DO QUE ESTAMOS FALANDO QUANDO FALAMOS DE ESTUPRO é um lançamento da editora Vestígio, escrito por Sohaila Abdulali, pesquisadora e sobrevivente de um estupro coletivo que sofreu aos 17 anos, que trata de uma realidade tão polêmica e velada: a cultura do estupro!
No primeiro capítulo, intitulado “Quem sou eu para falar?“, a autora conta sua história e como sofreu um estupro coletivo pouco tempo após se mudar para os Estados Unidos com a família . E, por incrível que pareça, ela fala sobre isso de modo tão simples, que nos causa estranhamento. Como assim ela quase morreu após ser violentada por quatro homens e fala como se não fosse nada demais? Esse foi meu primeiro pensamento, mas, aos poucos, compreendemos suas ideias e sua história de superação.
Precisamos falar sobre estupro, e precisamos examinar de que maneira estamos falando sobre estupro.
Claro que ela passou por momentos terríveis, mas o estupro não a define como mulher e não altera seu valor. O mais interessante é que, ao longo do livro, o foco não é mantido na violência sofrida pelas vítimas, e sim no que acontece com essa pessoa depois: o trauma, o apoio (ou falta dele) de pessoas próximas, modos de enfrentamento…
Após a eleição presidencial dos Estados Unidos que elegeu Donald Trump, muitas mulheres com histórico de violência reagiram fortemente à ideia de serem representadas por um homem que disse publicamente: “Agarre-as pela buceta“. E por que essa revolta? Mais uma vez em suas vidas, alguém que deveria protegê-las e representa-las, usava do poder para abusar delas. Apesar da triste eleição de um candidato extremamente machista, isso colaborou com o projeto #MeToo, criado em 2016 nas redes sociais para denunciar assédios, e essa hashtag é compartilhada por homens e mulheres que já sofreram algum tipo de agressão sexual.
Quando o presidente do país alardeia ter agredido mulheres, ele pode igualmente estar emitindo um sinal aos homens de que essa é uma maneira aceitável de agir, e dizendo às mulheres que ser atacada e desumanizada é o que lhes cabe.
Confesso que, para mim, a violência sexual é o pior dos crimes, me causa náuseas ver no noticiário incontáveis mulheres sendo machucadas por familiares, maridos, estranhos… E por quê? Por raiva da crueldade do estuprador, seu desprezo com os sentimentos da vítima; eles seguem suas vidas normalmente e não dão a mínima. O estupro é o único crime que causa tanta revolta na sociedade ao ponto das pessoas acharem que os homens devam ser castigados de maneira cruel e torturante e que a prisão não é suficiente. Sempre me indignou ouvir opiniões que culpavam as vítimas por sua vestimenta, por estarem fora de casa à noite, por beberem numa balada ou por estarem em local indevido, por exemplo; se alguém é roubado na rua, ninguém culpa o pobre coitado que perdeu o celular e o relógio caro, mas quando se trata de uma mulher violentada, eles julgam e tratam-na como se ela tivesse merecido. Culpar a vítima vai contra todo o conceito de colocar a responsabilidade no agressor!
Reagi e disse que eles não podiam ter feito aqui. Ele disse: “Você estava bêbada numa casa noturna; esperava o quê?”
Agressões sexuais de profissionais do sexo são bastante comuns, por serem vistas como promíscuas e não merecedoras de respeito, já que são pagas para fazer “coisas sujas“, o que é uma ideia extremamente preconceituosa da sociedade do século XXI.
Ser uma profissional do sexo não significa que você merece ser estuprada. Ser uma esposa também não.
