evento poderia ter a desculpa bizarra de apresentar os dois personagens, mas isso não é verdade, uma vez que eles se reencontram poucas páginas depois, devido à reunião que têm sobre o livro de Verity. Ou seja, eles iriam se encontrar de qualquer forma, e Jeremy já conhecia Lowen pelos livros que leu. O acidente é deixado para trás já no capítulo seguinte e não tem mais qualquer influência na história.

O mesmo acontece com um capítulo dedicado à relação de Lowen com seu agente. Eles tiveram um relacionamento, que não é explorado e é abandonado nas páginas seguintes. O personagem não aparece mais. Serve apenas para insinuar que o relacionamento dos dois não era muito saudável, mas sequer cria algum trauma em Lowen ou serve para algo quando ela começa a se apaixonar por Jeremy. Apenas foi escrito para encher algumas páginas.

Já na casa de Verity e Jeremy, alguns eventos que teriam a finalidade de assustar, acontecem da mesma forma, sem um motivo, apenas para tentar causar algum sentimento em quem lê. Por exemplo, tem um trecho onde Lowen entra no quarto de Verity e encontra o filho dela, Crew, brincando com uma faca. O que uma faca fazia no quarto de uma mulher que não se mexia e não apresentava sinais mentais? Mais para a frente, o leitor pode até considerar que a faca estava escondida por proteção. Mas mesmo assim não há lógica, uma vez que Verity não corria risco algum, afinal ela era uma inválida sem noção da realidade.

Como também não há lógica no constante medo que Lowen sente de Verity. A mulher está indefesa em uma cama. Quando Lowen tem a primeira suspeita de que ela se mexe, penso que a reação natural de qualquer pessoa equilibrada seria de alívio, no mínimo. Mas a reação de Lowen, desde o primeiro momento, é de como se Verity fosse uma assombração de força sobrenatural que se levantaria e começaria a matar todo mundo. Mais para a frente, Lowen até descobre que Verity pode ser uma assassina. Isso poderia explicar seu medo de que Verity estivesse fingindo e resolvesse atacar enquanto Lowen dorme, mas o medo vem bem antes de qualquer suspeita ou descoberta.

VERITY se baseia em uma psicose puerperal para construir sua vilã, que é a rejeição ao bebê pela mãe após o parto, como força motora da história. A doença é reconhecidamente séria e grave, em que algumas mulheres rejeitam cuidados com os filhos, negligenciam o aleitamento e, o pior, podem se tornar uma situação de risco para o bebê. Verity só tem olhos para Jeremy, e as filhas roubam a atenção do marido. Entretanto, em nenhum momento de VERITY, essa doença é tratada como uma doença, ou é explicado como a doença funciona, como pode ser tratada, ou qualquer outra informação. O único uso que a autora faz, de forma irresponsável e ignorante, é criar trechos repugnantes e sádicos de tortura infantil.

Isso é comum em livros da autora, o uso de temas sérios e pesados sem qualquer responsabilidade ou informação, apenas para criar trechos que impactam pela crueldade e como desculpa para que os personagens se aproximem e se apaixonem. É bem isso o que acontece em VERITY. Não há uma preocupação com o sofrimento que as crianças passam nas mãos da mãe, de Verity. Tudo o que acontece, até mesmo a morte de uma delas, é levado como força para justificar o sofrimento do pai, para fazer Lowen se apaixonar e se compadecer dele, e para tornar Verity na vilã da história.

O trecho em que Verity coloca os dedos na boca da filha recém nascida, não é a descrição da ação de uma mulher doente, com psicose puerperal, mas a descrição de um ato isolado de tortura infantil. E todas as explicações que existem para esses atos, são a de uma mulher com fixação em um homem, coisa também bem rotineira nos livros da autora, onde a figura masculina é isolada em um pedestal, não importa o quão tóxico esse homem possa ser, com uma ou mais mulheres se degladiando para o conquistar.

