Iniciei essa leitura com medo da carga histórica que viria pela frente. As várias resenhas pela internet reforçavam esse fato, além de salientarem o forte viés político na trama. Porém logo me surpreendi com a escrita gostosa e narrativa descomplicada. A história e a política estão, sim, presentes, o que torna a leitura cansativa, mas autora encontrou um meio de retratar isso de forma muito explicativa.
Em A GUERRA DA PAPOULA, acompanhamos Rin, uma órfã de guerra que é obrigada a se casar com um homem asqueroso. Esse era o destino das moças que desejavam uma melhor qualidade de vida. Só que Rin não deseja esse futuro para si, então decide reescreve-lo: ela estuda para o exame imperial a fim de entrar para a academia mais prestigiada do Império, um local que prepara os estudantes para o combate. Um lugar de filhos da elite.
Ao passar para o exame, Rin acredita estar salva. Mas logo Rin aprende que uma garota pobre e de pele escura não tem valor num local como aquele. A garota é hostilizada pelos colegas e professores, tendo como única saída o foco nos treinos. Ao receber ajuda de um mestre excêntrico, também hostilizado pelos demais, Rin passa a cultivar poderes xamânicos e a acessar uma magia maior do que é capaz de lidar. Quando a Terceira Guerra da Papoula eclode, Rin percebe que precisará perder o controle de si para vencer.
O livro é dividido em três partes: a história de vida da protagonista, seus motivos para querer entrar na Academia e os métodos utilizados para isso; sua rotina na Academia, adaptação e busca por um tutor; e por fim, a guerra e o papel de Rin nesse contexto. Achei crucial esse modelo de divisão na narrativa, são muitas informações a todo momento. Foi preciso uma separação em tomos para que o leitor não se perdesse no meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo.
A primeira e segunda partes foram extremamente bem desenvolvidas. Dá pra perceber que a autora dedicou muito tempo e estudo nessa escrita. A terceira parte, no entanto, é desleixada. Narrativa corrida, acontecimentos muitas vezes sem nexo, motivações infantis e desfecho esquisito. A qualidade simplesmente caiu num virar de páginas.
A parte um, focada no “antes”, na vida de Rin e no processo para entrar na academia, nos faz criar empatia pela personagem. De fato, a sua realidade é sofrida e desumana, a garota sofre preconceito a todo momento, é hostilizada dentro do próprio lar adotivo. Por residir num distrito extremamente pobre, Rin presencia cenas como o vício em ópio e o fim que seus usuários levam.
A parte dois é também carregada de preconceito e hostilidade. Entretanto podemos presenciar a garota fazendo algumas amizades… Assim como alguns inimigos. Também acompanhamos o processo evolutivo de Rin, sua força física e mental, sua habilidade com as várias matérias da Academia e sua destreza em determinadas situações. Rin é o estereótipo do potencial humano vindo do interior que surpreende a todos.
A parte três… Bem, essa foi a pior. A guerra finalmente eclode e os estudantes precisam ser utilizados como soldados, já que a capital não é conhecida pela sua força bélica. Muita coisa acontece aqui e eu não posso entrar em detalhes, cada dica seria um spoiler. Vou me ater apenas a pequenos comentários: um inimigo mortal da Academia vira, magicamente, aliado; Rin descobre a sua origem, o que antes era uma incógnita, e a justificativa não é das melhores; Rin treina por meses, com auxílio de seu mestre, para encontrar um modo de acessar um poder inimaginável, e está sempre falhando, mas com o auxílio de seu ódio e meia dúzia de palavras, a garota consegue isso e muito mais; o contexto da guerra é utilizado como justificativa para cenas deploráveis e violência sem escrúpulos; o desfecho, que na verdade foi um gancho para o próximo livro, acabou sendo um final esperado, o que destoa completamente de toda a ação e adrenalina contidos nos tomos anteriores.
Digo com tranquilidade que essa terceira parte assassinou o livro. Ela trouxe, sim, várias respostas e alguns momentos interessantes. Mas, no geral, senti que estava lendo outro livro. A decepção foi tanta que, até hoje, quase um mês depois de finalizar a leitura, ainda não digeri essa atrocidade. Perdi completamente a vontade de dar sequência à leitura da trilogia.
No mais, o restante é ótimo. O mapa no início foi muito bem-vindo, já que estamos falando de um império com vários distritos e de uma guerra de proporções grandiosas. O folclore é rico e bem explicado, tive contato com vários elementos que nunca havia ouvido falar, recebendo o contexto logo em seguida.
A carga política é densa, precisava reler vários momentos para entender exatamente o que estava sendo dito. A carga histórica também é muito presente, e devido ao livro ser inspirado em acontecimentos verdadeiros, fiquei me perguntando se algum momento daquela narrativa era inteiramente real.
Foi uma leitura pesada e cansativa, mas divertida. Esse definitivamente não é um livro pra ser lido ao acaso, é preciso uma certa dose de atenção e outra de concentração. Devido aos acontecimentos finais, às agressões e ao preconceito estampados, é um livro que só recomendo para os +18 com terapia em dia.
AUTORA: R.F. Kuang TRADUÇÃO: Ulisses Teixeira EDITORA: Intrínseca PUBLICAÇÃO: 2022 PÁGINAS: 512 |