Quando Leeds conhece Layla, ele está convencido de que passará o resto de sua vida com ela. Ela é espontânea, divertida, e a vida ao seu lado é fácil e tranquila. Até que um ataque inesperado faz com que Layla precise lutar por sua vida. Após semanas no hospital, Layla se recupera fisicamente, mas as cicatrizes mentais e emocionais alteraram significativamente a essência e personalidade da mulher por quem Leeds se apaixonou.
Com o objetivo de colocar o relacionamento dos dois de volta nos trilhos e tentar fazer com que os dois voltem a ser o que eram antes da tragédia, Leeds leva Layla para a pousada onde se conheceram, na esperança de que o lugar desperte em Layla os vívidos sentimentos de antes, no início da relação dos dois. Mas, assim que chegam ao lugar, situações bizarras começam a acontecer, uma após a outra, e o comportamento de Layla sofre uma mudança ainda mais drástica. Confuso e sentindo-se cada vez mais solitário, Leeds passa a investigar o porquê dos eventos e, sem que realmente perceba, se vê, de repente, obcecado.
A cada dia mais distante de Layla, Leeds encontra consolo em Willow – outra hóspede da pousada onde estão instalados. Os dois estabelecem uma rápida e intensa conexão, e Leeds começa a perceber, atônito, que prefere a companhia da mulher à de Layla. No entanto, à medida que sua curiosidade por Willow cresce, aumentam também os riscos à segurança e bem-estar de Layla. Rapidamente, Leeds percebe que precisa fazer uma escolha, depressa. No entanto, uma decisão errada pode prejudicar a todos.
Esta resenha contém spoilers de toda a história, inclusive das reviravoltas e do final. Não tem como comentar os problemas encontrados sem exemplos. Mas fique certo de que o conhecimento desses problemas podem evitar que você gaste dinheiro com um livro que poderá trazer decepções durante a leitura.
LAYLA é narrado por Leeds e tem capítulos alternados entre o presente e o passado. No presente, Leeds descreve para um homem misterioso tudo o que aconteceu desde o dia que conheceu Layla, enquanto a mesma, durante essa conversa, está amordaçada com um pano e presa a uma cadeira com cordas. Nesse passado, o leitor acompanha nos demais capítulos, descobrindo, aos poucos, o que levou a uma situação tão extrema e por qual motivo a garota está presa.
Leeds é um cara inseguro e sem ambição. Sua vida é tranquila devido à herança de uma empresa que é administrada pelos próprios funcionários e onde ele não precisa sequer aparecer. Assim, ele ocupa seu tempo tocando em uma banda, que odeia, enquanto espera por algo que anime sua vida. Esse incentivo aparece na figura de Layla, uma garota que contém toda a alegria e a espontaneidade que ele não tem. Os dois se apaixonam de imediato durante a festa de casamento de Aspen, irmã de Layla, em um casarão que serve de pousada, e Leeds começa a achar que sua vida caminha para a perfeição. Isso até postar uma foto no Instagram em que está ao lado de Layla.
Sable, a ex-namorada de Leeds, vê a tal foto no Instagram e começa a ameaçar Layla. Sable é uma mulher com problemas psicológicos, emocionais, ela é obsessiva e possessiva. Uma noite, sem qualquer aviso, Sable aparece na porta da casa de Leeds e atira com uma pistola nele e em Layla. Leeds consegue pegar sua própria arma e também atira em Sable. Sable morre, enquanto Layla fica em estado crítico, sofre duas paradas cardíacas, mas, aos poucos, consegue se recuperar e sobreviver.
Leeds leva Layla para a mesma mansão onde se conheceram, como forma de se isolarem do mundo, cicatrizar as feridas e traumas, retomar os planos sobre o futuro, além de Leeds planejar pedir a Layla em casamento. Layla, desde que saiu do hospital, tem um comportamento errático e perda de memória, alguns eventos do passado se tornaram desconhecidos para ela. Os médicos dizem que é uma situação passageira. Leeds tem a esperança que o retorno à mansão ajude Layla a recuperar a memória e voltar a ser a mulher de antes, por quem ele se apaixonou.
Mas existe uma terceira presença na mansão. Leeds percebe isso, quando eventos estranhos começam a acontecer, como panelas que caem no chão sem ninguém as empurrar, panos que pegam fogo e seu notebook que se fecha sozinho. Leeds instala câmeras em cômodos da mansão com o objetivo de flagrar quem está por trás desses acontecimentos e descobre que a responsável é Willow, uma garota fantasma que habita a mansão e que não tem memórias de quem é e nem de há quanto tempo está morta. Willow começa a se comunicar através do notebook de Leeds, e conta que algumas vezes possuiu o corpo de Layla para poder experimentar sensações como o gosto da comida, da bebida e a sensação de estar viva mais uma vez. Leeds fica fascinado com isso e sente a necessidade de ajudar Willow.
