Olha que curioso, um livro infanto juvenil estrelado por um garoto prodígio do crime, com ares de psicopata. Isso é um pouco do que iremos achar em ARTEMIS FOWL, o primeiro livro de uma longa série que acompanha um menino de doze anos e seus delitos em busca de riquezas. É surreal, tem um pouco de comédia e muita fantasia, além de ter ganhado um filme neste ano pelas mãos da Disney. Chega ai pra saber mais!

O livro tem uma estrutura muito simples e segue Artemis Fowl, um menino que tem um plano mirabolante que envolve o sequestro de uma fada, um povo que vive no subsolo. As fadas são inteligentes, poderosas e donas de tecnologias extremamente avançadas, mas isso não impede que uma delas pare nas mãos do menino, que busca um resgate milionário em troca do refém. E para as fadas, as coisas não poderiam estar piores, pois o garoto sabe todos os segredos deles, informações que nenhum humano poderia sonhar em ter. Ele parece estar sempre um passo à frente, então como vencer essa criatura?

A narrativa apresenta os personagens com muita agilidade e não perde tempo com frivolidades. O sequestro é planejado e logo é executado. Temos vários pontos de vistas, que incluem os sequestradores, a vítima e também o povo das fadas. A vítima era uma agente da inteligência, logo seus colegas farão de tudo para resgatar a mesma. Esse jogo de gato e rato não poderia ser mais eletrizante, já que de um lado temos o povo das fadas fazendo de tudo para resgatar a vítima, e do outro, temos Fowl, que tem tudo planejado e tem uma resposta para cada nova pergunta.

Basicamente é só isso que acontece, mas felizmente o livro que não é muito longo, acha tempo para inserir camadas nos personagens. O próprio protagonista, Artemis Fowl, é basicamente um menino cheio de traumas. Seu pai está desaparecido, sua mãe tem uma doença mental, que a faz esquecer quem são as pessoas ao seu redor e onde ela está. O garoto só tem companhia de seu mordomo, amigo e capanga, e a irmã do mesmo. Ambos ajudam Artemis em tudo, pois confiam demais na astúcia do garoto. Artemis busca trazer honra e prestigio para o nome da sua família, que já foi importante no círculo de criminosos, mas hoje está na sarjeta. É aquilo, né! Criança sozinha faz besteira e Artemis não é exceção. Ele é muito inteligente, controlador e calmo, raramente ele tem emoções e ações bruscas. É um personagem excêntrico e bastante curioso, é fato de que é possível odiar ou até mesmo gostar dessa personalidade tão esquisita.

Os personagens secundários também recebem bastante espaço. O principal deles é Holly, a fada sequestrada. Ela vive à base do machismo e da desconfiança dos seus colegas, ela tenta se provar a todo custo, só falta uma oportunidade, e quando vê, ela agarra a mesma sem pestanejar. Outro personagem super interessante se chama Raiz, o chefe de Holly que tem problemas de temperamento, ele está liderando esse resgate e paciência não é o forte do mesmo. Os companheiros de Artemis também merecem destaque, já que sempre trabalham em grupo e em quase todas as vezes, tudo da certo.

É um livro para jovens bem peculiar, não tem nenhuma preocupação em desenvolver personagens doces, aqui todo mundo tem defeitos e vai crescendo com eles. O protagonista é esquisito, a vítima não é uma coitadinha e os seus superiores não são tão inteligentes. A narrativa tem um humor bem desenvolvido e a edição dos capítulos é muito bem feita, é aquele tipo de leitura que em uma hora, basicamente, você já leu 60% de todo o livro, sem ficar nem um pouco cansado.

A trama do sequestro é muito simples, mas essa pluralidade de pontos de vista enriquece demais o livro que começa e termina sem a gente perceber. O tempo passa voando e a diversão vem junto. O ato final tem de tudo e entrega momentos épicos, outro que passa voando deixando um gostinho de quero mais. E realmente temos mais, já que esse é o primeiro volume de uma saga que já tem mais de sete títulos publicados. Divertido, bizarro, ágil e inteligente. O que me vem a cabeça quando lembro da experiencia de leitura, vale demais a pena.

Porém, o mesmo não pode ser dito sobre o filme, um original do Disney+, já disponível no Brasil. Uma super produção da Disney que tinha tudo para dar certo. Elenco famoso, diretor extremamente talentoso, todo o dinheiro do mundo e uma trama super cinematográfica. Mas por incrível que pareça, deu tudo errado e o resultado final é uma tragédia.

O filme segue o mesmo arco do livro, Artemis quer um grande lucro e restaurar a honra do nome de sua família, o sequestro da fada iria fazer tudo isso, mas as coisas começam a complicar com rapidez quando o povo da vítima vem ao seu socorro. Mas junto disso temos uma trama paralela que envolve o pai de Artemis que está desaparecido, também sendo feito de refém, moeda de troca nas mãos de outro vilão qualquer que aparece do nada e que tem motivações prá lá de questionáveis.

Em apenas um filme de uma hora e meia de duração, foi condensada toda a trama do primeiro e do segundo livro e não preciso nem dizer que essa união foi desastrosa. Tudo é desenvolvido com rapidez, sem polimento e jogado na cara do espectador graças a uma edição porca, apressada e brega, com direito a uma narração podre em preto e branco. Mas o pior de tudo foi a total descaracterização do protagonista, esse Artemis Fowl dos filmes não tem nada a ver com o dos livros, que é um jovem criminoso, segundo as palavras dele mesmo, um criminoso calculista, frio e amargurado. No filme ele é apenas um menino solitário fazendo besteira, é patética a tentativa da Disney de deixar o protagonista mais limpo e aceitável para seguir o padrão perfeito. A fórmula Disney de pessoas boazinhas e sonsas.

Livro descaracterizado, elenco no piloto automático, roteiro desastroso e uma direção mais perdida que cego em tiroteio. O filme só não é totalmente descartável graças a seus efeitos visuais bacanas e a algumas cenas de ação que são bem legais. Para quem não leu o livro, a experiência pode ser menos irritante, talvez apenas esquecível, mas para quem leu o livro, esse filme é uma ofensa e um autêntico tapa na nossa cara. Desagradável do início ao fim, diferente do livro que é irreverente a todo o momento, que trouxe escrita de qualidade e uma trama bizarra e sarcástica. Pena que nada disso foi aproveitado no filme.


AUTOR: Eoin COLFER
TRADUÇÃO: Alves CALADO
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 286


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