Outro extremo, são os casos de mulheres violentadas pelos próprios maridos, e pior ainda, homens que se casam com a pessoa que estupraram a fim de não serem penalizados, o que é muito comum no Kuwait. Uma vítima enfrenta tantas dificuldades para seguir sua vida após o trauma, imagine ter que viver sob o mesmo teto que seu estuprador…
A narrativa evidencia a forma como as vítimas se sentem após a violência, principalmente quanto a forma que são desacreditadas por profissionais pagos para ajuda-las. Um dos fatores que colaboram para que essas pessoas escondam o ocorrido, é a ideia de vitimização que muitos têm, como se a mulher quisesse apenas chamar atenção e fingir fragilidade; elas enfrentam grande descrédito, escárnio ou até excitação sexual. Mas quando você conta a alguém a sua história para denunciar seu estuprador, você reassume o controle, deixando de ser “somente” a vítima. Assim, consegue apoio físico e psicológico para se recuperar e seguir em frente!
Segundo Abdulali, a mulher não tem nenhuma obrigação, após o evento, a não ser sobreviver a ele… Mas esse relato vai contra a impunidade e pode trazer uma mudança real. Porém, existem duas vertentes: se você denuncia, é uma vítima indefesa que deseja compaixão; e caso você se mostre forte, significa que não foi tão ruim assim, então, para quê falar sobre isso e arruinar a vida daquele pobre homem?
Usar saia curta, usar maquiagem, saber dirigir, deixar seu hijab em casa. Ter nascido mulher. Somos culpadas por tudo isso e muito mais; então, é claro que acabamos internalizando esse sentimento.
Muitas vezes nos questionamos sobre o motivo do silêncio dessas pessoas após o crime. Por que não denunciam? Todos possuem algum trauma, alguma situação difícil de expor por diversos motivos; a escritora expressou de forma tão clara isso nesse parágrafo que acho primordial compartilhar: “Por que calamos? A resposta fácil é ‘por vergonha’, e com frequência a razão é essa mesmo. Acabamos achando que a falha foi nossa, por estarmos disponíveis ou vulneráveis, ou pela ingenuidade de não ter percebido a tempo. Em todo o mundo, nos culpamos, incapazes de considerar que foi outro ser humano que cometeu o crime. É mais fácil sentir-se envergonhada do que aceitar que alguém violou nossa intimidade da maneira mais perversa, e que não fomos capazes de fazer nada.“. Ler esse trecho me doeu, pois verbaliza de forma direta o que tantas pessoas enfrentam diariamente.
Estupro não é sexo. Do mesmo jeito que acertar a cabeça de alguém com um pau de macarrão não é culinária.
Como podemos ajudar uma vítima? Oferecendo apoio incondicional, sem julgamentos e rejeições. Dessa forma, o indivíduo não se sentirá culpado, terá com quem conversar abertamente, além de se sentir aceito por alguém que ama. Existem pessoas maravilhosas nesse mundo, e várias delas se sensibilizam com as vítimas e oferecem ajuda a fim de melhorar suas vidas. Ajude seu próximo e tenha empatia! Seja uma pessoa incrível!
A escrita de Sohaila é leve e descontraída, mas não se deixe enganar. Os temas abordados são pesados e merecem reflexão, principalmente por serem a realidade atual e porque o estupro é perturbador. A leitura é bem tranquila devido ao tipo de narrativa, porém é permeada por fatos asquerosos que geram incômodo e aflição; nos faz pensar sobre a crueldade do ser humano, até onde ele é capaz de chegar para conseguir o que quer.
Essa obra é tão valiosa, preenchida por informações muito importantes e provocadora de reflexões valiosas! Todo mundo deveria ler e pensar um pouco sobre o mundo ao seu redor e a cultura do estupro. E para finalizar esta resenha, deixo um trecho do livro: “Como espécie, somos impressionantes. Então, por que é tão difícil descobrir onde é que você deve e onde não deve pôr o seu pênis? Ou compreender que ninguém pede para ser estuprado?“.
AVALIAÇAO:
AUTORA: Sohaila ABDULALI nasceu em Bombaim, na Índia, e vive em Nova York. Formada em Economia e Sociologia pela Brandeis University, é jornalista e editora freelancer, tendo publicado romances, livros infantis, contos e trabalhos de não-ficção.
