A cantora Sia é mundialmente conhecida graças a seus diversos hits pops que dominaram as paradas em todo o mundo. Ela ficou famosa cantando de costas, com o rosto tampado, com seus poderosos vocais. Agora ela parte para o cinema e está aqui entregando seu primeiro longa-metragem. E sua carreira na direção, já começa com ela entregando um dos filmes mais horríveis, nocivos e perigosos que o cinema já viu. Vem que eu te conto tudo!

O projeto se chama MUSIC e acompanha uma jovem autista chamada Music que está passando por mudanças na vida. Ela vivia com sua mãe, mas depois da mesma falecer, a meia-irmã vem para cuidar da menina. E a convivência delas não será nada fácil, já que Zu, sua meia-irmã, luta para se manter longe de bebidas alcoólicas e não sabe quase nada sobre como dar suporte a uma pessoa autista. Junto de seu vizinho, Zu questiona os rumos de sua vida, enquanto carrega Music para todos os lados.

É interessante contextualizar que o filme já nasceu polêmico antes mesmo do seu lançamento, graças à produção que escalou uma atriz não autista para o papel principal. O manto de protagonista ficou com a dançarina Maddie Ziegler, parceira de longa data da própria Sia, já tendo estrelado vários clipes musicais da cantora. A chuva de críticas foi grande para a Sia, porém a mesma se pôs na defensiva e protagonizou uma ridícula discussão no Twitter, onde a mesma disse que procurou e não achou nenhuma atriz autista competente para estrelar o filme. E as polêmicas não ficaram por aí, as pessoas mal esperavam o que o filme iria dizer e, para a surpresa de muitos, o resultado final é uma autêntica catástrofe.

No filme, Music é uma jovem com o espectro autista contextualizado da maneira mais clichê possível. Ela mal consegue se comunicar, tem dificuldades de locomoção, tem dificuldades em se manter quieta e frequentemente sofre ataques de nervos que, no filme, só servem para irritar os outros personagens. Claro que existem, sim, pessoas com um grau tão severo de espectro, mas os autistas não são apenas pessoas que necessitam de ajuda para tudo, que não conseguem viver sozinhos. A escolha da diretora, além de ser infeliz, só piora quando temos uma atriz não autista imitando uma pessoa autista de maneira exagerada, caricata e até mesmo ofensiva. O desempenho da protagonista é uma das maiores vergonhas que o cinema já viu recentemente e é uma culpa em conjunto da Sia, diretora e também roteirista, que guiou a sua atriz para um show de horrores ofensivo e estereotipado, botando a ideia na cabeça das pessoas que um autista é assim, um incômodo para as pessoas ao seu redor.

E eu esqueci de citar que o filme é um musical e as coisas seguem ladeira abaixo, já que a protagonista mantém a calma graças às músicas que ela ouve sem parar. Ela vive com seu reprodutor de música e fone de ouvido e como o filme representa o que se passa na cabeça da personagem? Através de clipes musicais. A cada dez minutos, o filme é pausado e do nada começa uma sequência musical com os personagens cantando músicas pop dançantes em cenários coloridos e vibrantes. Nada combina com nada, a quebra de tom é tão violenta, que o espectador sente a porrada de longe. As canções são genéricas e as letras dizem pouco ou quase nada sobre o que estávamos assistindo. É um show de futilidades brega e de mau gosto. Toda a trilha sonora vem de um álbum novo da própria Sia, e como as coisas sempre podem piorar, a própria cantora faz uma participação durante o filme. Com direito a “easter eggs” da própria carreira da cantora, o filme nos apresenta uma cena ridícula onde Sia faz propaganda de si mesma em frente às personagens. E tudo fica por isso mesmo, o filme é dela, então porque ela não pode aparecer um pouco? Porque ela também não pode usar a pauta dos autistas para engrandecer?

Me desculpe, mas as coisas ainda vão piorar. Agora chegamos ao fundo do poço, onde o filme apresenta cenas onde literalmente coisas perigosas são propagadas para os espectadores. Dando um exemplo, existe uma cena onde Music tem um ataque e, para acalmá-la, o filme faz um personagem imobilizar a mesma usando a força até o ataque passar. Porém, imobilizar autistas é extremamente perigoso e não recomendável para ninguém, pois isso pode agravar os ataques e até mesmo ceifar a vida do imobilizado, que não entende o que está acontecendo. Existem diversos casos reais de imobilização que acabaram em óbito. Esse é apenas um exemplo e infelizmente não é o único presente na produção.

E quem assiste se pergunta: como um filme desses conseguiu ser produzido? A resposta para essa pergunta é difícil, mas quando se tem influência, dinheiro e poder, como a cantora Sia tem, dificilmente alguém irá lhe negar algo. MUSIC é um projeto que não teve nenhuma consultoria com especialistas em autismo para mostrar como pessoas assim devem ser representadas. Não tem envolvimento de autistas em grandes cargos da produção. Eles aqui são usados apenas de trampolim pela cantora Sia que é tudo, diretora, roteirista, produtora, compositora e etc. Usados para engrandecer a mesma, fazer bonito em premiações e fazer dela uma boa samaritana perante os militantes das causas na Internet. Da forma que o projeto foi feito, com tanto poder nas mãos de apenas uma pessoa, uma pessoa que não tinha a menor ideia do que estava fazendo, nunca poderia dar certo. E os resultados estão aqui, um dos filmes mais criticados da história, destruído pela crítica especializada, por especialistas, pelos autistas, pelos militantes e por todos que pararem para entender o quão grave o filme MUSIC é.

O motivo de eu trazer esse filme para análise é para a gente nunca levar como verdade o que um filme nos diz. Pesquise, reflita e questione tudo o que o cinema te mostrar. Não se deixe guiar pelo melodrama sem antes saber se ele é agressivo para outros ou não. Não posso julgar, com certeza, as intenções da diretora Sia, talvez ela quisesse realmente fazer algo representativo para pessoas que são tão pouco visibilizadas nas grandes mídias. Porém de boa intenção o inferno está cheio. Trazer pessoas que entendem do assunto para a produção é o básico, na verdade é o obrigatório para qualquer filme. E as respostas na defensiva da diretora após os questionamentos, só mostram que ela é uma pessoa prepotente que nunca vai assumir seu erro. Então o que resta para nós é saber dos perigos desse filme e divulgar isso ao máximo, não podemos deixar ninguém ser seduzido por essa obra perigosa, radioativa e ofensiva.


DIREÇÃO: Sia
DISTRIBUIÇÃO: Cinecolor
DURAÇÃO: 1 hora e 37 minutos
ELENCO: Kate HUDSON, Leslie ODOM JR, Maddie ZIEGLER