Entre 18 de novembro de 1985 e 31 de dezembro de 1995, o norte-americano Bill Watterson publicou, em mais de 2000 jornais do mundo inteiro, as tiras de Calvin e Haroldo (Calvin and Hobbes, no original). A edição que estou resenhando tem um gosto especial por conter as tiras dominicais, que eram coloridas e não pintadas apenas a preto e branco, como eram as tiras semanais.

Depois de duas introduções no início do livro, uma pequena e bastante emotiva de Lucy Shelton Caswell, professora e curadora da Biblioteca de Pesquisa de Quadrinhos e Cartuns da Universidade Estadual de Ohio, onde as tiras originais foram expostas; e a segunda do próprio Bill Watterson, bastante extensa, com 7 páginas, mas extremamente interessante, pois ele explica diversas curiosidades. Por exemplo, o corte que alguns jornais faziam na primeira fileira de quadrinhos, onde constava o nome dos personagens e o início da história; o uso de corretivo para acertar alguns desenhos, que pode ser conferido nas páginas espelho do livro, em preto e branco e não coloridas como as páginas da direita; a forma como se deu o processo de seleção das tiras; a dificuldade em condensar uma história em espaço tão curto; e, entre muitas outras curiosidades, a emoção que Watterson sentiu ao finalizar a última história de Calvin e Haroldo, numa tira dominical, e que pode ser conferida no livro.

Entretanto, o principal ingrediente dos livros relançados pela Conrad das tiras de Calvin e Haroldo, não está no apuro técnico ou nos detalhes, como por exemplo no formato horizontal, para transmitir a mesma sensação de leitura que existia nos jornais; ou na página espelho, com as tiras em preto e branco; ou nas notas feitas por Watterson em cada uma das tiras, dividindo com o leitor curiosidades da criação de cada história, entre outras coisas, mas, sim, nos próprios personagens.

Calvin é um garoto de seis anos de idade que se destaca não apenas por sua forte personalidade, mas também, e principalmente, por sua incrível imaginação e pensamentos sobre o mundo que o rodeia. Em diversas tiras, a história começa dentro do universo criado por Calvin, como espaçonaves e dinossauros, e finaliza com a realidade, contrapondo o que ele imaginava com os objetos reais. Contudo, sua maior fonte de criatividade é conferida pela presença forte de Haroldo, seu tigre de pelúcia. Sempre que estão sozinhos, ele se torna um tigre de verdade e demonstra uma sagacidade e personalidade que não se iguala a de Calvin, mas a completa.

Haroldo é a imaginação de Calvin, mas o brilhantismo de Watterson nos personagens está justamente em não tornar o tigre um reflexo de Calvin, mas um personagem com vida própria e sem as mesmas características de Calvin. É como se ele dividisse a personalidade de Calvin ao meio, dando metade para Haroldo. Assim, por vezes, e nas melhores histórias, assistimos a desavenças entre os dois personagens, sempre finalizadas por um entendimento único, uma vez que é Calvin quem compreende e por isso o resultado tem que ser único. A construção dessa linha de raciocínio é de aplaudir e é o que torna Calvin e Haroldo tão singular.

Por 10 anos Bill Watterson trabalhou nas tiras dos jornais e na sua introdução fica claro o quanto isso o consumiu. De forma inteligente, ele se despediu no auge e partiu para novas aventuras. É emocionante ler a última tira, de fundo totalmente branco, vazio, só com Calvin e Haroldo, dando total compreensão do que o artista sentia e do que ele ainda pretendia fazer. Imperdível!


AUTOR: Bill WATTERSON
ILUSTRADOR: Bill WATTERSON
TRADUÇÃO: Alexandre BOIDE
EDITORA: Conrad
PUBLICAÇÃO: 2014
PÁGINAS: 95


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