TRADUÇAO: Luis Reyes GIL
EDITORA: Vestígio
PUBLICAÇAO: 2019
PÁGINAS: 256
COMPRAR: Amazon
Chega a ser assustador pensar que pessoas pensam que existem circunstâncias impossíveis de estupro, como prostituição, filme porno, dentro do casamento, definindo pela roupa. Parece um livro bem forte e necessário.
É importante demais desmistificar coisas, tirar rótulos e expor a verdade.
Oi, Dandara. É um assunto muito velado, o que leva a muita ignorância. Acredito que todos deveriam ler essa obra e entender mais sobre o assunto, vale a pena. Beijos.
Sem dúvida é um tema que embrulha o estômago mas que precisa ser discutido. O Silêncio nesses casos é ensurdecedor.
Há muito o que ser aprendido sobre a cultura do estupro. Para que nos sintamos protegidas, para dar suporte as vítimas, para que não aconteça mais.
Abdulali é uma sobrevivente! Usa sua experiência para educar e ajudar.
Oi, Michelle. É um crime que afeta a vida de muita gente, não só da vítima, que é a mais prejudicada, claro. Mas é um livro forte mesmo, embrulha o estômago COM CERTEZA! Temos muito a evoluir ainda, esperamos que isso aconteça nos próximos anos cada vez mais. Beijos.
Olá! O livro traz um tema muito forte, mas que merece sim ser discutido, afinal (infelizmente) é mais corriqueiro do que possamos imaginar. É tão assustador (e revoltante) saber que em algumas culturas a mulher é obrigada a casar com seu estuprador. Acho que a leitura, sem dúvida, vai colaborar e muito para aquelas pessoas que passaram por situações parecidas e também para aquelas que acabam não sabendo como ajudar nesses momentos.
Oi, Elizete. Realmente, o mundo ainda preciso aprender muito sobre esse crime e trabalhar novas formas de enfrentamento. É uma situação “comum” demais, o que é errado, deveria ser causadora de horror. Mas não podemos perder as esperanças… Beijos.
Esta cultura é algo que precisa ser tão falado. Sei lá, acho que ainda existam mulheres que pensem que isso é normal, comum e que de uma forma estranha,são obrigadas a aceitarem e se calarem.
Carregando inúmeros traumas internos,mesmo que muitas vezes não façam ideia disso.
Ainda não conhecia este livro e sim, a princípio ele assusta muito, pela normalidade que a autora mostra a história. Trazendo esse lado do normal e do conseguir sobreviver a um horror deste porte(na minha opinião, uma morte lenta e inimaginável)
Com certeza, quero muito conferir essa história!!!
Beijo
Oi, Angela. Infelizmente, é um crime muito comum e velado, muitas nem compreendem o que acontece e as opções que possuem para obter ajuda. Leia esse livro, vale muito a pena e esclarece tantas coisas essenciais, Beijos.
Olá Sara!
Acredito que deve ser uma experiência no mínimo forte acompanhar o relato de Abdulali, que por meio de uma escrita sensível torna o assunto ainda mais profundo do que se fosse jogado de forma direta e brusca para o leitor. De fato, o estupro é uma realidade lamentável que traz um trauma incalculável para a vítima, a qual se torna introspectiva justamente pela sociedade machista que insiste em considerá-la culpada. Nesse sentido, a obra tem o poder de nos conscientizar e sensibilizar para com o tema, de modo que estejamos aptos a prestar assistência e apoio e contribuir para a extinção desse crime hediondo.
Beijos.
