Durante a maior seca que o sertão já viveu, pessoas abandonaram suas vilas em busca de água. Rios que traziam vida para a população agora não passam de marcas na terra, cicatrizes de um mundo passado. E é nesse mundo que vive Délia, uma garota inspirada por contos heroicos que deixa sua casa para trazer a água de volta para sua casa.
Todas as noites, Délia dorme ouvindo sua avó contando histórias. Contos sobre um herói empunhando uma espada e um escudo, derrotando monstros, escalando montanhas, salvando seu reino das forças do mal. O mesmo herói que todos conhecemos, que nos inspira a enfrentar as injustiças do mundo.
Ao ver sua avó adoecer, o rio secando e o mundo sendo tomado por desesperança, Délia sabe o que fazer. Ela se prepara para uma jornada, que a levará através do sertão, encontrando todos os tipos de criaturas que habitam o semi-árido, até a fonte dos males. A seca a transformará, mas ela não conseguirá completar a travessia sem ajuda.
A leitura de “Romaria” nos leva por uma mistura de realidade e fantasia. Na história, Délia embarca em uma missão para buscar água para sua avó e, durante essa jornada, ela oscila entre as duras realidades humanas e as fantasias que usa como escape. À medida que a narrativa avança, muitas vezes nos perguntamos se os eventos são reais ou apenas fruto da imaginação de Délia. No entanto, essa incerteza não é crucial para a compreensão da obra. A mensagem do livro permanece clara e impactante, independentemente de como o leitor interpreta a linha entre o que é real e o que é imaginário.
Na história de “Romaria“, Délia atravessa a fronteira entre o real e o fantástico, encontrando personagens marcantes ao longo do caminho. Alguns são assustadores, enquanto outros mostram-se heróicos, tão corajosos quanto ela. Sua jornada a conduz ao confronto direto com um vilão que simboliza a ambição e o descaso, uma luta pela posse da água essencial para salvar sua comunidade. Durante esse confronto, o vilão enfrenta uma escolha entre dois caminhos, deixando a decisão final nas mãos do leitor. Embora eu pessoalmente não seja fã de finais abertos, reconheço que essa escolha pode enriquecer a experiência de leitura, convidando cada um a ponderar o desfecho que considera mais justo ou adequado.
A arte de “Romaria” se destaca pelo uso expressivo do preto e branco, criando um contraste forte que dá profundidade e intensidade à narrativa. Os traços são detalhados e firmes, capturando as emoções e ações dos personagens de maneira muito viva. As expressões faciais são bem definidas e carregadas de emoção, transmitindo claramente os sentimentos dos personagens, seja de desespero, determinação ou surpresa. A composição dos quadros é dinâmica, com uma boa variação entre planos próximos e distantes, o que ajuda a criar uma sensação de movimento e tensão.
Além disso, a representação da ação é feita de forma eficaz, utilizando linhas de movimento e posicionamento dos personagens para sugerir intensidade e impacto. A escolha de não usar cores permite que o foco fique nos detalhes do desenho e nas expressões dos personagens, realçando a narrativa visual. Os cenários e elementos de fundo, embora detalhados, não distraem da ação principal, contribuindo para uma leitura fluida e envolvente.
“Romaria” é um quadrinho que teve início em 2018 como um projeto no Catarse e foi recentemente descoberto pela JBC. A editora tem feito isso com frequência, publicando excelentes histórias nacionais que antes eram conhecidas apenas em eventos e feiras de quadrinhos. Com essa iniciativa, a JBC abre espaço para escritores e artistas brasileiros talentosos, dando a essas obras uma visibilidade maior em todo o país. É uma iniciativa muito bem-vinda, que traz um novo fôlego para o mercado de quadrinhos nacional.
AVALIAÇÃO:
AUTORES: Jun Sugiyama e Alexandre Carvalho ILUSTRAÇÃO: Jun Sugiyama e Alexandre Carvalho EDITORA: JBC PUBLICAÇÃO: 2024 PÁGINAS: 144 COMPRE: Amazon |