Lucas tem dezoito anos e a vida aparentemente perfeita. Foi adotado por uma família rica, mora em Portugal, tem amigos e uma namorada que ama. Lá no fundo, no entanto, as coisas não são tão maravilhosas assim. Ao descobrir que a namorada o está traindo com seu melhor amigo e que seus pais terão um filho biológico, o jovem toma a drástica decisão de tirar a própria vida.

Prestes a pular do topo de um edifício e acabar com tudo ali mesmo, uma mensagem em seu celular faz com que Lucas mude de ideia na hora. Trata-se de um link para um canal de vídeos de Rafael, uma pessoa que é a sua cara e ele simplesmente não fazia ideia de que existia, Rafael é a cópia de Lucas, exceto pelo fato de ter deficiência visual e vir de uma família humilde. Depressivo e ainda desmotivado a viver, Lucas decide fugir para o interior do Rio de Janeiro atrás de Rafael e de respostas. Seriam eles irmãos gêmeos mesmo? Quem são os pais biológicos e por que os separaram?

A depressão é uma doença psiquiátrica crônica e recorrente que produz uma alteração do humor caracterizada por uma tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, bem como a uma série de distúrbios físicos e mentais. Estudos indicam vários fatores que podem levar uma pessoa a ser acometida de depressão, mas nem todos são regras e é necessária a combinação de vários deles, incluindo fatores genéticos e bioquímicos, para se chegar a um diagnóstico mais preciso. Traumas, estresse, perdas emocionais, relacionamentos tóxicos e violentos, problemas pessoais e sociais, doenças físicas, descontentamento físico, ou mesmo transtornos mentais – tudo isso, e muito mais, pode originar a depressão, causando na pessoa mudanças repentinas e inconstantes.

Não existe um padrão no comportamento de quem está com depressão. A pessoa pode estar de bom humor a maior parte do tempo e ficar triste quando está sozinha, sem ninguém como testemunha. Ela pode perder o interesse em atividades sem qualquer motivo aparente, pode perder o sono ou até dormir demais. Pode ficar agitada, sempre querendo fazer algo, ou pode se trancar no quarto sem fazer nada. São comportamentos e sentimentos contraditórios que são difíceis de identificar sem ajuda.

A depressão tem tratamento; existem medicamentos antidepressivos eficazes que podem ajudar a melhorar a maneira como o cérebro usa certas substâncias químicas que controlam o humor ou o estresse. Há também a necessidade de acompanhamento psicoterápico, chamado de terapia cognitivo-comportamental, que ajuda a pessoa a aprender habilidades para lidar com situações estressantes, reconhecer e mudar comportamentos ou pensamentos negativos, gerenciar seu temperamento e desenvolver habilidades de enfrentamento.

Uma das mais graves consequências da depressão, quando não tratada e acompanhada, é o suicídio. Ela é uma das maiores causas de suicídio no mundo. Os sentimentos intensos de desesperança e desespero que acompanham a depressão podem tornar difícil para uma pessoa ver além de sua dor atual. Eles podem sentir que a vida é insuportável e que o suicídio é a única maneira de escapar de sua dor. Em alguns casos, a depressão pode fazer com que a pessoa se sinta tão esgotada que acredita que não tem energia para continuar enfrentando as dificuldades do dia a dia.

Existem livros de ficção que conseguem retratar personagens com essa doença de maneira bastante realista e profunda, como AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL, GAROTA INTERROMPIDA, OS 13 PORQUÊS, O LADO BOM DA VIDA, POR LUGARES INCRÍVEIS, entre vários outros. REENCONTRO, de Leila Krüger, é um nacional que faz essa retratação com uma intensidade impressionante, infelizmente é bem difícil de ser encontrado. Já NUNCA VI A CHUVA deixa de lado todas as explicações acima e apresenta a depressão de maneira banalizada, superficial, como um mero pretexto para o início da trama, não apenas pela narrativa, mas também pelo comportamento dos personagens: daquele que sofre a doença e daqueles que o rodeiam.