LAYLA, como outros tantos livros da autora, possui sérios problemas de construção de personagens, bem como de narrativa e motivações. Enquanto Leeds possui uma breve apresentação de quem é, de sua situação financeira tranquila, em parte responsável por sua falta de ambição e vontade de realmente fazer algo significativo na vida, Layla apenas aparece, se torna o objeto de afeição de Leeds, sofre o atentado e depois é usada e abusada por Willow e por Leeds sem poder fazer nada contrário. Pouco ou nada sabemos de seu passado, é uma personagem vazia, e assim permanece até o final.
Sable, a ex de Leeds, sofre da mesma ausência, e até mais. Ela aparece uma única vez para perpetuar o atentado e dela sabemos apenas que é uma pessoa doente. Também não existem explicações de como ela se tornou assim, e sobre o relacionamento que manteve com Leeds, conhecemos apenas a versão dele, que é superficial e vitimista.
Aspen, a irmã de Layla, serve apenas como motivo para a festa do início da história, quando Leeds conhece Layla, mais uma pequena participação no final, quando suas habilidades médicas são exigidas para um assassinato. Não vou explicar essa parte, é absurda. Já os outros personagens, como o homem misterioso, e Chad, o esposo de Aspen, são apenas decorativos. De Chad não sabemos nada, apenas que casou com Aspen. E o homem misterioso serve como meio de explicar quem é Willow, mas nem isso, porque o próprio Leeds conseguiria chegar à conclusão sozinho.
Apesar da superficialidade dos personagens, Leeds, por ser o narrador, tem presença e exposição maior, mas nem por isso é possível criar empatia ou simpatia devido a seus comportamentos vitimistas e tóxicos. A maneira que a autora usa para descrever o que ele sente por Layla é bizarra e longe de ser romântica. Na festa, Leeds ingere um comprimido oferecido por Layla, e ele pensa ser uma droga. Começa a ter alucinações e taquicardia ao lado da garota, até que descobre que, na verdade, era uma aspirina, uma brincadeira de Layla, e o que sentia, era resultado da paixão. Em outra parte, a autora descreve o que ele sente ao ouvir Layla falar, como “letras arial descendo pela garganta e enrolando no estômago”; e preciso comentar a parte em que ele pega cabelo de Layla e come como reflexo dos sentimentos fortes que tem por ela. Doentio.
Mas isso perde importância perto do que acontece na mansão. Até o momento em que Leeds conhece Willow, Layla é o amor de sua vida. Willow é uma garota morta, invisível, uma fantasma, sem forma física. A única maneira dela se comunicar é através do notebook ou quando possui o corpo de Layla. Leeds tem duas conversas com Willow e se apaixona. Ele permite e incentiva que Willow possua Layla, aquela que era o amor de sua vida, repito, até dois parágrafos atrás; considera drogar Layla para que ela permaneça mais tempo desacordada, para que Willow possa usar o corpo também por mais tempo; tem momentos de carícia e beijos com Willow, enquanto a mesma usa o corpo de Layla; e em determinado momento, procura uma forma de tornar isso permanente. E, curioso, tem um trecho em que Leeds justifica como um dos motivos do término do namoro com Sable, ela ter dito que o amava com apenas uma semana de relacionamento. Entretanto, a autora faz com que ele se apaixone por uma fantasma com duas conversas em duas noites.
Enquanto isso, Layla sente que algo está errado. Ela reclama que está engordando, mesmo comendo pouco, e não entende o motivo. O motivo é que Willow come de tudo e em grande quantidade quando possui o corpo de Layla, mesmo sabendo que isso incomoda a dona do corpo. Willow simplesmente ignora e é incentivada por Leeds. Aliás, tudo o que Layla sente de estranho, Leeds inventa motivos para ela se sentir assim, tenta disfarçar todas as situações para evitar que Layla descubra a verdade. E quando, finalmente, Layla descobre que Willow existe, ela tenta fugir, mas é capturada e mantida como prisioneira por Leeds para que ele possa encontrar uma solução para Willow. Fico pensando, se ele não amasse Layla, o que não teria feito?
Esses comportamentos e situações poderiam ter fundamento se cometidos por personagens vilões. A mocinha em perigo é usada e abusada e espera o herói para ser salva, ou pelo menos, tenta encontrar sozinha uma maneira de escapar de seus torturadores. Entretanto, a autora não faz isso. Leeds e Willow são os mocinhos e tudo o que eles fazem de tóxico, os abusos, torturas e estupros que cometem, são descrições romantizadas e justificadas por sentimentos. Leeds diz, várias vezes, que tem consciência de que é errado usar o corpo de Layla sem consentimento para se relacionar com Willow, e Willow tem a mesma noção, mas ambos justificam o que fazem porque não conseguem não fazer, porque precisam, porque sentem necessidade de se relacionarem, e Layla, infelizmente, é o meio para essa realização. Leeds e Willow são tratados como vítimas da situação, impotentes que são obrigados a realizar um mal maior, por consequência e não por escolha. Mesmo Layla sendo repetidamente tratada como um objeto de uso para os mocinhos serem felizes, em determinado momento, Leeds transfere para ela a culpa de não conseguir ter uma forma de ser feliz ao lado de Willow. Afinal, Willow precisa de um corpo e Layla está viva.
