Laura é uma menina sequestrada e jogada no fundo de um buraco por alguém que todos imaginavam ser um bom homem. Ela vê sua vida mudar da noite para o dia, e passa a descrever com detalhes sinistros e íntimos cada dia, cada ato, cada dor que o sequestro e o aprisionamento lhe fazem passar. Estevão é homem casado, trabalhador, pai de família, mas que guarda em seu íntimo uma personalidade psicopata. Ele percorre ruas e cidades se apossando da vida de meninas ainda muito jovens, pois dentro de si uma voz afirma que é dele que elas precisam. Mergulhando fundo nessa fantasia, ele destrói vidas, famílias e sonhos, deixando atrás de si um rastro de dor e morte.

Antes de mais nada, um aviso: esta resenha está lotada de spoilers e discute, inclusive, o final do livro.

A primeira metade da história, retrata de forma detalhada, a vida em cativeiro de Laura, uma garota sequestrada aos quinze anos por um monstro em forma de homem, a quem ela chama de Ogro. Faz quase quatro anos que ela está presa em um pequeno cômodo subterrâneo, em condições degradantes, sendo estuprada diariamente. Essa parte lembra demais o livro QUARTO, mas sem a criança, e não tão bem escrito. Os detalhes de suas condições psicológicas e físicas, são quase as mesmas da mãe do garoto nesse outro livro.

Apesar da narrativa ser a maior parte em primeira pessoa, feita por Laura, existem algumas partes em terceira pessoa que descrevem o que aconteceu com mais garotas que também foram atacadas, sequestradas, molestadas e mortas pelo Ogro; e outras partes que descrevem acontecimentos de pessoas ligadas a Laura. Isso acaba dando ao leitor um pouco de alívio no sofrimento da personagem principal, e é bastante acertado, porque senão a leitura ficaria uma tortura.

Então, na segunda metade da história, quando, por causa do descontrole mental do Ogro, que comete ataques precipitados e acaba deixando pistas de quem é, e de como ser encontrado, passamos a acompanhar a sua fuga na companhia de Laura. Até que chegamos a um final ofensivo, ilógico, artificial, com a nítida intensão de chocar, de criar um clímax que contraria tudo pelo qual Laura lutou na primeira parte e que ainda tenta ser justificado com a transcrição de uma síndrome que não se aplica, que é mal interpretada pela autora.

Laura foi abusada sexualmente e psicologicamente por quase quatro anos. Em toda a sua narrativa, seu único pensamento é em se manter viva para fugir. Ela tem mais de uma oportunidade de fazer isso na primeira metade da história, mas alguma suspensão de descrença, é possível aceitar que não consegue, pela sua fragilidade física e confusão mental. Quando o Ogro a tira do cativeiro e ameaça matar a família dela, caso ela tente fugir ou pedir a ajuda de alguém, é difícil, mas também podemos abrir mão da credulidade, novamente devido ao estado de Laura, para aceitar sua conformidade.

Mas a autora vai mais longe. Durante o percurso da fuga, o Ogro sequestra, estupra e mata outras garotas com a ajuda de Laura! Nesse ponto, a lógica é jogada fora, e a autora transforma Laura, alguém desesperada por ajuda, que planejou durante quatro anos uma forma de fugir, em uma cúmplice de assassinato, com a única desculpa de que ela não tem coragem de enfrentar o Ogro para que ele não mate a sua família. Mas ela deixa ele matar crianças de quatorze anos de forma cruel e desumana, e, repito, ainda o ajuda servindo de chamariz.

Novamente, por mais de uma vez, Laura tem a chance de entregar o assassino. Inclusive, em uma dessas vezes, eles são abordados pela polícia. Mesmo sendo ameaçada com uma faca, pelo desespero da personagem, e pelo que ela passou e viu acontecer, mesmo arriscando sua vida, ela tentaria se salvar e delatar o monstro.

Mas não. Página após página, a autora transforma Laura em uma personagem patética, uma expectadora de atrocidades, apaga toda a tortura pelo qual ela passou, com a única justificativa de que ela não quer que o Ogro ataque sua família. Isso é tão absurdo, tão forçado, tão ilógico, que chega a ser ofensivo para a inteligência do leitor. Porque fica nítido que o único objetivo é criar choque, em mostrar as restantes atrocidades que o monstro comete, uma leitura sádica e desproporcional.

Então, chegamos ao final. Após tanto tempo de cativeiro, após atravessar por cidades sem aproveitar uma chance sequer para fugir, com base na ameaça do ataque à sua família, após ajudar e presenciar o assassinato de várias crianças, ela simplesmente é deixada sozinha em casa, enquanto o Ogro vai enterrar mais um corpo, e só aí que ela decide fugir. Ou seja, o único motivo que a autora usava para justificar a permanência de Laura ao lado de Ogro na perpetuação dos assassinatos, é simplesmente ignorada.

E o que acontece? Ela procura ajuda da polícia? Vai a um hospital? Não. Ela tem tempo de visitar o antigo namorado e ver que ele casou e teve filhos. Tem tempo de ligar para o pai, que não acredita que é ela, pensa que é um trote. E, então, o que ela decide fazer? Voltar para a casa do Ogro e continuar se sujeitando aos estupros e participando dos assassinatos.

Vejam bem: em nenhum momento, a personagem Laura aceita sua condição. Apesar de virar cúmplice, apesar das sucessivas falhas, pela autora, em justificar suas desistências em fugir e na sua passividade diante das mortes, ela nunca, nunca, pensou em desistir. Ela não desejava apenas voltar para sua antiga vida, ela desejava ser livre, ela desejava voltar a ser um ser humano. No fim, bastou ela ver o namorado com outra e o pai não acreditar, pelo telefone, que a ligação não era um trote, para ela aceitar sua condição e voltar de livre vontade para seu cativeiro.

Ou seja, existe uma enorme incoerência de roteiro, mas é ultrajante para todas as garotas que já passaram por situações semelhantes. É um incentivo ao conformismo, que chega a ser repugnante.

Nesse ponto, ainda pensei que DIÁRIO DE UMA ESCRAVA era apenas um livro mal construído, mas então cheguei nas notas finais, anexadas pela autora, onde existem transcrições de casos reais nos quais ela se baseou para sua história. Casos onde as agredidas lutaram por suas vidas, sem se tornarem assassinas, e que aproveitaram qualquer chance que tiveram para se salvarem, que não se contiveram por ameaças ridículas.

Mas para fechar a sequência de bárbaries escritas, a autora tenta justificar o comportamento de Laura com a Síndrome de Estocolmo, como se ela estivesse apaixonado por Ogro e por isso retornou para ele. Só que essa síndrome acontece quando a vítima cria um laço de identificação, de amizade, emotivo, de amor, com seu algoz. Isso nunca, em nenhum parágrafo, aconteceu em DIÁRIO DE UMA ESCRAVA. Laura tem horror do Ogro. Ela nunca aceitou sua condição. Ela, em nenhum momento, demonstrou qualquer, nem mesmo uma fagulha, de simpatia ou compreensão por seu agressor. Ou seja, é uma justificativa tão ridícula, quanto o que ela faz com sua personagem.

Enfim, por conta dessa construção terrível de personagens e desse final totalmente absurdo, inconsequente, ofensivo, sinto-me no dever de dizer: esta foi uma das piores leituras da vida. Não apenas pela conclusão forçada e totalmente mal construída, mas pela mensagem de conformismo que ela passa para pessoas que enfrentaram situações semelhantes. Totalmente dispensável!


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Rô Mierling
EDITORA: Darkside
PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 224