A história de NUNCA VI A CHUVA é narrada em forma de diário. A psicóloga de Lucas acredita que ele precisa se abrir e insiste para que ele registre seus pensamentos e sentimentos na escrita desse diário. Logo na primeira página, Lucas revela o hábito de se automutilar. Quando alguém se fere intencionalmente, como cortar os braços, as pernas ou a barriga, é um sinal de que essa pessoa está passando por uma dor emocional intensa e está tentando lidar com ela de maneira destrutiva. Isso é conhecido como automutilação ou autolesão. A automutilação é um sintoma de que a pessoa está enfrentando uma dor emocional avassaladora e pode indicar a tendência a pensamentos suicidas. No entanto, em NUNCA VI A CHUVA, esse comportamento de Lucas é tratado como normalidade, como uma fase que pode ser superada com a ajuda de um diário. Essa banalidade é acentuada pelo comportamento dos pais e amigos de Lucas. Nenhum deles demonstra preocupação com a situação dele, inclusive não mostram preocupação quando Lucas diz que quer viajar sozinho, exceto pelo fato de que ele estará longe no seu aniversário e no Natal. Um dos principais cuidados com uma pessoa com depressão que se automutila, é que ela nunca, jamais, deve ficar sozinha, muito menos viajar sem acompanhamento.

Como escrevi no início, existem causas para a depressão. São muitas, são complexas, mas podem ser identificadas para um tratamento mais eficaz. NUNCA VI A CHUVA não apresenta nenhuma causa para Lucas sofrer de depressão. Ele tem saúde, pais que se preocupam, amigos que, inicialmente, são presentes e demonstram amor; não há problemas financeiros, nem conflitos escolares. Lucas tem tudo o que qualquer pessoa gostaria de ter. No entanto, ele sente raiva de tudo e de todos, principalmente de sua mãe. E embora nada seja apresentado como motivo para esse rancor, mesmo assim seria compreensível, uma vez que o excesso pode causar opressão. Muitas pessoas se sentem oprimidas quando têm demais. Sentem-se desmotivadas, uma vez que não há desafios, não há esforço para conquistar, entram em uma espiral de desânimo que pode desencadear a depressão. Isso é ainda mais comum entre adolescentes ou jovens adultos, que precisam de um caminho a seguir e podem se desesperar quando esse caminho é imposto ou já existe, quando não são eles que o descobrem. Mas nada disso é discutido, apresentado ou descrito na história.

Essa superficialidade torna-se mais incômoda devido à narrativa ser apresentada como o diário do personagem. Essa escolha, normalmente, resulta em uma voz mais intimista; é a maneira mais direta e intensa de conhecer quem conta a história, o que pensa e o que sente. No entanto, a maior parte do que Lucas escreve é precipitada, desprovida de sentimentos, uma descrição quase fria do que ele presencia e faz. Logo no início, após descobrir que sua namorada o traiu com o melhor amigo, não há uma apresentação sensível de sua decepção; apenas alguns poucos parágrafos de incredulidade, uma percepção de vazio, e a decisão de subir em um prédio e se jogar. Parece que ele está relatando algo corriqueiro, sem dar a devida importância a um ato como esse e a como seus sentimentos o levaram a quase concretizá-lo. Algo ordinário que é abandonado assim que seu iPhone mostra uma mensagem com o link de um vídeo de uma pessoa que parece ser ele, vídeo que ele praticamente ignora no momento. E assim, ele desiste de se matar. Essa representação da facilidade em lidar com uma doença que pode ser mortal é bastante perigosa.

Após Rafael entrar na história, a depressão de Lucas praticamente desaparece e o tema não é retomado. Lucas parte para encontrar Rafael e confirmar que são irmãos gêmeos que foram separados ao nascer. Nessa jornada, surgem novos personagens que são apresentados da mesma maneira que todo o resto: de forma superficial, sem profundidade. Eles possuem alguma função dentro da trama e se limitam aos momentos em que são necessários. E esses momentos surgem um após o outro, quase sem pausa. Algo acontece, na página seguinte ocorre outra coisa, e assim por diante, sem um desenvolvimento adequado. É Lucas narrando sem freio, sem demonstrar sentimentos convincentes pelo que vivencia.