Às vezes, é difícil, durante a leitura, ter uma imagem nítida da situação dos personagens. Vamos fazer um exercício, criar um comparativo. A situação de Willow possuir Layla sem consentimento e se relacionar com Leeds, pode ser comparada a um casal drogar uma garota, a garota ficar inconsciente, e ter seu corpo usado enquanto o casal de relaciona. Quando a garota desperta, sente seu corpo cansado e sua mente confusa, mas o casal age como se não soubesse o motivo. E depois, na primeira oportunidade, o casal volta a fazer o mesmo. Uma situação dessas é tão nociva, tão doente, é um estupro físico e mental, que fica incompreensível como pode ser romantizada e usada como motivo para criar o amor de dois personagens, colocando a vítima como peça dispensável ou obstáculo.
Tudo o que escrevi, para mim, já é motivo para se sentir enojado pela forma como a história e os personagens foram construídos, mas como muitos livros da autora, nada é tão ruim que não possa piorar. Na parte final, Leeds descobre que, na verdade, Willow é a fantasma de Layla, e que Sable está no corpo de Layla. Isso aconteceu no momento em que Sable atirou em Layla, e Leeds atirou em Sable. Sable morreu e Layla, por alguns minutos, também morreu. Quando Layla foi revivida pelos paramédicos, como havia duas almas no ambiente, foi Sable que retornou para o corpo de Layla, enquanto Layla foi puxada para o local de maior apreço, a mansão onde se apaixonou por Leeds.
Então você pode pensar: há, pelo menos, Leeds e Willow não estavam abusando de Layla, mas de Sable, uma assassina psicótica, ela até merece. É um julgamento insensível, devo confessar, mas normalizado diante de uma ficção. Entretanto, o pouco que Sable aparece, e o pouco que a autora escreve sobre ela, passa a certeza de uma pessoa doente e não uma assassina psicótica. O próprio Leeds confessa em um trecho que se arrepende de ter atirado nela e a matado, que ele poderia ter evitado isso, que poderia ter esperado pela polícia para prender Sable, mas que ele optou por atirar para matar, e repito, ele optou.
Apesar de ser Sable no corpo de Layla, a autora deixa evidente, sem qualquer dúvida, que Sable não tem consciência de que é Sable, ela acredita firmemente que é Layla. Mesmo quando é confrontada com um vídeo onde Willow, usando seu corpo, diz ser Layla, ela não acredita, e afirma ser Layla, que ela não é Sable, que é mentira. E mesmo assim, mesmo sem essa noção do que aconteceu, de quem ela é, Sable é assassinada por Leeds para que Willow, ou Layla, possa recuperar seu corpo.
Sable não ocupou o corpo de Layla porque queria, conscientemente. Aconteceu sem ser da vontade dela ou de Layla. Foi uma fatalidade, dentro da história. Layla não merecia ter morrido e nem vagar por uma mansão como fantasma pela eternidade. Sable e Layla poderiam ser vítimas, Layla mais do que Sable, mas ambas vítimas. E sendo uma ficção, a autora poderia criar uma solução que honrasse as personagens. Mas, ao invés disso, a partir do momento em que Leeds e Willow descobrem que Sable está no corpo de Layla, toda a moral é jogada no lixo, e os dois só pensam numa forma de recuperar o corpo, não importa o que aconteça com Sable. Então, sim, eles assassinam Sable, de novo, para que Layla possa retornar ao mundo dos vivos, sem qualquer consideração ou remorso. E a autora descreve as ações pelo amor que eles sentem um pelo outro, porque eles precisam.
LAYLA é mais uma daquelas obras da autora que justifica o abuso, a tortura, o estupro, como algo romântico se realizado como consequência do amor. As ações criminosas dos personagens não possuem motivo, elas são perpetuadas porque eles sentem que precisam, porque pensam que não há outra alternativa, e isso já é suficiente para a autora como justificativa e como maneira de torná-los heróis. Leeds e Layla precisam ser felizes. O que fazem para realizarem esse amor, não importa, desde que ao virar da última página, algumas leitoras possam suspirar de amor por eles ficarem juntos. Que coisa, hein?
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Colleen Hoover
TRADUÇÃO: Priscila Catão
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 368
COMPRAR: Amazon