Oi, Alison. A leitura é “leve” pela forma como a autora escreve, mas o assunto é bastante pesado, principalmente, nos trechos com relatos de vítimas e estupradores… É um soco no estômago, causa mal estar meeesmo! Acho que o mais revoltante é a forma como as pessoas lidam com as vítimas que seguem em frente “normalmente”, acham que nada aconteceu, que tudo foi inventado para chamar atenção… Todos deveriam ler esse livro e se conscientizar sobre esse crime e seus impactos. Com certeza! Ajudaríamos muito mais as vítimas, além de enfrentar o estupro de modo diferente. Beijos.
Olá! Esse livro é tão importante, trata de temas que com toda certeza merecem reflexão. É preciso pensar e falar sobre a cultura do estupro.
É tão revoltante quando colocam a culpa na vítima, que precisa de ajuda, proteção, cuidados, e não de pessoas julgando-a e culpando-a por algo de que não tem culpa alguma. Me sinto nauseada só de pensar que existem lugares onde o estuprador se casa com a vítima, e esta tem que conviver todos os dias com alguém que tanto a machucou e desrespeitou.
De fato, todo mundo deveria ler esse livro!
Beijos!
Oi, Rayssa. Definitivamente! É o tipo de livro que tira a gente da zona de conforto e faz diferença. Eu tive a mesma sensação quando li o capítulo sobre países em que o estuprador se casa com a sua vítima para se livrar do julgamento: QUE NOJO! Beijos.
Oi, Sara!
Que livro mais interessante e acima de tudo necessário pois a cultura de estupro ainda é muito forte e principalmente quando temos representantes machistas no poder. Sem dúvida é um livro importante para conhecermos mais o que essas vitimas sofreram e como podemos ajudar também.
Bjs
Oi, Marta. O livro é sensacional, todos deveriam ler. Vai tirar os leitores da zona de conforto e nos por para pensar sobre o mundo em que vivemos. Beijos.
Olá Sara!
Nossa, sem dúvida essa é ao mesmo tempo uma leitura necessária mas desafiadora, pois como você disse há muitas questões ao se considerar quando refletimos sobre o tema. Além de ser um crime repulsivo, ele deixa marcas psicológicas muito fortes. Acho muito bacana a atitude da autora de compartilhar sua história a fim de ser solidária com as outras vítimas e assim confortá-las de algum modo. Tem empatia e ser solidário com quem sofreu esse tipo de violência é imprescindível.
Beijos
Oi, Aline. Concordo plenamente! A autora foi extremamente forte ao se expor de tal modo a fim de ajudar outras pessoas que sofreram abusos, fantástica sua atitude. Precisamos entender melhor esse crime e como ajudar vítimas e lidar com isso. Beijos.
Sara esse assunto é muito sério e falar sobre ele causa constrangimento em muitas pessoas, porque elas não se sentem seguras de expor seus medos e experiências. O estupro é mais comum do que imaginamos e do que conhecemos e por causa da grande parcela de machismo que carregamos somos estranhos ao que acontece do lado da gente. Vi uma frase outro dia que me chocou e me fez refletir: Toda mulher conhece uma mulher que já tenha sido estuprada, mas nenhum homem conhece um estuprador.
isso nos mostra que ainda existe uma cultura de acreditar nos “costumes” dos homens como algo natural. Amei a sua resenha e já quero esse livro pra minha vida, e pra minha filha futuramente!
Oi, Adriana. Com certeza! É um tema pesado, mas muito necessário, pois, infelizmente, é nossa realidade. =( Leia! Vale a pena. Fico feliz que tenha gostado da resenha. Beijos.
Oi, Sara
Sem dúvidas é um assunto que merece ser discutido e várias pessoas ter acesso ao livro.
Nossa como pode num país liberar o casamento com seu agressor isso é um absurdo.
Admiro muito a autora por escrever o livro e falar abertamente sobre o estupro, que muitas mulheres passam por isso e não falam por vergonha ou medo.
Quero poder ler o livro, beijos!
Oi, Luana. Com certeza! A autora é uma referência para outras vítimas, mas enfrentou muitas barreiras para escrever suas obras, uma verdadeira guerreira. Vale a pena a leitura. Beijos.