É um consenso o fato de que o ano de 2020 foi muito ruim em quase todos os sentidos. E no cinema, tivemos uma perda surreal que me deixa incrédulo até hoje. Chadwick Boseman, mundialmente conhecido pelo papel do grande PANTERA NEGRA, nos deixou com apenas 44 anos, vitima de um câncer. E seu último trabalho nos cinemas chegou pela Netflix, A VOZ SUPREMA DO BLUES, que traz seu último e melhor desempenho, vem conhecer mais!

Em um dia extremamente quente, a lenda e mãe do blues, Ma Rainey se junta com a banda para a gravação de um disco contendo os seus maiores sucessos. Mas a cantora não aceita desaforo de pessoas brancas e muito menos ter sua importância não valorizada. Sendo uma das cantoras de palco mais famosas do momento, ela quer todas as suas vontades sendo realizadas. Mas para um dos membros de sua banda, o sonhador Levee, que comanda o saxofone, ver e ficar calado enquanto o caos domina essa simples gravação não é uma opção.

A produção é uma adaptação para os cinemas de uma peça de teatro e a direção do filme não faz muita coisa para se afastar dos palcos, já que o filme tem poucos cenários, poucas transições e um tom que conversa demais com a linguagem que deu vida a essa história. A trama de fato é bem simples, uma cantora negra que é uma lenda dos palcos, fonte de renda de uma gravadora de brancos, vai lá gravar seu disco, porém tudo tem que ser feito da maneira dela e as várias imposições que ela coloca no processo, vão testar a paciência de todos. É uma dinâmica bem simples que só tem um caminho para seguir, mas que nunca fica repetitiva, graças às outras pequenas tramas de qualidade que o roteiro insere.

Talvez o personagem mais interessante seja Levee, vivido por Chadwick. Ele é apenas um membro da banda, mas o mesmo sabe que pode ir além, dedica bastante tempo para a composição de suas canções e sonha em ser contratado como um artista solo. Mas seu temperamento explosivo e sua vontade de contestar tudo, fazem sua personalidade ser algo que poucos querem abraçar. Ele não é uma pessoa fácil e seus vários traumas, fizeram o personagem ser uma pessoa dura e muito amargurada. E Chadwick transmite tudo isso com um talento sem igual. As várias nuances que o personagem pedia e as repentinas mudanças de trejeitos, Chadwick entrega tudo e muito mais. Seu personagem é como um livro, que a cada novo capítulo, ou diálogo, revela uma torrente de informações importantes. Uma atuação de extrema qualidade e sem exageros, muito triste saber que esse foi seu último papel, porém encerrou sua passagem pelo cinema de maneira magistral num desempenho que clama por prêmios.

E quem dá vida a Ma Rainey é a lendária Viola Davis em mais um desempenho de cair o queixo, mas isso não é novidade tendo em vista a sua carreira. A transformação da atriz para esse grande ícone da música negra é surreal e abrange tudo. Forma física, voz, postura e trejeitos. Viola está totalmente mergulhada em sua personagem que também é um livro cheio de detalhes e segredos. Um desempenho surreal que só um louco não conseguiria ver a qualidade.

O elenco de coadjuvantes também arrasa em cena e a produção nos leva para um Estados Unidos quente, antigo e charmoso. Os figurinos são divinos, os cenários belíssimos, a maquiagem e o cabelo tem tantos detalhes que deixam o espectador até tonto. Visualmente o filme é um primor e a trilha sonora só vem para deixar tudo o que já era bom, melhor.

A produção caminha para ser extremamente lembrada na temporada de premiações e dificilmente será ignorada. O filme tem mais ou menos uma hora e meia de duração e não é uma biografia de Ma Rainey, ele aborda apenas esse capítulo de sua vida, que aqui foi expandido e dramatizado trazendo questões chocantes e importantes. Não é um filme para todos, mas vale demais em tributo ao grande Chadwick, com o desempenho supremo de sua carreira, e também por Viola Davis, mostrando mais uma vez que é de fato uma das maiores e melhores atrizes que o cinema já viu. Perda de tempo não vai ser, eu garanto!


DIREÇÃO: George C. WOLFE
DISTRIBUIÇÃO: Netflix
DURAÇÃO: 1 hora e 35 minutos
ELENCO: Viola DAVIS, Chadwick BOSEMAN