Monsieur Hercule Poirot recebe um desesperado pedido de ajuda de um milionário sul-americano, monsieur Renauld. Imediatamente Poirot e seu inseparável assistente, Hastings, partem para a cidade onde reside o milionário. Ao chegarem à casa de monsieur Renauld, descobrem que ele foi assassinado naquela noite em um crime brutal: apunhalado pelas costas e estirado ao lado de uma cova no campo de golfe da propriedade.

Hercule Poirot é um dos mais célebres detetives da ficção policial e de mistério, além de ser o protagonista da maioria dos livros de Agatha Christie, somando mais de 40 obras no total onde é o protagonista. “Um homenzinho extraordinário! Altura, cerca de um metro e sessenta e poucos, a cabeça em forma de ovo levemente inclinada para um dos lados, olhos verdes que brilhavam quando ele estava empolgado, um austero bigode militar, um imenso ar de dignidade! Ele estava sempre arrumado e tinha uma aparência impecável”, descreve Hastings, o personagem que é o braço direito de Poirot e narrador de quase metade das aventuras.

Hastings tem um carisma contagiante, não apenas por sua simpatia e emotividade, mas pela forma como nunca consegue acompanhar o raciocínio de Poirot. Hastings, de certa forma, representa o leitor, perdido em pistas e levado pelo detetive à conclusão final. Essa é uma das diferenças na construção e na solução dos mistérios policiais de Agatha Christie em comparação a, por exemplo, os de Conan Doyle e seu Sherlock Holmes. Poirot deseja que Hastings desenvolva sua “massa cinzenta“, a forma como sempre descreve o cérebro. Ele empurra o amigo na direção da solução do caso, dá-lhe pistas, conclusões, pedaços de pão no meio da floresta, para que Hastings conclua quem é o criminoso sem precisar que Poirot cite um nome. E nós, leitores, recebemos o mesmo através de Hastings. Então não tem como não termos quase total empatia pelo personagem.

Apesar de sua arrogância, eu sou totalmente apaixonado por Poirot. Tanto que li todos os livros em que ele é protagonista e deixei de lado os que ele não era, com uma ou duas exceções. Se começo um livro de Agatha Christie em que ele não é o protagonista, sinto uma imensa falta, sinto uma total desmotivação. Por isso, nem começo, salvo exceções. Poirot tem uma presença forte, marcante, absoluta, com sua inteligência, seu atrevimento, seus estouros de genialidade e o pequeno teatro que desempenha, sem qualquer pingo de modéstia, quando soluciona o mistério e prende o criminoso ao final da história. Tudo em Poirot é singular.

O ASSASSINATO NO CAMPO DE GOLFE foi escrito em 1923 e é o terceiro livro de Agatha Christie. Sua primeira obra, O MISTERIOSO CASO DE STYLES, cujo protagonista é Poirot, foi escrito em 1916, mas apenas publicado em 1920, porque foi rejeitado por seis editoras. O segundo livro se chama O ADVERSÁRIO SECRETO e apresenta o casal de detetives Tuppence Cowley e Tommy Beresford. Aqui no blog tem resenha de um dos livros em que eles aparecem, SÓCIOS NO CRIME (aqui), onde falo mais sobre eles. Apesar da história não apresentar nenhum detalhe que a destaque muito na longa lista da autora, ela possui um evento importante com relação a Hastings: ele se apaixona por uma das personagens, uma garota que ele encontra durante uma viagem de trem, logo nas primeiras páginas, que tem uma importância fundamental na trama e que virá a ser sua esposa nos livros seguintes.

Além desse detalhe, também vale salientar a presença de outro detetive na investigação, Giraud, que utiliza técnicas mais comuns ao invés de apenas a observação e o uso da “massa cinzenta” que Poirot privilegia. O embate dos dois detetives é muito prazeroso de acompanhar. Aliás, toda a narrativa é muito prazerosa, com toda a cordialidade característica da época. E a forma como Agatha Christie escrevia, não tem como não gostar.

Mesmo com pequenos problemas, muito devido à sua inexperiência, afinal O ASSASSINATO NO CAMPO DE GOLFE foi seu terceiro livro, como a rapidez com que Hastings se apaixona e até mesmo fica contra Poirot em determinada parte da história, eu relevo. Era uma outra época, mais de cem anos atrás, as pessoas tinham emoções controladas de forma diferente, ou viam as emoções de forma diferente. Eu passo pano mesmo e mantenho minha paixão e admiração por qualquer livro dessa mulher genial.

O ASSASSINATO NO CAMPO DE GOLFE contém todas as características que definiram o gênero policial de mistério. Aliás, ele ajudou a construir essas características. A leitura é rápida, os personagens são perfeitos dentro de suas funções, não há enrolação, o mistério não é complicado a ponto de impedir que o leitor consiga desvendar, e ainda por cima ficamos por algumas páginas em companhia de Hastings e Poirot. Não consigo pensar em leitura melhor.

Ah, antes de finalizar, você pode sentir falta de alguma informação sobre a trama, além da pequena sinopse do início desta resenha. Eu não esqueci. Na verdade, em livros como este, não tem como avançar nos detalhes, coisas podem ser reveladas. E eu não quero facilitar o seu trabalho de descobrir quem matou monsieur Renauld.


AUTORA: Agatha CHRISTIE
TRADUÇÃO: Marcelo BARBÃO
EDITORA: Globo Livros
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 288


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