Preciso também comentar outros trechos que demonstram a incompetência em se passar informações verídicas sobre temas importantes. Em um deles, ela descreve o ato sexual de Lowen e Jeremy, onde eles não têm preservativo e onde Lowen afirma que não toma anticoncepcionais. A resposta que a autora coloca na boca de Jeremy, é que ele irá retirar o pênis antes de ejacular. E Lowen aceita sem qualquer descrença. Isso é absurdo em tantos níveis, que precisei ler duas vezes para confirmar que realmente estava escrito. Ainda mais que a grande maioria do público que lê a autora, está em uma idade de desenvolvimento sexual e de dúvidas sobre proteção.

Existe a possibilidade de o líquido pré-ejaculatório conter esperma, por isso é possível engravidar mesmo que não ocorra a ejaculação na vagina. O método de coito interrompido foi abandonado há décadas, mas devido a desinformações, como essa que está explícita em VERITY, é um dos principais responsáveis para uma gravidez não planejada. Ainda mais entre jovens, onde é comum o garoto afirmar que é seguro remover o pênis antes da ejaculação apenas para não ter que usar preservativo. E isso sem mencionar o risco de transmissão de doenças.

Em outra passagem, a autora relaciona de forma direta comportamentos violentos e até mesmo assassinatos com jogos de video games. Ela escreve que um determinado personagem, de quem Lowen suspeita que possa ter herdado a maldade de outro, apresenta um sinal positivo de comportamento por não estar jogando GTA e Fallout, dois dos mais conhecidos e consumidos jogos do mundo. A mensagem que passa é a de que uma pessoa que joga algo violento, pode ser induzida a praticar o que faz no jogo. É uma afirmação irresponsável, primitiva, refutada por psicólogos e estudiosos ao redor do mundo.

E no final do livro, somos presenteados com aquilo que também é comum nos livros da autora, romantizar e justificar um ato hediondo em nome do amor de uma mulher por um homem. E agora vou soltar alguns spoilers, então esteja avisada. Lowen descobre que Jeremy pode ter provocado o acidente que colocou Verity como inválida, que ele executou uma tentativa de homicídio depois que descobre que Verity foi a responsável pela morte de uma das filhas. Lowen aceita como normal, afinal ama Jeremy e compreende seu instinto de assassino.

Na história não há qualquer indício de que o aceitável seria levar as provas à polícia, levar Verity a um julgamento e a colocar na prisão. Isso porque a prova do crime desaparece e Jeremy não consegue encontrar, mesmo procurando em todos os lugares, inclusive no computador de Verity. Mas vejam que Lowen, no primeiro momento que liga o computador para pesquisar informações que a ajudem a finalizar os livros, ela esbarra na prova do crime imediatamente. O que a autora indica é justiça com as próprias mãos. E isso se repete logo em seguida, quando Jeremy descobre que Verity está fingindo. Então ele tenta matá-la novamente, mas quando não consegue, quando desiste, Lowen surge com uma solução que não seria detectada pela polícia, e Jeremy aceita. Desta vez, ele consegue matar Verity.

Em todo esse trecho, bastante romantizado pelo amor que Lowen sente por Jeremy, fica explícito de que o certo é matar uma pessoa por vingança. Que não existe justiça a não ser aquela perpetuada pelas próprias mãos. Eles matam uma pessoa e está tudo bem, afinal eles se amam. E a coisa fica mais séria, quando Lowen descobre que talvez Verity não tivesse matado a filha, afinal, tudo pode ter passado de um mal entendido. Não há espaço para remorso, Lowen pensa apenas que deve ser fiel ao amor que sente por Jeremy e está tudo bem. E essa é mais uma das características dos livros da autora, a indicação de que qualquer ato é justificável pelo amor de uma mulher a um homem, o homem como centro do universo feminino, tudo mascarado com a desculpa do felizes para sempre.

VERITY apresenta uma história doentia, irresponsável, cheia de equívocos, furos, com personagens rasos e cruéis. A escrita transforma o amor em algo miserável e coloca a mulher no papel de total dependente da figura masculina, novamente, onde qualquer ato do homem pode ser justificado e perdoado. Incrível como algo assim pode ser lido e admirado…


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Colleen Hoover
TRADUÇÃO: Thaís Britto
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 320