A sensação que me acompanhou durante toda a leitura é a de uma narrativa que reflete o conteúdo que muitas pessoas produzem atualmente nas redes sociais, como no TikTok, nos cortes do YouTube ou nos vídeos do Instagram: algo apressado e inconsequente. O erro médico que tirou a vida do pai de Rafael; o encontro de Lucas e Rafael com o pai biológico; o encontro com a mãe biológica e seu problema de alcoolismo; a operação de Rafael para recuperar a visão; o romance de Rafael com outra personagem; a paixão reprimida que uma outra personagem sente por Rafael; a gravidez da mãe adotiva de Lucas e um acidente que acontece; tudo isso é apresentado em dois ou três parágrafos, lançado e abandonado logo em seguida, sem conseguir transmitir a importância que cada uma dessas coisas teria em uma pessoa real. É a representação perfeita da geração imediatista atual, que valoriza a apresentação do fato, sem demonstrar interesse, preocupação ou sensibilidade, preocupada apenas que seja rápido, antes que quem esteja vendo ou lendo perca o interesse.

Ao contrário de Lucas, Rafael é um personagem que consegue passar alguma emoção, principalmente por sua posição otimista em não se importar por ser uma pessoa cega. O autor consegue passar mais emoção em Rafael, sem compartilhar seus pensamentos, do que com Lucas. Mas penso que o maior motivo seja exatamente pela deficiência visual do personagem, uma vez que é natural ganhar mais simpatia e empatia por um personagem que demonstra uma fragilidade genuína causada por algo físico. O resultado dessa apresentação é genuíno, mas é um problema precisar de algo assim para criar conexão com o personagem de Lucas, e mais problemático quando essa deficiência é a força motora, é o motivo para Lucas compartilhar pensamentos de conformidade.

Existe um outro ponto de incômodo com relação às personagens femininas. Todas as que possuem alguma conexão direta com Lucas são apresentadas como vilãs. Suzi, a namorada que o trai; Marília, a mãe que oprime pelo excesso; Charlotte, a melhor amiga de Rafael que tenta usar Lucas como um consolo para a covardia de não se declarar; Lilian, a funcionária de um mercadinho por quem Rafael é apaixonado, mas o ignora; Monique, a mãe biológica que abandonou Lucas e Rafael que é uma viciada. Isso não acontece com os personagens masculinos. O pai de Lucas é retratado como mais afeto, sem motivo; o pai biológico dos dois, quando aparece, vem com um discurso conformista; o amigo que trai Rafael, tem seu momento de retratação. Não afirmo se tratar de algo proposital, penso que não há indícios suficientes para se afirmar isso, mas me senti incomodado, ainda mais que as situações de Charllotte e Lilian soaram extremamente forçadas, sem um contexto convincente, ou mesmo uma preparação.

Você pode pensar que não toquei no assunto de que NUNCA VI A CHUVA é representativo, diverso. Sim, os personagens são diversos e inclusivos, representam grupos que normalmente são ignorados, e essa representatividade é ótima, eu gostaria que mais livros fossem assim, mas nenhum tema racial, social ou de gênero é inserido na história. Mesmo Rafael fazendo parte de uma família de menos posses financeiras, nada é mostrado sobre sua vida, tudo parece ótimo, toda a família dele é apresentada sem grandes problemas, e os poucos problemas que são mencionados, estão superados. Então, realmente, não há o que eu possa dissertar sobre.

Eu penso que o leitor inexperiente, jovem, irá apreciar a leitura de NUNCA VI A CHUVA, ainda mais nos dias de hoje. As coisas acontecem em um ritmo que o leitor não terá muito tempo para pensar, algo que a maioria está acostumada a fazer assistindo vídeos de dez segundos em uma timeline infinita. A essência da história, que é a transformação de um garoto mimado e sem perspectiva em alguém que reconhece o amor da família que o acolheu, bem como do irmão recém descoberto, superando a depressão, é prazeroso de se acompanhar. Mas o leitor experiente, mais velho, mais maduro, penso que irá identificar todas as falhas que a obra tem e irá sentir falta de contexto e de profundidade em assuntos pesados e sérios que precisam de um cuidado maior na apresentação.

Vale lembrar que no Brasil, o CVV (Centro de Valorização da Vida) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. Lembre-se, é importante conversar sobre esses sentimentos com alguém de confiança. Não hesite em buscar ajuda se você ou alguém que conhece estiver enfrentando esses desafios. A prevenção do suicídio é possível e a ajuda está disponível. Se você se deparar com algum livro que contém esse tema e após a leitura se sente pior, ou com dúvidas, sem saber o que pensar, não se desespere e procure ajuda.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Stefano Volp
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2023
PÁGINAS: 224