No século XIV, em plena Guerra dos Cem Anos entre França e Inglaterra, Jean de Carrouges, um cavaleiro normando recém-chegado das batalhas na Escócia, volta para casa e se depara com mais uma ameaça mortal. Sua esposa, Marguerite, acusa o escudeiro Jacques Le Gris — um velho amigo e companheiro de corte do cavaleiro — de estupro. Sem saída após Carrouges fazer um apelo formal, o tribunal decreta a realização de um julgamento por combate, o que também coloca o destino de Marguerite à prova, pois, se seu marido perder o duelo, ela será sentenciada à morte por falso testemunho.

Enquanto tropas inimigas pilham o país, a loucura ronda a corte francesa, exércitos islâmicos ameaçam o cristianismo e pragas ceifam a vida de muitos, Carrouges e Le Gris se encontram equipados com suas armaduras em um monastério de Paris, alguns dias depois do Natal, em 1386. O que se segue é o último duelo autorizado pelo Parlamento de Paris, uma luta feroz com lanças, espadas e adagas — diante de uma multidão que incluía o próprio rei Carlos VI, entre outros membros da nobreza — que termina com os dois combatentes feridos, mas apenas um fatalmente.

O ÚLTIMO DUELO não é uma ficção, mas uma ampla pesquisa realizada pelo autor na Normandia e em Paris. Quase tudo o que é apresentado no livro tem embasamento em documentos, diários e cartas das pessoas que vivenciaram os acontecimentos na época. Alguns poucos trechos, que ficaram incompletos por falta de informações, foram preenchidos pelo que o autor considera que aconteceu, mas com embasamento, levando em consideração o histórico da vida das pessoas envolvidas e considerando como elas poderiam ter reagido.

Embora não seja um romance, a narrativa é em prosa, quase uma conversa entre o autor e o leitor. Ele não toma partido em momento algum, apenas apresenta os fatos como eles ocorreram. Há o cuidado para sempre situar o leitor nos eventos de cada ano, uma vez que, por vezes, a narração é feita em anos anteriores, mais para explicar determinadas situações. A opinião do autor é apresentada, mas apenas após a conclusão da história, numa nota explicativa sobre versões diferentes de tudo o que aconteceu que foram surgindo com o passar das décadas. Ele deixa bem evidente que essas versões não possuem comprovações, parecem ter sido forjadas para tentar resgatar o respeito que uma das partes perde após o duelo.

Também embora não seja um romance, a prosa do autor navega em momentos de puro suspense, com tramas de vingança, desejos de assassinato, escândalos e uma constatação de como era uma época bárbara e cruel de se viver. Não há floreios, a época é retratada de forma crua, como realmente era. Bem como o comportamento das pessoas e a ignorância delas devido a escassez de conhecimento. Para dar um exemplo do assombro, as mulheres que sofria estupro na época e ficavam grávidas, consideravam que o filho era do marido, uma vez que a concepção de uma criança só poderia acontecer se a mulher atingisse o orgamos. Como no estupro isso não acontece, ela jamais poderia engravidar. Sim, na época, esse era o conhecimento que se compartilhava.

Carrouges e Le Gris, embora inicialmente amigos, passam quase todo o livro como inimigos, devido a disputas por terras, dinheiro, a predileção pela corte e pelo rei. Os dois são egoístas. O que os difere, é que Carrouges era um homem que amava a guerra, as batalhas, de pouca instrução, não conseguia viver muito tempo sem viajar e participar de campanhas. Já Le gris era o oposto, ele era um homem político, que conseguia poder pelas influências, e a riqueza que acumulou se deveu a esse posicionamento.

Já Marguerite era considerada uma mulher belíssima, como poucas eram vistas na época, de uma família rica, mas com um passado de traição contra a coroa. Entretanto, ela realmente amava Carrouges e confiava no marido, assim como ele também em relação a ela. Todo o relacionamento é descrito de forma respeitosa, todos os documentos comprovam. O autor apresenta várias fotos que corroboram que Marguerite realmente foi estuprada por Le Gris, embora este tenha negado em todas as vezes que foi confrontado.

Muitos podem pensar que Carrouges, por ser um guerreiro experiente, tinha vantagem no duelo. Mas isso não era verdade. Le Gris era um homem descrito como mais alto e mais forte do que Carrouges, também era hábil nas batalhas, sabia manejar com destreza espadas, machados, cavalgava com experiência. Carrouges era mais baixo e vinha de meses de batalhas em campos de outros países. Ele estava febril, magro, fraco, mas mesmo assim manteve a data do duelo e não voltou atrás na sua palavra. E Marguerite entregou a vida nas mãos do marido. Se ele perdesse, ela seria queimada viva. Não há mentira que resista a tamanha ameaça.

O ÚLTIMO DUELO não é um romance, como disse acima, mas consegue deixar o leitor mais apreensivo do que se fosse. O autor esmiúça cada pedaço da vida dos três personagens e todos os acontecimentos até o clímax, quando acontece o duelo. E quando chegamos nessa parte, ele é hábil para soltar aos poucos cada detalhe da luta, explicando no pormenor cada fase do embate. Quase dá para perceber a marca de meus dedos na capa do livro de tanta expectativa. É incrível!

O livro tem uma adaptação para o cinema com um elenco de peso. Matt Damon é Carrouges, Adam Driver é Le Gris, Jodie Comer é Marguerite e Ben Affleck é Pierre. Pierre era o senhor do feudo onde Carrouges e Le Gris tinham seus castelos e terras. Le Gris era protegido por Pierre, e Pierre odiava Carrouges a ponto de desejar sua morte.

A qualidade do livro é não tomar partidos e dar destaque aos três personagens históricos, cada um deles com suas verdades, mas principalmente não deixar dúvidas sobre a violência sofrida por Marguerite, descrevendo todo o seu desespero, o drama, e o preconceito que enfrentou junto do marido para provar que seu testemunho era verdadeiro. Eu não assisti ao filme, ainda, mas pelo que li, o filme se dedica a destacar apenas a briga de egos entre os dois personagens masculinos, relegando o drama maior de Marguerite. Por, isso foi duramente criticado.


AUTOR: Eric JAGER
TRADUÇÃO: Rodrigo PEIXOTO
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 320


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